terça-feira, 24 de dezembro de 2019

MotoGP – Só os diamantes são eternos






Um hábito recorrente nos departamentos de Recursos Humanos é espelhar o perfil de candidato a uma posição nas características dos profissionais que são referências do ramo no mercado, existem três possibilidades: (1) apostar em um talento emergente; (2) contratar quem apresenta os melhores resultados; ou (3) buscar alguém que possa ser como o melhor era. Óbvio que no esporte existem outras variáveis como competência de advogados (Há quem diga que parte do sucesso de Michael Schumacher seja resultado dos contratos que seus representantes negociavam) e interesses comerciais (pilotos que agregam patrocinadores tem preferência), mas nas avaliações finais das equipes de ponta normalmente o desempenho é o mais importante.



Portando este cenário para a MotoGP, nas reuniões das direções de equipes para a contratação de pilotos acontece um processo semelhante, acertou quem apostou em Valentino Rossi no início de sua carreira, houve épocas em que VR46 foi o sonho de consumo de todas nas equipes, nos dias atuais todos querem alguém que possa reeditar a carreira do velho campeão, um piloto que possa ser o que o italiano era.



“Todos têm direito às suas próprias opiniões, mas não aos seus próprios fatos”, uma frase que costuma ser atribuída ao senador americano Daniel Moynihan justifica porque VR46 já não é o centro do universo da MotoGP. Se por um lado ele ainda é uma grande atração de bilheteria e responsável por levar torcedores de diversas gerações aos circuitos, desde o início da década seus resultados nas pistas deixam a desejar. Nos últimos dez anos, entre 2010 e 2019, a Yamaha conseguiu três mundiais de pilotos, todos com Jorge Lorenzo, a equipe oficial do fabricante venceu 57 GPs, 39 com Lorenzo, 12 com Valentino e 6 com Vinalles. Nos últimos dois anos a Yamaha só foi frequentou o degrau mais alto do pódio em três oportunidades, em todas representada por Maverick Vinales.



Números não mentem, este mantra da matemática é inexorável. Deste 2010 o histórico de Rossi contempla um tri vice-campeonato no mundial de pilotos, nos anos de 2014, 2015 e 2016, porém a única oportunidade em que realmente disputou o título com condições de vitória foi em 2015, ocasião em que foi superado por Jorge Lorenzo. Em seu favor deve ser lembrado o fato que na última prova da temporada, em Valência, ele largou do final do grid, penalizado por um incidente com Marc Márquez na etapa de Sepang. Para Valentino a meta de igualar ou exceder os recordes de Giacomo Agostini, 8 mundiais na classe principal e 122 vitórias em GPs, é cada vez mais improvável.



Não há como ignorar a participação que Valentino Rossi teve e tem na divulgação do esporte de duas rodas. Suas performances dentro e fora das pistas conquistaram uma multidão de torcedores em todo o planeta, não há disputa de motovelocidade em qualquer um dos continentes onde não sejam identificadas bandeiras amarelas com o número 46. Entretanto, se não há como desconsiderar a sua importância para a divulgação do esporte em nível mundial, é forçoso entender que, depois de dez anos sem títulos e duas temporadas inteiras sem vitórias o auge da sua carreira já passou.



Uma avaliação com base em resultados nas pistas realizada pelo site Crash.net indicou, sem surpresas, que o melhor piloto desta década foi Marc Márquez, neste estudo a segunda posição ficou com Jorge Lorenzo e a terceira com Casey Stoner, Rossi foi apenas o quarto colocado. Os “top 10” ainda incluem Dani Pedrosa (5º), Andrea Dovizioso (6º), Johann Zarco (7º), Maverick Vinales (8º), Pol Espargaro (9º) e Cal Crutchlow (10º), lembrando que foram contabilizados os resultados das categorias 125cc, 250cc, Moto3, Moto2 e MotoGP.



Não é razoável supor que a falta de resultados de Rossi nos últimos dez anos seja resultado exclusivo de problemas com equipamentos. A Ducati venceu 3 vezes em 2010 com Casey Stoner, Valentino passou 2011 e 2012 em branco com a mesma moto. A Ducati só voltou a vencer em 2016 depois de implementada a padronização da eletrônica (harware e software) e troca do fornecedor de pneus (Michelin), a temporada apresentou 9 vencedores diferentes, de 4 fabricantes nas 18 etapas.  Em 2019 as Yamaha de Maverick Vinales e Fábio Quartararo (satélite) pontuaram mais que Valentino, ele foi apenas o 7º classificado no campeonato, igualando a pior colocação de sua carreira na principal categoria, que aconteceu em 2012 com a Ducati.



Piloto mais longevo em atividade, Rossi já disputou 24 temporadas completas em campeonatos do mundial de motovelocidade da FIM, duas na categoria 125cc (campeão em 1997), duas na 250cc (campeão em 1999), duas na 500cc (campeão em 2001) e 18 desde que o regulamento mudou para motores de 4 tempos, conquistou 6 títulos mundiais (2002 a 2005, 2008 e 2009). Um histórico de vitórias impressionante, que está perto de ser igualado por Marc Márquez (falta um título na MotoGP).

  

Nas vésperas de completar 41 anos de idade (fevereiro de 2020), Rossi ainda é um piloto extremamente veloz e competitivo, em sua carreira sempre mostrou grande capacidade de adaptação e disputa de igual para igual com pilotos bem mais jovens. Na MotoGP a idade não é muito significativa, as provas são curtas (45 minutos) e com o equipamento correto a disciplina mental é mais importante que a condição física.



O argentino José Hernández, autor da obra “El gaúcho Martín Fierro”, descreve em um de seus poemas que “O diabo sabe por ser o diabo, mas sabe mais por ser velho”. Este ensinamento se aplica na íntegra a Valentino Rossi, a sua experiência nas pistas o transformou, além de um piloto vencedor, em um especialista em jogos psicológicos – abalar seus adversários e garantir a vitória desde antes da largada. Muitas vezes isto funcionou, ele inviabilizou a permanência de seu maior rival Jorge Lorenzo na Yamaha em 2017, em outras não deu certo como foi o caso do mundial de 2015.



Durante esta última temporada Rossi e Vinales reclamaram muito da velocidade final da Yamaha, sugerindo melhorias na programação da eletrônica, até porque o motor é lacrado. Com um equipamento semelhante Fabio Quartararo conseguiu em diversas ocasiões ameaçar a Honda de Marc Márquez. Em algum momento Rossi comentou que talvez a Yamaha devesse abandonar o motor de cilindros em linha e adotar o modelo V4 para obter maior potência, uma manobra interpretada como forma de pressionar a fábrica. Aliás, pressionar fabricantes parece ter sido a tônica da temporada, os pilotos Yamaha querem maior potência do motor, na Ducati exigem maior velocidade em curvas, Johann Zarco abandonou a KTM em meio da temporada fazendo declarações impublicáveis sobre o equipamento. Todos os pilotos Honda reclamam as exigências físicas para conduzir o protótipo, com exceção de Marc Márquez que, desde que se juntou a equipe em 2013, nunca fez nenhum comentário público depreciativo sobre a RC213V.



Valentino Rossi é um profissional bem sucedido, de acordo com a revista Sport Illustrated (corroborada por outras fontes) está entre os desportistas mais bem pagos do mundo. Uma publicação alemã reportou, sem citar as fontes, que em rendimentos diretos só perde para o campeão do mundo, seu salário anual ficou em torno de 9 milhões de Euros em 2019. O italiano ainda comanda um grupo empresarial que inclui a VR46 Riders Academy, a equipe Sky Moto2 VR46, administra a carreira de diversos pilotos, merchandising de confecções, gadgets, acessórios e uma loja online.



Carismático, Rossi é conhecido por sua excentricidade dentro e fora das pistas. No mundo do motociclismo é conhecido por “The Doctor” e sempre utilizou o número 46. Entre 2000 e 2008 viveu em Londres devido a problemas com o fisco italiano, depois de encaminhar uma solução voltou a fixar residência em sua cidade natal, Tavulia, perto de Misano onde é realizado o GP de San Marino.



Talvez a maior evidência da descrença do futuro de Valentino Rossi como piloto possa ser encontrado nas resenhas de fim de ano dos veículos da mídia especializada. Quando os jornalistas que acompanham a MotoGP fazem um exercício de futurologia tentando identificar quem pode ser o maior adversário de Marc Márquez na próxima temporada, o nome do velho campeão nunca é citado.


Carlos Alberto

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

MotoGP – Má notícia no final de temporada





Andrea Iannone, “The Maniac”, na Aprilia #29


A temporada de 2019 da MotoGP não foi das mais disputadas, Marc Márquez no comando de uma RC213V venceu praticamente sozinho os três campeonatos da classe principal, pilotos, fábricas e equipes.   Ainda assim a temporada apresentou fatos surpreendentes, o surgimento auspicioso da equipe Petronas como satélite da Yamaha, a performance do novato Fábio Quartararo e os fracassos retumbantes de Jorge Lorenzo (Honda) e Johann Zarco (KTM). A temporada não merecia ser encerrada com manchetes relacionadas com doping de um dos seus pilotos. 

Em uma amostra de urina fornecida por Andrea Iannone na etapa da Malásia em Sepang, no início de novembro, foram identificados vestígios de esteroides anabolizantes. A análise da amostra foi processada em um laboratório credenciado pela WADA (World Anti-Doping Agency) em Dresden (Alemanha) e indicou a presença de esteroides androgênicos anabolizantes exógenos (AAS) constantes na relação de substâncias proibidas na edição de 2019. A característica exógena indica origem externa, excluindo a possibilidade de ter sido produzida pelo próprio organismo (endógena) e é quase impossível entrar acidentalmente em um corpo sem consentimento ou conhecimento da pessoa. O código antidoping da FIM (Federação Internacional de Motociclismo) afirma que os pilotos serão banidos por quatro anos ao testar positivo para uma substância não especificada (produtos susceptíveis de serem consumidos com o propósito específico de melhorar o desempenho), embora existam circunstâncias atenuantes - tais como uma violação não intencional das regras - que podem reduzir a duração (não evitar) da desqualificação.

Alguns ícones do esporte passam rapidamente do panteão da glória para o ostracismo e só são lembrados como exemplos a serem evitados. O corredor canadense Ben Johnson, perdeu sua medalha de ouro obtida na prova olímpica mais emblemática, os 100 metros rasos, dos jogos realizados em Seul em 1988. Substâncias não permitidas foram identificadas em seu exame antidoping. Lance Armstrong, que foi considerado por muitos anos um fenômeno no mundo esportivo, foi flagrado em um exame e em 2013 confessou que utilizou medicação não permitida para melhorar seu desempenho nos sete anos em que venceu o Tour de France.  Armstrong perdeu todos os títulos conquistados e patrocinadores pessoais. Anderson Silva, mais conhecido como Aranha (Spider), é um lutador brasileiro de artes marciais mistas e ex-Campeão Peso Médio do UFC, conquistou 17 vitórias seguidas e 10 defesas de título consecutivas, tendo a sequência interrompida em 2013 quando perdeu uma luta e o cinturão. Spider, que chegou a ser considerado o melhor lutador de UFC da história, foi flagrado em um exame antidoping em 2015 quando tentava recuperar a sua antiga forma e prestígio.

Os episódios de Armstrong, Johnson e Spider indicam que sempre vai existir, em qualquer modalidade esportiva, competidores que decidem utilizar atalhos para adquirirem uma melhor condição física, arriscando a encerrar suas carreiras de um modo melancólico.
Andrea Iannone, da equipe Aprilia, recebeu uma suspensão provisória de acordo com o código de antidoping da FIM. O piloto pode (e vai) recorrer do resultado solicitando que a amostra B (segunda amostra colhida na mesma ocasião) seja analisada. Também pode recorrer ao CDI (Tribunal Disciplinar Internacional) para que sua suspensão seja suspensa, mas para isso teria de fornecer evidências de que as amostras que tenham sido contaminadas de alguma forma, ou que ele tinha ingerido substâncias proibidas por acaso (esteroides anabolizantes são usados para construir massa muscular e queimar gordura, é muito improvável que sejam consumidos acidentalmente). Esteroides podem ser uma droga extremamente útil para perder peso. Seu principal benefício nesse cenário é consumir gordura e promover a preservação muscular em uma dieta de restrição calórica.

Se não recorrer, ou a análise da segunda amostra confirmar os resultados da primeira, então Iannone está sujeito a uma proibição automática de participar do mundo da motovelocidade por quatro anos. Uma ausência por este período de tempo praticamente decreta o fim da carreira do piloto de 29 anos. Rumores dos boxes da MotoGP já listavam Iannone como um dos pilotos que provavelmente abandonariam categoria no final da próxima temporada para migrar para a WorldSBK, onde teria sido um reforço muito bem-vindo. Uma proibição por quatro anos torna isso impossível. 

A suspensão de Iannone deixa a Aprilia em um dilema e a solução mais óbvia seria promover Bradley Smith do seu papel como piloto de testes. Smith tem sido fundamental no desenvolvimento da Aprilia RS-GP, fornecendo subsídios para um equipamento totalmente reformulado que deve ser apresentado ao público no teste de Sepang em fevereiro do próximo ano.

Andrea Iannone surgiu para o mundial de motovelocidade em 2005 disputando a categoria 125cc e sua primeira vitória ocorreu em 2008 (ainda na 125cc). Acumulou 10 vitórias até ser promovido para a 250cc em 2010, onde por três anos consecutivos obteve a 3ª colocação no mundial. Em 2013 chegou na MotoGP com a Pramac Racing Team, a consistência de seus resultados justificou sua contratação pela equipe oficial da Ducati em 2015 e no ano seguinte conquistou a sua primeira e única vitória na classe principal. Em 2017 perdeu a vaga para Jorge Lorenzo, mudou-se para a Team Suzuki Ecstar onde, mantendo seu estilo agressivo, colecionou bons resultados com alguns pódios impressionantes. Este ano competiu pela Aprilia Racing Team Gresini e se classificou em 16º no mundial, duas posições atrás de Aleix Espargaro, seu colega de equipe.

A convicção do piloto em sua inocência é total, ele confia que o exame da contraprova será suficiente para encerrar este incidente. Uma das características pessoais de Andrea Iannone é a vaidade, ele praticamente não participou de um dos testes pré-temporada deste ano, nas declarações à imprensa a equipe justificou a sua ausência alegando uma inflamação em um dente, entretanto outras versões sugeriam que estava convalescendo de uma cirurgia estética que o impedia de usar o capacete.
Em qualquer esporte, inclui motociclismo, atletas podem usar esteroides para alcançar algum tipo de vantagem, o que leva a crer que seu uso possa estar relacionado com a finalidade de aumentar o desempenho na condução dos protótipos, ser tão leve quanto possível e forte suficiente para pilotar um equipamento pesado e com muita potência.

Anabolizantes estão na contramão do motociclismo esportivo. A MotoGP está angariando cada vez mais adeptos por apresentar disputas equilibradas e grandes espetáculos, tudo o que não precisa, e os organizadores vão utilizar todos os recursos para evitar, é que a lisura do mundial seja contaminada com notícias de uso de doping.





domingo, 8 de dezembro de 2019

Endurance - Ford vs Ferrari









Ford GT40 MK II





Ferrari 330-P3



A história dos cegos e o elefante tem origem em textos budistas publicados na Índia e endereça divergências de opinião, as pessoas podem ter ideias próprias geradas a partir do conhecimento parcial dos fatos. Cada qual interpreta os acontecimentos de acordo com as suas convicções. Ford vs Ferrari em exibição nos cinemas é baseado em fatos reais e sugere um ambiente com heróis e vilões que provavelmente não tenha ocorrido na prática.



O filme é um retrato fiel da dificuldade de vencer a inércia de uma corporação gigantesca como a Ford comparada com a agilidade e centralização de decisões da Ferrari. Há também o componente de comprometimento com o produto final, em Maranello um único mecânico montava todo o motor e respondia por sua qualidade, na empresa americana produtos de linha eram adaptados. Aliás, a capacidade de produzir todos os componentes principais de seus carros era a razão do desprezo do Comendador Enzo Ferrari por seus concorrentes da Fórmula 1 antes que Bernie Ecclestone atraísse as fábricas para a competição. Ele classificava as outras equipes como “garagistas”, eram incapazes de produzir seus próprios motores.



A história conta a saga do GT-40, um carro desenvolvido para recuperar o orgulho americano, supostamente pela Ford ter sido preterida pela Fiat para comprar a Ferrari, que reinava absoluta nas provas de resistência, principalmente na mítica prova das 24 Horas de Le Mans. Menos que a necessidade mercadológica de produzir veículos esportivos, associando a marca com o conceito de vitória, o roteiro é centrado em uma “vendeta” exigida por Henry Ford II que se sentiu traído e humilhado por Enzo Ferrari.



Sem preocupação com custos, em determinado momento a gigante americana optou por diversificar esforços e estimular uma competição interna, criou duas equipes, uma baseada em uma estrutura já existente que disputava o campeonato da Nascar e outra contando com a experiência de Carol Shelby, um antigo corredor que já havia vencido como piloto e construtor categorias menores em Le Mans. A administração da montadora custou a entender que para obter sucesso em competições, o uso da mesma estratégia utilizada em para administrar uma linha de produção em série era um obstáculo. Múltiplos níveis de decisões eram um fator redutor de eficiência, o mantra “diminuir para crescer” nunca foi tão significativo. 



Algumas das pérolas do automobilismo moderno, como a intervenção das equipes nos resultados de pista já aconteciam e foram espelhados no filme. Uma frase popularizada na era Schumacher da Fórmula 1, que era utilizada sempre que a Ferrari tinha as duas primeiras colocações nas voltas finais: “tragam as crianças para casa”, também foi utilizada durante o desenvolvimento do GT-40. Se em uma prova dois Ford estivessem na dianteira, a orientação era evitar disputas que pudessem comprometer os equipamentos. A orientação foi seguida até as 12 Horas de Sebring em 1966, dois GT40 da Shelby American lideravam, Ken Milles (britânico), que estava em segundo e estabeleceu seguidos recordes na pista, pressionando o líder Dan Gurney. Faltando meia milha para o final o GT40 do norte-americano teve um problema mecânico e foi ultrapassado por Milles. Gurney cruzou a linha em segundo empurrando seu protótipo. Em função da pressão desnecessária exercida nas últimas voltas, Ken Milles foi rotulado como incapaz de trabalhar em equipe e seu comportamento não era adequado para ser associado como piloto Ford. 



Ferrari e Ford trilharam caminhos distintos no desenvolvimento de equipamentos para vencer provas de endurance. Enquanto os americanos apostavam em maior potência e apresentaram em 1966 o GT40 MKII, uma máquina reforçada com motor V8 de 7 litros e 485 CV, a rival italiana apresentou o Ferrari 330 P3, em fibra de vidro, motor V12 de 4 litros com 420 CV. A lógica da Ferrari era linear, motores maiores exigem chassi mais pesado e implicam em maior consumo de combustível, maior resistência de componentes da transmissão e maior esforço dos freios. Na segunda metade dos anos 70 venceu a força bruta.



Era natural que o departamento de divulgação e propaganda da Ford tivesse preferência por pilotos com um perfil mais palatável ao mercado para vencer competições com um veículo da marca, ainda assim o epílogo do filme atendeu mais uma necessidade da trama que um fato proposital. Era comum nos anos 60 equipes provocarem o alinhamento de seus carros na chegada de provas de longa duração (endurance), fotos de cobertura jornalística de corridas no Brasil nos anos 60 mostraram em diversas ocasiões berlinetas Interlagos da equipe Willys ou DKW da Vemag cruzando a linha de chegada juntos, uma poderosa ferramenta promocional.




Berlinetas Willys Interlagos



Ao perceber que a vitória da Ford nas 24 Horas de Le Mans era inevitável e confiando na pouca precisão dos sistemas de cronometragem, o marketing da empresa americana desenvolveu a ideia de imortalizar uma vitória histórica fazendo os três GT40 cruzarem a linha de chegada juntos. Uma foto para a posteridade com os três carros americanos compartilhando a primeira colocação, na prova mais significativa da Europa que até então era monopólio da Ferrari, parecia excelente. Se um piloto em particular foi prejudicado, quase com certeza não era a intenção. Observação: A Ferrari devolveu a gentileza nas 24 Horas de Daytona em 1967 fazendo três carros nas três primeiras posições cruzarem a linha de chegada juntos, embora com número de voltas diferentes.



Um dos fatos que não foi endereçado pelo roteirista do filme é que o engenheiro, piloto e projetista Ken Milles era um tipo de Valentino Rossi no mundo das quatro rodas. Por ocasião das 24 Horas de Le Mans em 1966 ele tinha 48 anos, dez a mais que Phil Hill e quase duas décadas de seus, colegas o neozelandês Bruce McLaren e o australiano Denis Hulme.




MotoGP – Ajuste da Suspensão (revisado)








Guillaume Amontons foi um inventor e físico francês que viveu entre 1663 e 1705. Em seu currículo constam aperfeiçoamentos em instrumentos de medição como barômetro (1965), higrômetro (1687) e termômetro (1695). A contribuição do francês aplicadas na MotoGP é com a a formulação das leis do atrito: (1) A força do atrito entre a roda e o piso é diretamente proporcional à carga (peso) aplicada; (2)  A força do atrito independe da área de contato. Estas duas regras são complementadas pela lei de Coulomb que especifica que o atrito cinético independe da velocidade de deslizamento. 


Os protótipos que participam da MotoGP são equipamentos complexos, embora os motores sejam lacrados antes da primeira etapa e a sua especificação permaneça inalterada durante toda a temporada, diversos componentes do chassi podem ser ajustados de acordo com as características de cada circuito para criar uma configuração (chamada de setup) mais competitiva. Existe um conjunto de elementos relacionados com aspectos importantes da geometria do quadro que podem ser modificados em função de condições do traçado ou aderência de piso, conhecidos pelos termos técnicos; rake, trail, wheelbase (distância entre eixos), centro de gravidade e anti-squat.


Conceitualmente a geometria é identificada apenas com as medidas físicas do chassi, entretanto estes valores são inter-relacionados, alterar um implica em modificar outros. Ajustar um equipamento não é simples, enquanto os valores de rake, wheelbase e trail são obtidos por medidas diretas, anti-squat e outros valores resultam de uma combinação de diversas dimensões.


Trail (trilha) é medida da distância do contato do pneu entre a vertical da roda obtido a partir do grampo triplo e o ponto onde o eixo de direção encontra o piso. Outras medidas importantes que afetam diretamente a geometria do equipamento são o rake, offset e diâmetro do pneu. Rake é a medida do ângulo do eixo de direção em relação a vertical, offset é o deslocamento entre a distância entre tubos do garfo e o eixo de direção dianteiro. 


Geometria Dianteira - Rake e Trail


Na parte frontal o a medida do trail é o principal responsável sobre o comportamento da moto em curvas e sua estabilidade em linha reta. Trail é definido como a distância do contato entre a vertical do pneu dianteiro e a inserção do eixo de direção com o piso. O maior valor do trail aumenta o esforço do piloto necessário para conduzir o equipamento e resulta em maior estabilidade, reduzir o trail torna a direção mais leve e a moto menos estável. O maior ou menor valor do trail, de acordo com a segunda lei de Amontons, não implica em maior ou menor grip, força de atrito entre a roda e a pista. 


O ajuste do trail pode ser obtido alterando duas das três dimensões utilizadas na sua composição, rake e offset, já que o diâmetro do pneu é fixo e definido pelo regulamento da competição.


Geometria Traseira: Anti-Squat


Squat não tem uma tradução literal que possa ser aplicada ao comportamento da suspensão traseira de uma moto. O termo mais aproximado é “agachamento”, a reação de buscar um equilíbrio de forças que atuam em um determinado momento sobre o equipamento. Squat indica a tendência da moto em baixar a suspenção traseira na aceleração como resultado da transferência de carga em função da tração aplicada. Uma maneira de compensar esta tendência é o anti-squat, uma característica de flexibilidade do chassi que trabalha para inibir a transferência de peso durante a aceleração. Nas últimas provas de 2019 uma sensível melhora no comportamento das KTM foi resultado de uma sugestão do piloto de testes Dani Pedrosa, a remoção de dois parafusos de fixação do motor no chassi de treliça da moto para aumentar a sua flexibilidade e colaborar com o anti-squat. Com a aplicação do torque gerado pelos motores no eixo da roda traseira os efeitos de squat e anti-squat têm uma disposição natural para aumentar.


O efeito de anti-squat é uma combinação de duas forças. A primeira é a força motriz do pneu traseiro, que atua apoiada no braço oscilante e tende a estender a suspensão traseira. Um exemplo prático, se a moto for bloqueada por uma parede sólida e uma pressão for exercida sobre o chassi, o ângulo do braço oscilante tende a reduzir estender a distância entre eixos. A segunda força é da correia que atua sobre o eixo e que também trabalha para ampliar a suspensão na maioria dos casos. A magnitude da contribuição de anti-squat da correia depende do ângulo e a da distância em relação ao braço oscilante. Estas duas forças atuam em conjunto com o efeito giroscópio (Autoracing, 23 de maio de 2016, MotoGP – O efeito giroscópio) para criar o melhor compromisso entre velocidade em retas e facilidade no contorno de curvas. 


Existem diversos modos para expressar a magnitude do efeito anti-squat. O mais simples é usar uma porcentagem para indicar o quanto da transferência de peso é compensada, por exemplo, se seu efeito compensa 75% da transferência de peso na aceleração e a suspensão vai sofrer alguma pressão para baixo. Com 100% a transferência de peso é perfeitamente equalizada e a suspensão não apresenta efeitos devido à aceleração. Em mais de 100% reduz ângulo do braço oscilante e a suspensão é alongada. Este valor pode ser calculado pela localização exata da roda dentada dianteira, em conjunto com outras dimensões. O anti-squat é importante porque pode alterar o comportamento do chassi na saída de uma curva. Normalmente algum squat é desejável para carregar o pneu traseiro e obter maior tração, mas não pode ser suficiente para provocar o wheelie, fazer a roda dianteira perder o contato com o piso. 


Quando a suspensão traseira desce, o ângulo do braço oscilante pode mudar consideravelmente em função das características anti-squat. Circuitos com equilíbrio entre retas e curvas a maioria das motos responde melhor se configuradas com o anti-squat pouco mais de 100% com a suspensão totalmente estendida, o que significa maior eficiência na aceleração e dirigibilidade nas saídas de curvas pela compensação da transferência de peso.



Centro de gravidade


Até este ponto nos referimos a ajustar o comportamento da frente ou traseira da moto, alterando o rake, offset, trail ou trabalhando a flexibilidade do chassi para compensar o resultado do squat ou anti-squat.. Evidente que é importante controlar qualquer mudança que levanta ou baixa o equipamento inteiro, porque a altura da moto tem importância vital em sua dirigibilidade. Um modo de avaliar a contribuição de todos estes atributos é o conceito de Centro de Gravidade (CG), o ponto onde convergem todas as forças que atuam na transferência de carga, aceleração, frenagem e inclinação em curvas, ou seja, o ponto de equilíbrio da moto inteira. Na maioria das motos de competição o CG, incluindo o piloto, deve estar a meio caminho entre a roda dianteira e traseira. A posição do CG influi no comportamento geral do equipamento. Uma moto com o CG mais elevado gerencia melhor a retomada de velocidade, frenagem e amplia os efeitos da transferência de peso, tende a trocar de direção mais rápido e exige menor ângulo de inclinação para contornar uma curva.

Adiantar o CG ajuda a manter a extremidade dianteira para baixo, aquece melhor o pneu dianteiro, contribui para ajudar com aderência frontal, mas a extremidade traseira terá maior facilidade para subir durante a travagem e o conjunto perder aderência. Baixar o CG pode significar menor arrasto, retomadas de velocidade mais eficientes e velocidade em trechos retos.  


O comportamento do protótipo deve ser adequado às características do piloto, tem os que preferem trabalhar mais com a frente, outros com a traseira no contorno de curvas. O equipamento deve responder com a maior desempenho possível em cada caso, por isto é complicado, em uma mesma equipe, um só piloto responder pelo setup das motos.



Geometria dinâmica


O problema do ajuste ideal de uma moto é que fazer uma mudança em uma variável afeta um sem número de outros comportamentos na geometria, especialmente em protótipos que devem obedecer a padronizações draconianas como os equipamentos da MotoGP. Ainda assim as equipes conseguem ajustes limitados com alterações realizadas de modo indireto. Por exemplo, a Yamaha M1 pode mudar a altura de pivô do braço oscilante para conseguir maior anti-squat, mas isso também muda rake, trail e a altura do centro de gravidade. Muitas vezes uma única alteração pode introduzir mais problemas que soluções. Aumentando a complexidade, tudo o que foi citado acima é relacionado com o equipamento na vertical e na maior distância entre eixos, condição que quase não acontece durante uma prova. 


Os números de geometria mudam constantemente à medida que a suspensão trabalha. Em travagem, por exemplo, a suspensão frontal é quase totalmente comprimida e a traseira estendida. Mudanças de peso, até pelo consumo de combustível, alteram significativamente o rake, trail e CG. Os movimentos do braço oscilante e os ângulos da correia alteram o comportamento da suspensão e podem até transformar um comportamento anti-squat em pró-squat em algumas condições. 


As equipes de utilizam complexos softwares de simulação para prever o comportamento de mudanças na geometria dos equipamentos, que calculam características importantes baseadas em várias variáveis de entrada, entretanto nada compara a sensibilidade dos pilotos em testes para encontrar as condições ideais.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

MotoGP 2019 – O exército de um homem só






Provavelmente nunca vai haver um consenso sobre quem foi (ou é) o melhor piloto do motociclismo esportivo mundial em todos os tempos, até por falta de um meio eficaz de comparação. O número de vitórias ou títulos nos remete à época em que Giacomo Agostini disputava em duas categorias (350cc e 500cc) e vencia em ambas. Se for analisada a importância na divulgação e popularização do esporte, acrescida de títulos e vitórias na pista, a carreira de Valentino Rossi não tem paralelos. Durante as sete décadas do mundial da Federação Internacional de Motociclismo surgiram diversos nomes representativos como Ángel Nieto, Mike Hailwood, Carlo Ubbiali, John Surtees, Phil Read, Geoff Duke, Jim Redman, Michael Doohan e nos últimos tempos Casey Stoner e Jorge Lorenzo, além de outros que apesar de nunca vencerem campeonatos, proporcionaram nas pistas espetáculos inesquecíveis como o americano Randy Mamola.


Em uma época onde todo o esforço dos promotores é realizado para equalizar as condições de competitividade, utilizando eletrônica padronizada e regulamentos draconianos, a superioridade dos resultados obtidos pelo espanhol Marc Márquez é extraordinária. Importando um jargão popularizado pela política brasileira, “nunca antes na história” um piloto destacou-se tanto entre os concorrentes. Em 2019 Márquez contabilizou 420 pontos em 19 etapas, doze vitórias seis segundas colocações e uma desistência, uma média ligeiramente menor que a de Valentino Rossi em 2002 e 2003, lembrando que na ocasião o italiano pilotava uma Honda RC211V quando a mudança de regulamento permitiu motores 4 tempos. A disparidade entre os equipamentos que competiam pode ser exemplificada pela performance do piloto tupiniquim Alexandre Barros, ele disputou a maioria das provas de 2002 com uma Honda NSR500 (2 tempos) sem nenhum resultado excepcional, recebeu uma RC211V (4 tempos) para as últimas quatro provas, venceu duas e obteve uma segunda e uma terceira colocação. Rossi em 2003 fez uma temporada quase perfeita, concluiu todas as provas e seu pior resultado foi um 3º lugar, venceu 9 e chegou em segundo 6 vezes. Importante ressaltar que a atual competitividade entre equipamentos era inexistente, o desempenho da RC221V era muito superior e havia ainda a disputa entre fornecedores de pneus com a participação da Michelin, Dunlop e Bridgestone.


A temporada de 2019 foi atípica. A tríplice coroa obtida pela Repsol-Honda é mais extraordinária porque foi obtida basicamente por um exército de um só homem, o titular da moto #93. Além do campeonato de pilotos, a Honda venceu o título de equipes com 458 pontos, 420 de Márquez, 28 de Jorge Lorenzo e 10 de Stefan Bradley, e o de construtores com 426 pontos, além da pontuação de Marc houve apenas a contribuição de Takaaki Nakagami da satélite LCR, 6 pontos obtidos no GP dos EUA. 


A equivalência de performance entre os protótipos atuais pode ser verificada pelos indicadores da última prova em Valência. Entre os dez melhores classificados houve representantes das seis fábricas, uma Honda (1º de Márquez), três Yamaha (2º de Quartararo, 6º de Vinales e 8º de Rossi), duas Ducati (Miller em 3º e Dovizioso em 4º), duas Suzuki (5º de Rins e 7º de Mir), uma Aprilia (Aleix Espargaro em 9º) e uma KTM (Pol Espargaro em 10º). O resultado final da temporada registra que as quatro melhores de colocações são de fábricas diferentes, Honda (Márquez), Dovizioso (Ducati), Vinales (Yamaha) e Rins (Suzuki). 


O clima frio e o vento no circuito no dia da prova foram protagonistas do espetáculo. Houve um festival de quedas nas três categorias, muito em função da baixa temperatura do piso que resulta em menor aderência dos pneus. Durante a prova da MotoGP havia um forte vento de cauda na reta prejudicando os pilotos na curva 1 e no ponto mais alto e mais vulnerável do circuito, curva 6 onde aconteceu uma sequência de acidentes estranhos. Na volta 14 Danilo Petrucci com uma Ducati foi o primeiro a cair e não sabe precisar a causa. Alguns segundos depois e poucos metros além foi a vez de Johann Zarco perder a frente da sua Honda, deslizou pela pista e foi parar na brita. O francês ficou desacorçoado com a queda e não percebeu que Iker Lecuona com uma KTM também caiu e o atropelou já no cascalho, felizmente sem maiores consequências. Nenhum dos três pilotos tem uma explicação razoável para três quedas independentes, na mesma volta e na mesma curva.

Foi mais um ano complicado para Valentino Rossi, que conseguiu apenas dois pódios (Rio Hondo e Circuito das Américas), no final da temporada ficou em sétimo, igualando a colocação de 2011 em seu primeiro ano de Ducati. O multicampeão italiano ficou atrás das Yamaha de seu colega de equipe Vinales (3º) e da satélite de Quartararo (5º).


A semana que antecedeu o GP de Valência tinha tudo para ser tranquila, todos os campeonatos já tinham seus vencedores definidos e o line-up de 2020 já estava encaminhado, então Jorge Lorenzo anunciou a sua aposentadoria. Foram dias profícuos para a rádio padock por onde circularam as mais variadas teorias. Na segunda depois da prova a Honda Racing Corporation emitiu um comunicado oficial efetivando o Campeão Mundial de Moto2 de 2019, Alex Márquez, como o novo piloto Repsol-Honda. Não é a primeira vez que irmãos competem na MotoGP (vide a clã Espargaro), mas a parceria dentro da mesma equipe é inédita. Apesar do velho mantra que o primeiro adversário a ser batido é o seu colega de equipe, existem fatores que indicam que pode dar certo, os dois sempre treinam juntos e dividem o mesmo preparador físico. Pessoas que convivem com os Márquez dizem que é inegável que Marc é superior nos treinos com motocross, porém em Dirty Tracks (pistas de terra) Alex eventualmente leva vantagem. A manchete que ninguém espera ver repetida foi a que anunciou os resultados dos tempos da primeira seção de treinos preparativos para a próxima temporada realizados em Valência na terça-feira depois da prova: “Márquez lidera, Márquez em último”.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

MotoGP – Suspensão








Em tese uma moto de competição é um veículo simples, duas rodas montadas em um chassi, um motor e um lugar para acomodar o piloto. Esta ideia de simplicidade tem muito pouco a ver com o estágio atual da MotoGP, na busca da excelência e melhor desempenho, os protótipos que disputam o atual mundial são máquinas incrivelmente complexas, só o garfo dianteiro de uma moto, por exemplo, tem mais de 300 componentes.

Diversos engenheiros e técnicos, que trabalham com o estado da arte em suas especialidades, colaboram no projeto, construção e no ajuste mais eficiente do equipamento para os diferentes circuitos. Além da Michelin, fornecedora exclusiva de pneus e do pessoal da Magneti-Marelli que atua no suporte à eletrônica, todas as equipes utilizam os sistemas de freios produzidos pela italiana Brembo. A sueca Ohlins responde pelas suspensões dianteira e traseira das motos de 5 das 6 fabricantes que disputam a MotoGP, a única exceção é a austríaca KTM que optou por um desenvolvimento da WP, uma empresa do grupo.

A suspensão fornece a ligação essencial entre as rodas e o chassi, sua função é manter o pneu em contato com o piso e produzir o máximo de aderência independente das ondulações da pista. A calibração do sistema de suspensão de um protótipo é um processo complexo, depende das características do piso do circuito, pneus selecionados, técnica de pilotagem do condutor e de componentes que funcionam entre si com numerosas relações de interdependência e definem (influenciam) a distribuição de massas e o centro de gravidade do equipamento. Importante lembrar que o piloto utiliza seu próprio peso para deslocar o centro de gravidade do conjunto equipamento/condutor durante as diversas etapas de uma prova.

Existem quatro conceitos básicos relacionados com o ajuste da suspensão: molas, pré-carga, compressão e extensão dos amortecedores, que devem atuar em equilíbrio para a moto ter um comportamento competitivo e adequado às preferências do piloto.

As molas são os componentes que suportam o peso suspenso da moto, a força necessária para ser comprimida depende da sua rigidez. A escolha de uma mola especifica está relacionada com o comportamento que o piloto espera do equipamento durante uma prova. Molas são classificadas de acordo com a força necessária para a sua compressão, medida em Newtons/milímetro. No ambiente da MotoGP as molas utilizadas estão na faixa de 8 a 12 N/mm.

Molas mais rígidas mantém melhor estabilidade nas frenagens e, por sua compressão mais lenta, resultam em maior desgaste de pneus e em um comportamento mais crítico durante as mudanças de direção e necessidade de inclinar o equipamento nas curvas. Em contrapartida, molas mais suaves podem ter compressão plena, o equipamento fica menos estável nas frenagens e mais fácil de controlar quando o protótipo está inclinado. Via de regra, molas menos rígidas são preferidas em piso molhado.

O conceito de Pré-carga está relacionado com a compressão exercida na mola quando a moto está em repouso, a peça é comprimida ligeiramente para evitar que atinja sua extensão total. Aumentar a pré-carga implica que o sistema exigirá mais força para comprimir a mola e mais tempo para a suspensão se ajustar ao conjunto de forças externas. Adequar a pré-carga permite modificar a altura do veículo, alterando a variação possível do curso do amortecedor. Nos protótipos que disputam a MotoGP a variação da extensão dos amortecedores pode variar em até 130 mm.

A pré-carga pode ser configurada utilizando molas mais ou menos rígidas, um ajuste fino para obter maior precisão pode ser realizado no ponto de fixação na parte superior dos garfos.

Enquanto a moto roda por um circuito a suspensão reage sempre que há uma alteração de relevo na pista ou em mudanças de velocidade, comprimindo o garfo dianteiro quando os freios são acionados, ou o amortecedor traseiro quando o motor despeja torque na roda motriz. Quando a suspensão é comprimida, a mola atua para recuperar o seu estado original e inicia o processo de extensão. Os ajustes determinam se a extensão deve ser mais rápida ou mais lenta.

Os amortecedores utilizam um fluido interno, controlado por um complexo sistema de válvulas que definem a velocidade da compressão e extensão. O ajuste destas válvulas permite que velocidades diferentes possam ser estabelecidas para os ciclos de compressão e extensão.

A velocidade adequada neste processo deve permitir que o pneu esteja em contato constante com o piso, maximizando a aderência sem estressar muito a borracha. O trabalho da suspensão é importante nos processos de aceleração, frenagem e no modo como o piloto apoia o equipamento nos pneus em retas e curvas. Os ajustes adequados de molas, pré-carga e o ciclo correto de compressão e extensão são essenciais para o bom desempenho em competições.

Em uma entrevista durante os testes que antecederam o GP da Alemanha, em Sachsenring, Marc Márquez explicou que a maneira de não perder muita velocidade com a sua Repsol-Honda nas curvas era utilizar ângulos de inclinação acentuados, porque o pacote da moto, chassi e suspensão, dificulta a mudança de direção. O espanhol disse que inclinar a moto não era um estilo de pilotagem ou uma preferência pessoal, era também uma necessidade. Cal Crutchlow apoiou este comentário afirmou que, infelizmente, a atual concepção da RC213V exige muita inclinação para ser veloz em curvas, ele particularmente não consegue ter a eficiência e o controle de Márquez e esta é a principal razão da maioria das suas quedas.

Antes de uma prova o ajuste correto de um equipamento é orientado para transformar a potência do motor em velocidade e depende essencialmente da suspensão e flexibilidade do chassi para explorar ao máximo a aderência da pista. É absolutamente necessário que a suspensão e a geometria trabalhem em harmonia para converter as diversas força que atuam sobre o equipamento em movimento em tração.

Ainda não há um consenso sobre o a importância da suspensão quando o protótipo está inclinado durante uma curva. Sua importância (da suspensão) é mais evidente quando o freio dianteiro é liberado ou o acelerador é acionado nas mudanças de direção em condições de baixa inércia.


terça-feira, 5 de novembro de 2019

MotoGP – Sepang 2019








Maverick Vinales em Sepang - 2019


Não existe uma moto melhor que as concorrentes para vencer toda todas as etapas de uma competição. Existe, em cada etapa, um somatório de características de moto, pista, pneus, estratégias e adequação do piloto que formam um conjunto vencedor, muitos destes atributos mudam de circuito para circuito. A estratégia utilizada por Vinales para vencer o GP da Malásia foi simplista, o piloto sempre soube que só teria chances se tivesse a pista livre na sua frente, onde pudesse utilizar em seu favor o extraordinário desempenho da Yamaha nas curvas e entrar nas retas mais veloz que os concorrentes, única forma de compensar a deficiência na velocidade final em relação às Honda e Ducati. 

As condições iniciais foram favoráveis aos planos do MV12, ele estava na primeira fila cercado por pilotos que com um equipamento semelhante ao seu (Quartararo & Morbidelli). A fila 2 tinha uma Ducati (Miller), uma Honda (Crutchlow) e Valentino Rossi com uma máquina rigorosamente igual a sua. Um capricho dos deuses da MotoGP durante as tomadas de tempo para a formação do grid de largada exportou seus mais temidos concorrentes para a quarta fila, Dovizioso em 10º e Márquez em 11º. A primeira volta não poderia ter sido melhor para Vinales, o dispositivo holeshot das Ducati funcionou e Miller liderou parte da primeira volta, mas permitiu ser ultrapassado ainda no trecho sinuoso, antes de poder despejar a potência do seu motor nas duas retas. Márquez, que pulou da 11ª para a 3ª posição ficou contido por Miller e Dovi retido pelo tráfego. Quando MM93 se livrou da Ducati, Vinales já havia aberto mais de um segundo. A disputa pelas primeiras posições se encerrou cedo, na 8ª volta, quando na ordem ficaram Vinales (1º), Márquez (2º), Dovi (3º), Rossi (4º) e Rins (5º). Rossi ainda tentou ultrapassar Dovi durante as voltas seguintes, mas nunca conseguiu entrar acelerado nas retas porque na saída das curvas a linha ideal estava ocupada pela Ducati. 

Vinales foi competente, executou o seu plano até os últimos detalhes e obteve uma vitória incontestável. Marc Márquez sobreviveu a um acidente bizarro durante a qualificação, havia cismado em seguir Quartararo durante uma volta e esqueceu da existência de uma curva. Sofreu um highside violento, caiu todo desajeitado e disputou a prova entupido de analgésicos e anti-inflamatórios. Sua segunda colocação foi o melhor que poderia obter. Rossi, o decano dos pilotos, embora tenha registrado a melhor volta da prova, não conseguiu um lugar no pódio devido a pilotagem correta de Dovi, que não permitiu nenhuma chance real de ultrapassagem.

As grandes decepções da prova foram as Yamaha de Quartararo (7º) e Morbidelli (6º) da satélite Petronas, que barbarizaram em todos os testes no final de semana, conseguiram classificação na primeira fila e fracassaram miseravelmente na prova. Os dois, talvez pela inexperiência ou pela pressão de correrem em casa, largaram muito mal. Fábio Quartararo já disputou 85 GPs nas 3 classes, 18 na principal e obteve uma única vitória na Moto2 em 2018. Sua principal colocação em mundiais está sendo este ano, em 6º. O currículo de Franco Morbidelli é mais denso, em 105 GPs (todas as classes) contabiliza 8 vitórias, todas na Moto2 em 2017, ano em que conquistou o título da categoria. A equipe Petronas é nova no mundial e nesta temporada já colocou Quartararo 6 vezes no pódio, apenas uma a menos que Vinales e 4 a mais que Valentino Rossi, outros dois pilotos que utilizam Yamaha. 

O top 10 contou ainda com as Ducati de Miller (8º), Petrucci (9º) e com a Suzuki de Joan Mir (10º), que foi penalizado no final com uma long-lap pelo seu envolvimento na queda de Johann Zarco. As KTM e Aprilia não conseguiram figurar entre os 10 primeiros.

Antecipando a dança das cadeiras para 2021, um representante de Quartararo vazou a informação que o piloto havia recusado um contrato milionário da equipe oficial da Yamaha, preferindo esperar por uma maior valorização. Não há confirmação da proposta pela Yamaha, entretanto o chefe da equipe já declarou que o crescimento de Vinales pode criar um problema para compor a dupla de pilotos para 2021 e 2022. Estes movimentos muito prematuros são uma consequência direta do fenômeno Marc Márquez, a antecipação do resultado do mundial em 4 etapas criou para a mídia a necessidade urgente de um novo filão de notícias. 

O circuito de Sepang na Malásia, que hospeda etapas da Fórmula 1 e da MotoGP, foi projetado pelo arquiteto alemão Hermann Tilke e inaugurado oficialmente em 1999. A pista tem como principal característica a sua largura, média de 16 metros, a maior do atual calendário, e mescla curvas de alta, média e baixas velocidades, com duas grandes retas praticamente paralelas unidas por um grampo. O piso é quase um tapete, com aderência e nivelamento acima da média. 

Sepang está incluída no calendário da MotoGP desde a sua inauguração e foi projetada privilegiando a segurança, ainda assim foi palco em outubro de 2011 do acidente que causou o óbito do italiano Marco Simoncelli, e envolveu também o americano Colin Edwards e o compatriota Valentino Rossi. Em uma disputa pela 4ª posição na segunda volta da prova, o protótipo de Simoncelli perdeu a tração na curva 11 e começou a deslizar para o cascalho. O piloto tentou recuperar o controle e a moto atravessou a pista, foi atropelada pelos veículos de Edwards e Rossi. Simoncelli foi atingido na parte inferior do corpo por Edwards e na cabeça por Rossi. Em função da violência da colisão o piloto italiano perdeu o capacete, Edwards foi catapultado da moto e Rossi conseguiu ficar ileso. A prova foi imediatamente paralisada, Edwards deslocou um ombro e Simoncelli sofreu ferimentos graves. Levado de ambulância para o centro médico do circuito, menos de uma hora depois o óbito foi declarado.

A Asia Talent Cup é uma competição para jovens pilotos nas regiões da Ásia e Oceania, disputada por equipamentos iguais. A competição é organizada pela Dorna, a mesma empresa que administra a MotoGP e o Mundial de Superbike. 

O piloto indonésio Afridza Munandar morreu na manhã deste sábado (02/11) após sofrer um acidente na primeira volta da 11ª etapa da Asia Talent Cup em Sepang. Durante a primeira volta da corrida que abriu a rodada dupla, disputada após o treino classificatório da MotoGP, o piloto perdeu o controle da sua moto na curva 10. A prova foi interrompida, Munandar foi socorrido na pista e transferido por helicóptero para o hospital de Kuala Lumpur, cidade mais próxima do circuito. O piloto, porém, não resistiu aos ferimentos e teve a morte decretada. Munandar tinha 20 anos e disputava o título do campeonato, na atual temporada tinha 2 vitórias, 2 segundos lugares e 2 terceiros lugares.

Foi um fim de semana triste para o mundo do motociclismo esportivo.





Acidente com Marco Simoncelli em 2011



Acidente com Afridza Munandar em 2019


segunda-feira, 28 de outubro de 2019

MotoGP – Phillip Island 2019



Última volta em Phillip Island



Tempos atrás havia na mídia impressa um comercial de uma marca de uísque interessante, uma fotografia de uma modelo de costas, ocultando uma garrafa do produto com o seguinte chamada: “O que você pode dar para quem tem tudo é um pouco mais do que ele já tem”.


Quem acompanha o esporte de duas rodas tenta imaginar o que Marc Márquez ainda pode realizar na MotoGP neste final de temporada. O título mundial, sexto na classe e quarto consecutivo, foi conquistado na Tailândia com antecedência de 4 provas. O título de fabricantes para a Honda foi confirmado em Motegi com uma antecipação de 3 provas. A competição por equipes ainda é liderada pela Ducati Team que acumula 409 pontos, 240 de Andrea Dovizioso e 169 de Danilo Petrucci, a Repsol Honda tem 408, 375 dos quais obtidos por Márquez (Jorge Lorenzo contribuiu com 23 e Stefan Bradl com 10), o campeão já declarou que vai atrás também deste título. Antes do GP da Austrália equipe italiana tinha uma vantagem de 17 pontos, os 25 da obtidos em Phillip Island menos os 9 da 7ª colocação de Dovizioso reduziram a diferença para apenas 1, Lorenzo e Petrucci não pontuaram.


A etapa de Phillip Island foi complicada por problemas do clima, chuva e ventos fortes alteraram a rotina dos pilotos e as tomadas de tempo para formação do grid de largada foram postergadas para o dia de realização da prova. Em termos de estratégia Márquez não alterou o seu padrão, utilizou os testes livres para evitar o Q1 e trabalhou na adequação da moto para a prova sem a preocupação de marcar tempos. Uma queda de Quartararo no TL1 obrigou o francês a ausentar-se do TL2 e permitiu os protagonismos de Yamaha de Maverick Vinales e da Ducati de Jack Miller na sexta-feira. Vinales comandou os testes livres no sábado e ficou com a pole no domingo, compartilhando a primeira fila com Quartararo e Márquez.


A largada foi confusa, Valentino Rossi pulou da 6ª posição para a liderança, Danilo Petrucci foi catapultado da moto (highside) na 2ª curva e, na queda, tirou a Yamaha de Quartararo da prova. Cal Crutchlow com uma Honda e Andrea Iannone com uma inesperada Aprilia ocuparam as posições seguintes. Rossi liderou por 3 giros, Iannone por um pequeno trecho e Crutchlow por nove voltas, até a disputa ficar reduzida entre Vinales e Márquez. Os dois livraram alguma diferença do 3º, Crutchlow, que por sua vez abriu sobre os demais.


Existe uma regra não escrita que motores V4 (Honda, Ducati, Aprilia & KTM) entregam maior torque, apresentam maior velocidade final em retas, e propulsores com cilindros em linha (Yamaha & Suzuki) proporcionam melhor desempenho em curvas. Não foi o que aconteceu na prova, nas 16 voltas seguintes Márquez não procurou ultrapassar Vinales na grande reta e o piloto da Yamaha não conseguiu abrir uma distância confortável nos trechos sinuosos. Foi a reedição de um roteiro conhecido, já aconteceu em Silverstone quando Rins ficou na perseguição de Márquez e o venceu na última volta, em Misano e Buriram Márquez não permitiu a fuga de Quartararo e o ultrapassou nos momentos finais de ambas as provas. Até as gaivotas que sobrevoavam o circuito sabiam que o campeão ultrapassaria com a força do motor na última vez que percorresse a longa reta, foi o que aconteceu e, ao tentar retomar a posição no trecho sinuoso, Vinales se excedeu e caiu. Márquez ficou com a pista livre para obter a sua 11ª vitória nesta temporada, Cal Crutchlow herdou a 2ª posição com um atraso de mais de 11 segundos do líder e o australiano Jack Miller (3º) ficou muito feliz em obter um lugar no pódio em seu GP caseiro.


O resultado final apresentou algumas surpresas, Peco Bagnaia conduziu sua Ducati (Pramac) para a 4ª posição, a Suzuki de Joan Mir ficou em 5º, seguido da surpreendente Aprilia de Iannone (6º) e da Ducati de Dovizioso (7º). A Yamaha de Valentino Rossi, que entusiasmou o público no início da prova, ficou com a 8ª colocação, na frente de Rins (Suzuki) e da segunda Aprilia de Aleix Espargaro. Foi a primeira vez em muitas provas que Valentino conduziu a Yamaha melhor colocada na classificação final.


Enquanto o desempenho da Aprilia, duas máquinas entre os 10 primeiros, foi digno de elogios, a ausência da KTM no Top 10 foi a decepção do dia,. Talvez a única alegria para a fábrica austríaca tenha sido Pol Espargaro que, disputando a 12ª posição, bateu Johann Zarco em sua estreia na Honda por 0,1 segundo. Jorge Lorenzo prosseguiu em seu calvário e finalizou a prova com um intervalo superior a 1 minuto do líder.


Este fim de semana foi particularmente ilustrativo porque proporcionou a oportunidade de comparar duas concepções de circuitos para esportes motorizados. Na Austrália foi realizada a etapa da MotoGP em Phillip Island, um cenário paradisíaco onde o traçado é da escola antiga, construído privilegiando competições e não projetado para oferecer espetáculos ao público. No mesmo dia a Fórmula 1 visitou o circuito Hermanos Rodriguez na Cidade do México, uma pista reconstruída com base no antigo autódromo, introduzindo cantos geométricos e criando um desenho adequado para servir de palco para espetáculos com grande número de espectadores. Na reforma o autódromo mexicano perdeu um dos seus pontos mais representativos, a Curva Peraltada, e ganhou uma passagem pelas arquibancadas de um antigo estádio de beisebol para proporcionar um desfile de carros para os espectadores. A Peraltada era uma longa curva de 180º que antecedia a reta principal, de certa forma semelhante a Parabólica do Circuito de Monza. Segundo o projetista Hermann Tilke, responsável pela readequação do Hermanos Rodriguez, a curva foi descaracterizada por motivo de segurança, não haveria espaço do lado externo para área de escape.