quinta-feira, 14 de maio de 2020

MotoGP – O adeus de Andrea Iannone?

Aprilia de Andrea Iannone



Existem dois tipos de juízes, os chamados “garantistas” que se baseiam exclusivamente nos regulamentos escritos (“By the Book”) e os interpretativos, que decidem com o que julgam ter sido a intenção do legislador quando redigiu o conjunto de leis. Os em exemplos nos tribunais esportivos são vários, em um caso recente a Confederação Brasileira de Motociclismo (CBM) não considerou um protesto de Alex Barros em relação ao equipamento de Eric Granado alegando que, embora a medida das bielas excedesse o máximo permitido, incluindo a tolerância prevista, não teriam sido significativas para melhorar o desempenho do equipamento. O Tribunal Disciplinar Internacional da FIM (Federação Internacional de Motociclismo) decidiu que Andrea Iannone é considerado culpado por ter uma substância proibida em sua corrente sanguínea e deve cumprir uma suspensão por 18 meses. O piloto foi preventivamente afastado em 17 de dezembro de 2019, Iannone somente estará elegível para pilotar uma moto a partir de 16 de junho de 2021.



Nada muito estranho, a proibição de 18 meses é menor que a especificada nas regras, 4 anos, e como o próprio tribunal explicou, é um reconhecimento oficial que a ingestão do esteróide anabolizante drostanolone, que testou positivo em ambas as amostras do controle antidopping, não foi intencional. O tribunal reconheceu que o drostanolone acabou na amostra de urina de Iannone devido à contaminação por alimentos. Nas amostras fornecidas por Andrea Iannone na etapa da Malásia em Sepang, no início de novembro (2019), foram identificados vestígios de esteroides anabolizantes. O material coletado foi processado em um laboratório credenciado pela WADA (World Anti-Doping Agency) em Dresden (Alemanha) e indicou a presença de esteroides androgênicos anabolizantes exógenos (AAS), relacionados entre as substâncias proibidas na edição de 2019. A característica exógena indica origem externa, excluindo a possibilidade de ter sido produzida pelo próprio organismo (endógena) e é quase impossível entrar acidentalmente em um corpo sem consentimento ou conhecimento da pessoa. O código antidoping da FIM (Federação Internacional de Motociclismo) afirma que os pilotos serão banidos por 4 anos ao testar positivo para uma substância não especificada (produtos susceptíveis de serem consumidos com o propósito específico de melhorar o desempenho físico), embora existam circunstâncias atenuantes - tais como uma violação não intencional das regras - que podem reduzir (não evitar) a duração da suspensão.



O tribunal decidiu que, como as regras antidoping da FIM afirmam claramente, os pilotos são responsáveis por tudo que entra em seu corpo, eles têm o dever de evitar qualquer coisa que possa causar contaminação acidental. Isso inclui produtos que aparecem na lista da FIM de substâncias proibidas e são usados na produção de carne em certas partes do mundo. A defesa de Iannone, de que ele ingeriu drostanolone acidentalmente em refeições durante um giro de compromissos comerciais no Pacífico, não foi suficiente.



O piloto da Aprilia tem a opção de apelar ao CAS (Court of Arbitration for Sport), o Tribunal Arbitral do Esporte, mas a pandemia atual do Corona Vírus provavelmente dificultará o progresso de qualquer recurso. O CAS suspendeu todas as audiências presenciais até 1º de maio, e com o surto ainda se espalhando na Suíça, novos atrasos são previsíveis. Obter uma audiência antes de cumprir grande parte do seu período de suspensão pode ser complicado.



A equipe de Iannone expressou o apoio incondicional ao piloto. O CEO da Aprilia Racing, Massimo Rivola indicou que, como o tribunal concluiu que a ingestão não foi proposital, está surpreso que ele não tenha sido inocentado. “ Queremos Andrea de volta em seu Aprilia RS-GP, estaremos ao seu lado até o fim” disse o dirigente para a imprensa.



Apesar do apoio da equipe, o que isso significa para a carreira do piloto é incerto. Em circunstâncias normais, uma proibição de 18 meses significa que ele dificilmente volta à MotoGP. A atual pandemia do COVID-19 mudou consideravelmente o cenário, criando muita incerteza no calendário da competição. Mesmo que as corridas só comecem no segundo semestre de 2020, será difícil para Iannone encontrar uma vaga na principal categoria e, quando ele for liberado para correr, terá quase 32 anos. Estar elegível em junho de 2021 implica que a maioria das vagas no grid estará ocupada por pilotos com 2 anos de contrato (2021/2022). Quem pensar em Iannone para 2022 terá de optar entre um piloto com vida útil ainda desconhecida ou um jovem da Moto2 com potencial para ser uma estrela no longo prazo.



Atletas flagrados pelos exames no antidoping normalmente recorrem ao artifício da ingestão não intencional de alimentos ou suplementos contaminados. Na maioria dos casos conseguem atenuar penas e até mesmo escapar de uma suspensão, sobretudo a partir de 2015, ano em que a WADA incluiu um artigo no código de dopagem que admite a redução de punições quando comprovada a contaminação acidental. Como o processo considera apenas a quantidade da substância encontrada na urina do atleta, a prova depende das circunstâncias e da interpretação de cada tribunal. Os juízes da FIM não são reconhecidos por sua sensibilidade aos argumentos de advogados de defesa.



A severidade com que cada caso é tratado depende do país e da importância do atleta. Aqui em Pindorama o exemplo mais emblemático foi o de César Cielo, flagrado juntamente com outros três nadadores por uso do composto diurético furosemida em 2011. Sob o risco de não disputar a Olimpíada de Londres, ele acabou com apenas uma advertência da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) e do Tribunal Arbitral do Esporte (CAS), sua defesa foi sugerir a contaminação de um suplemento alimentar fornecido por uma farmácia de manipulação. No ambiente olímpico o corredor jamaicano Usain Bolt perdeu uma de suas medalhas de ouro, conquistada no revezamento 4x100 metros da Olimpíada de Pequim, ao ser identificado que um dos integrantes da equipe testou positivo.



Phillip Island 2015 – Ducati de Iannone depois da colisão com uma gaivota



Andrea Iannone participou de 246 GPs oficiais desde 2005 e contabiliza 13 vitórias, 4 na Moto3, 8 na Moto2 e uma única na MotoGP, no autódromo de Red Bull Ring em 2016, que inaugurou a sequência de vitórias da Ducati no circuito austríaco (Dovizioso venceu em 2017 e 2019, Lorenzo venceu em 2018). Ele também protagonizou performances incríveis como em 2015 na Austrália, uma prova extraordinária onde atropelou uma gaivota danificando sua carenagem e 4 pilotos (Márquez, Lorenzo, Iannone e Rossi) disputaram a liderança o tempo inteiro, Iannone, com uma Ducati, ultrapassou a Yamaha de Valentino Rossi na última volta pela disputa da 3ª colocação. Andrea Iannone também provocou acidentes bizarros como em Rio Hondo em 2016 quando tentou uma ultrapassagem impossível na última curva da última volta e tirou ambas as Ducati do pódio. Na mesma temporada, na 16ª volta da etapa da Catalunha, estava disputando a 5ª posição com Jorge Lorenzo quando entrou muito rápido na curva 10 e não conseguiu parar a moto, abalroando a Yamaha do espanhol e ocasionando a sua queda. Em 2018 nos momentos iniciais da etapa de Sepang Marc Márquez perdeu a frente da sua Honda e fez o que só ele consegue, evitou a queda, Iannone que estava logo atrás assustou-se com a manobra do campeão do mundo e caiu. Talvez o acidente mais exótico tenha sido na temporada passada no Catar, o piloto perdeu o controle da sua Aprilia e caiu depois da prova encerrada, na volta para os boxes. O vídeo do italiano na carona da KTM de Johann Zarco viralizou na Internet.



A MotoGP está gradualmente assumindo a vocação de, além de um esporte, ser um espetáculo. O esforço da organização em equalizar o desempenho dos equipamentos e investir na competitividade está apresentando resultados e aumentando a audiência todo o planeta. Neste contexto, o modo não convencional de Iannone pilotar vai fazer falta.   

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