O espanhol Dani Pedrosa,
que se retirou no fim de 2018, é uma das poucas unanimidades que frequenta o
pitlane da MotoGP. Considerado um excelente piloto enquanto em atividade e respeitado
por ser um profissional correto, Pedrosa não gosta de comparar pilotos,
sobretudo quando são de gerações distintas. No entender do espanhol, cada um
tem as suas próprias características marcantes, a sua própria magia. Diz que
reduzir tudo a números não é correto e exemplifica: “Não consigo acreditar que
obtive mais vitórias (54) que Wayne Rainey (24), que foi e continua sendo meu
ídolo”.
A mente
humana é vulnerável à crença de que qualquer
conhecimento que possa ser expresso em números é tão definitivo quanto as
cifras que o representam. Não há como resumir tudo a um algarismo,
são pequenos detalhes que fazem a diferença em GPs. Sucesso não
depende só de habilidade ou talento, deve ser somado a esforço e trabalho de
equipe. Vitórias ou derrotas nas pistas são decididos por movimentos precisos
onde cada centésimo de segundo conta, o sucesso ou fracasso de uma carreira
depende de escolhas e julgamentos subjetivos.
Não faz sentido, não
existe um parâmetro único para comparar o talento, realizações e habilidades de
pilotos em épocas e condições distintas. O extraordinário poder de mentalização
de detalhes e características de cada pista de Marc Márquez é inviável em circuitos
longos como o da a Ilha de Man (60 km) ou o GP da Bélgica no antigo traçado de
Spa-Francorchamps (14 km).
Também não é lógico cotejar
exclusivamente o número de campeonatos ou vitórias, a quantidade de GPs por
temporada nas primeiras edições do mundial era menos de 1/3 das provas dos
campeonatos atuais. Nestes termos as 24 vitórias de Wayne Rainey em 95 provas (7
temporadas) são mais significativas que as 54 de Dani Pedrosa em 295 GPs (18
temporadas), o americano competiu exclusivamente na 500cc e venceu em média uma
em cada 4 corridas, enquanto o espanhol conseguiu uma vitória a cada 6 provas que
disputou em 13 temporadas da MotoGP, 2 na 250cc e 3 na 125cc. Curiosidade:
Pedrosa sempre competiu com equipamentos Honda e Rainey exclusivamente com Yamaha.
Qualquer estudo
comparativo deve considerar a contribuição que cada piloto para o crescimento e
divulgação do esporte e, neste item em particular, a participação de Valentino
Rossi é imbatível. Ninguém soube utilizar como ele os novos recursos das
comunicações, cujo evolução coincidiu com o início de sua carreira. Seu talento
e recursos técnicos extraordinários, aliados a um trabalho de marketing
extremamente bem feito, conquistou o público italiano e posteriormente popularizou
o esporte em todo o mundo.
Ninguém se mantém em evidência durante muito tempo sem cultivar inimizades e desafetos. Rossi disputou a preferência dos torcedores italianos com Max Biaggi enquanto disputava a classe 125cc e o compatriota era campeão da 250cc. Ao comemorar uma vitória decidiu zombar publicamente da afinidade sentimental de Biaggi com a “top model” Naomi Campbell e desfilou com uma boneca inflável, a relação entre os dois deteriorou. A tensão atingiu seu ponto máximo em 2001, em Suzuka Valentino reclamou de uma manobra do rival mostrando ostensivamente o dedo médio, gesto que ganhou o mundo ao ser transmitido pela TV, e em Montmeló os dois chegaram ao ponto que o noticiário policial chama de “vias de fato”, trocaram socos ao compartilharem o pódio.
Rossi zombando de Max Biaggi em
Mugello
Valentino Rossi sempre
venceu seus principais concorrentes, Max Biaggi, Sete Gibernau e até Casey
Stoner, mas seu brilho foi ofuscado pelo talento de Jorge Lorenzo e,
posteriormente, por outro espanhol chamado Marc Márquez. O último ano de glória
para Valentino foi em 2009, desde então foi batido por Lorenzo (2010, 2012 e
2015), Stoner (2011) e Márquez (2913, 2014, 2016 a 2019). As derrotas para
Lorenzo em 2010 e 2015 foram particularmente dolorosas porque o espanhol pilotou
uma máquina rigorosamente igual a dele.
Valentino Rossi teve um
comportamento diferenciado também fora das pistas, no início da temporada de
2016 assinou com muita antecedência com a Yamaha para as temporadas de 2017/2018,
inviabilizando a permanência de Jorge Lorenzo na equipe. Este ano (2020) ele
foi vítima de seu próprio feitiço, sua hesitação em anunciar a decisão de se aposentar
ou não forçou a Yamaha a se antecipar e buscar o que tinha de melhor disponível
no mercado. A equipe fechou com Vinales e Quartararo, deixando o velho campeão
sem moto de fábrica para o biênio 2021/2022. É triste, para os que não enxergam
distinção entre MotoGP e Valentino Rossi, a informação de que a Suzuki não tem
interesse em seus serviços. O diretor geral da satélite Petronas afirma em alto
e bom som que prefere trabalhar com talentos jovens, uma vaga na sua equipe
depende de negociações complexas com patrocinadores, ou seja, para Rossi
continuar pilotando uma máquina de ponta, a equipe da Malásia quer algum tipo
de vantagem.
Muitos
pilotos revolucionaram o campeonato mundial de motociclismo ao longo dos anos. Alguns
foram mais bem-sucedidos em termos de corridas ou campeonatos vencidos, alguns já
eram e ficaram mais famosos, certamente alguns obtiveram boas recompensas financeiras
ou carreiras mais longas.
Geoff
Duke, além de 6 campeonatos mundiais e 6 vitórias na lendária prova da Ilha de
Man no início dos anos 50, foi o primeiro a perceber a segurança e as vantagens
aerodinâmicas do traje de uma peça única. A pouca cobertura da mídia aos
eventos de motovelocidade na época responde pela falta de informações mais
consistentes deste britânico e de sua importância para consolidar e desenvolver
o mundial da FIM.
Mike
Hailwood é frequentemente citado como um dos maiores pilotos de todos os
tempos. Pode não ter conquistado muitos títulos, embora 76 vitórias em GPs e 9
títulos mundiais em diversas classes componham um currículo respeitável. Mike
foi o homem que estendeu a carreira dos pilotos, começando mais cedo que seus
rivais e encerrando como o mais velho do grid. Em 1978, após 11 anos longe das
motos de corrida, Hailwood, com 38 anos, voltou a disputar o GP da Ilha de Man e
venceu a prova com uma Ducati.
Em
termos de sucesso nas corridas, o italiano Giacomo Agostini está no topo da
lista – é o piloto mais bem-sucedido de todos os tempos. Ele ganhou 15 títulos
mundiais de 1966 a 1975, campeão nas 350cc e 500cc por cinco anos consecutivos
entre 1968 e 1972. Como na época a Ilha de Man TT fazia parte do calendário do mundial,
ele ganhou impressionantes 10 GPs no circuito. Venceu 122 grandes prêmios no
total - um recorde que Valentino Rossi, que está com 115, busca igualar. Talvez
a maior realização de Agostini tenha sido apostar na era dos dois tempos. Na MV Agusta ganhou todos os títulos mundiais
das 500cc de 1958 até 1974, quando abandonou a equipe vencedora e mudou para a
Yamaha, que com um revolucionário motor de 2 tempos, levou ao título do
campeonato mundial de 1975.
Para
um homem que só ganhou dois campeonatos mundiais e 19 GPs, o impacto de Barry
Sheene no esporte foi enorme. Foi o primeiro verdadeiro astro global das
corridas de motocicletas, sendo exposto com evidência simultaneamente nas
páginas sociais e de esportes dos jornais da época. Provavelmente o que encantou
seus fãs foi sua habilidade de enganar a morte e ainda voltar a correr
novamente. Esteve envolvido em 2 acidentes pavorosos, um em Daytona quando seu
pneu explodiu em 1975 e envolvido em uma de bola de fogo no GP da Inglaterra
sete anos depois. Em ambas as ocorrências foi avisado que por seus ferimentos estava
ameaçado de nunca andar novamente, em ambas as vezes ele estava de volta em uma
moto em semanas.
O tricampeão
mundial Kenny Roberts fez mais pelas corridas modernas de motocicletas do que
qualquer outro no planeta. Transformou totalmente o esporte em termos de
segurança do piloto, condições de paddock, resultados financeiros, tecnologia da
motocicleta e técnicas de condução. Foi o primeiro norte americano a alcançar o
título de mundial e a ter um filho também campeão mundial. Kenny Roberts popularizou
uma maneira totalmente nova de pilotar, pendurado na moto e apoiando o joelho nas
curvas. Roberts foi fundamental para a remoção dos circuitos perigosos do
calendário, para que houvesse melhores condições de segurança e de trabalho no paddock,
bem como garantir que os pilotos recebessem salários compensadores.
Quando
se trata de mostrar talento natural para andar de motos certos nomes surgem com
uma regularidade notável como, por exemplo, Jorge Lorenzo, Casey Stoner e Kevin
Schwantz. Talvez a maior expressão tenha sido o norte americano Freddie
Spencer, que adorava andar, experimentar, derrapar com uma moto, aprender sobre
ângulos acentuados, tração, efeitos giroscópio e muito mais. Spencer tornou-se
o mais jovem vencedor do 500cc quando bateu Barry Sheene em Spa-Francorchamps em
julho de 1982. Um ano depois, o jovem de 21 anos bateu o recorde de Mike
Hailwood ao se tornar o mais jovem campeão mundial da categoria. É uma marca que
só foi quebrada por Marc Márquez em 2013, com apenas 20 anos. Freddie Spencer foi
o único piloto a vencer os títulos de 250cc e 500cc no mesmo ano.
O espanhol Marc Márquez está batendo
recordes desde que chegou ao campeonato mundial. Como Mike Hailwood, Phill Read
e Valentino Rossi, ele é um dos pilotos que conseguiram títulos mundiais em
três classes diferentes. Márquez foi o primeiro piloto desde Kenny Roberts em
1978 a vencer a classe principal em sua primeira temporada, e também se tornou
o mais jovem campeão de todos os tempos quando venceu o mundial de MotoGP com apenas
20 anos em 2013. Repetiu o feito um ano depois, vencendo um total de dez etapas
seguidas e conquistou o título com três provas de antecedência. Além de seu
talento precoce, Márquez popularizou o próximo nível de pilotagem, utilizando o
cotovelo como apoio. O piloto espanhol não foi o primeiro a utilizar esta
técnica, existem registros que o francês Jean-Phillipe Ruggia usava este
recurso no final dos anos 1980. A tecnologia atual dos pneus permite chegar a
ângulos de inclinação ridículos. Márquez foi o primeiro piloto a utilizar o cotovelo
como acessório auxiliar, sua técnica extrema de descolamento da moto permite
que corra com ângulos acentuados e permite levantar a moto mais rapidamente ao
sair das curvas.
Nick
Harris, que durante muitos anos foi a voz oficial da MotoGP, criou uma frase definitiva
sobre o futuro da competição: “Never say never in MotoGP”. Durante muito tempo
a possibilidade de ultrapassar o número de 100 vitórias parecia exclusividade dos
tempos de Giacomo Agostini, onde havia grande diferença entre o desempenho de
equipamentos. Então surgiu Valentino Rossi que, com a sua competência e
longevidade, superou a centena de vitórias e ficou perto de ameaçar a marca do
conterrâneo. O que era esporte está evoluindo para espetáculo e, para crescer o
número de espectadores e atrair mais patrocinadores, a organização do evento
está apostando forte na equalização da competitividade entre os participantes.
Neste ambiente era muito improvável que alguém que se destacasse tanto dos
demais, então surgiu o espanhol Marc Márquez que desenvolveu uma técnica de
pilotagem que desafia os limites da física. A frase criada por Nick Harris é
mais que profética, cresce a cada dia a certeza que limites existem para serem
desafiados e vencidos. A grande curiosidade é quando e por quem.
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