quinta-feira, 14 de maio de 2020

MotoGP – Meu GP inesquecível



Rio Hondo - 2018


Consenso praticamente não existe quando as discussões endereçam cores, gostos e preferências em esportes. Com este período de confinamento, necessário para adaptar os recursos de saúde pública para o confronto com a pandemia do Corona Vírus, proliferaram nas redes sociais várias enquetes visando eleger qual a melhor prova da MotoGP de todos os tempos. Sempre tive uma predileção especial pela edição de Phillip Island em 2015.



Lembrando, faltando três provas para o final da temporada de 2015 a classificação do mundial indicava que só as Yamaha da equipe oficial eram candidatas ao título, Rossi defendia uma vantagem de 18 pontos sobre Lorenzo, que estava em uma cruzada insana para diminuir esta diferença. Foi uma prova eletrizante, com direito até a uma gaivota ser atropelada pela Ducati de Andrea Iannone. Quatro pilotos (Lorenzo, Rossi, Márquez e Iannone) batalharam pela vitória todo o tempo, em cada trecho da pista. A corrida só foi decidida nos últimos metros, Marc Márquez ultrapassou Jorge Lorenzo nas últimas curvas, enquanto simultaneamente Valentino Rossi perdeu a terceira colocação para Andrea Iannone. A rigor, os desdobramentos da etapa da Austrália tiraram de Valentino Rossi a possibilidade de comemorar o seu décimo campeonato em 2015.



O GP da Argentina realizado no circuito de Termas do Rio Hondo em 2018 entra em qualquer relação de provas diferenciadas em função de uma série de acontecimentos na pista. Inicialmente a prova foi definida pela organização como “Wet Race”, ou seja, em um circuito com o piso molhado r que permite aos competidores a troca de equipamentos. A volta de apresentação foi autorizada com todos os competidores, à exceção do pole Jack Miller, calçados com pneus para chuva. Como o piso já estava quase seco todos, excetuando a Ducati de Miller, entraram nos boxes para trocar o equipamento ou os pneus para pista seca. A visão era surreal, uma moto isolada no grid de largada e 23 no pitlane. O regulamento prevê que nestes casos os pilotos do pitlane devem largar após a passagem da última (única) moto na pista. Quando o livro de regras foi escrito, ninguém previu uma situação onde 23 pilotos estariam nestas condições, era impossível garantir a segurança de todos na largada. Depois de algum tempo e muita argumentação organizadores e chefes de equipes chegaram a uma solução salomônica, foi criado um grid falso com um tipo de distanciamento social, Miller largou com uma vantagem de 50 m dos demais concorrentes.



A sequência de acontecimentos absurdos mal estava começando, instantes antes do início da prova Marc Márquez começou a gesticular da sua posição no grid, indicando que o motor da sua Honda havia parado. Ato contínuo o piloto empurrou a moto pela pista e a fez pegar no tranco, e percorreu o sentido inverso para reassumir a sua colocação para a largada.  O regulamento não contempla dúvidas, quando isto acontece o piloto deve largar no final do grid e não foi o que aconteceu.



Finalmente foi autorizado o início da prova, ainda na primeira volta houve um toque entre as duas Honda da equipe oficial, ambos seguiram na prova, até que um segundo toque entre Dani Pedrosa e Johann Zarco provocou a queda do espanhol. Um fato hilário aconteceu no início da segunda volta, bandeiras brancas começaram a ser agitadas pelos fiscais de pista causando perplexidade aos responsáveis pela cobertura por TV, era apenas a direção da prova comunicando aos pilotos que a troca de equipamento já estava autorizada.



A alegria do líder Jack Miller durou apenas duas voltas, logo viu a Honda laranja nº 93 colada na sua rabeta e em seguida foi ultrapassado. Márquez pilotava possuído, sabia que havia cometido uma irregularidade e tinha certeza que seria penalizado, tentava abrir a maior vantagem possível. Quando a sanção foi oficializada, teve que cumprir um ride through e caiu para a 19ª posição, iniciando então uma recuperação alucinada buscando colocações para somar pontos para o campeonato.



Com uma moto excepcionalmente bem adaptada para o circuito e utilizando uma técnica de condução extremamente agressiva, Márquez foi galgando posições. Tentando ultrapassar onde era virtualmente impossível, provocou um contato com a Aprilia de Aleix Espargaro, pela manobra arriscada foi penalizado em devolver a posição, porém quando a penalização foi oficializada já havia ultrapassado dois outros concorrentes. Franco Morbidelli não entendeu absolutamente nada, foi ultrapassado por Márquez, recuperou facilmente a posição e foi novamente ultrapassado, tudo em menos de 400 metros.



O nonsense atingiu o ápice quando Márquez alcançou Valentino Rossi faltando 4 voltas para o final. Estava em disputa a sexta posição e a Honda muito mais rápida, porém Valentino Rossi não é exatamente fácil de ser ultrapassado, ele ocupou os espaços na pista licitamente, Márquez forçou onde não havia a menor possibilidade e o choque entre as motos foi inevitável. Ambos perderam a trajetória ideal, a Honda ficou melhor posicionada e forçou a Yamaha para fora dos limites da pista, Rossi passou sobre a grama úmida e, totalmente sem aderência, caiu. Pela manobra inconsequente, Márquez foi novamente penalizado. A direção da prova fez a conta exata para tirar a Honda #93 da zona de pontuação, 30 segundos. 



Resumo da ópera: Um pódio improvável (Crutchlow, Zarco e Rins), um britânico na liderança do mundial, fato que não acontecia desde os tempos de Barry Sheene, e um descaso acintoso da mídia. A sala das entrevistas (obrigatória) dos vencedores estava às moscas. Todos os repórteres estavam nos boxes garimpando manchetes bombásticas para divulgarem em seus veículos nos dias seguintes. Márquez foi barrado pela claque contratada de Rossi quando tentou uma visita ao seu box para se desculpar. O espanhol também registrou mais um recorde em sua carreira, foi o primeiro piloto da história a ser penalizado três vezes em uma única prova. 




Pela primeira vez em muitos anos houve uma disputa agressiva entre Rossi e outro piloto em que o italiano não levou a melhor. Em declarações para a imprensa italiana, Rossi assumiu o papel de vítima e assegurou que passou a temer pela própria vida ao ter que dividir uma pista com Marc Márquez. Estranho, quando em disputas em que se envolveu com o próprio Márquez (Sepang, 2015), Casey Stoner (Laguna Seca, 2008) e Sete Gibernau (Jerez, 2005) ele considerou os toques entre equipamentos incidentes normais em competições.








Em termos de disputas, poucas provas na última década rivalizam com a realizada no paradisíaco circuito de Phillip Island em 2015. Para os que curtem adrenalina e não se importam com os lamentáveis acontecimentos, a prova do Rio Hondo em 2018 é imbatível.



Carlos Alberto

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