Plagiando Martin Luther King a Dorna,
administradora da MotoGP, tem um sonho. Um cenário ideal com vinte e quatro
pilotos alinhando em um grid composto por protótipos de seis fábricas: Yamaha,
Ducati, Honda, Suzuki, Aprilia e KTM. Cada fabricante participa com quatro
equipamentos, dois da equipe oficial e dois de uma equipe independente. Por
enquanto é um sonho, mas muito provavelmente seja o futuro da MotoGP.
Alinhados com este projeto três fabricantes já
têm equipes satélite preferenciais. A Honda desenvolveu uma parceria muito próxima
com a LCR, o piloto Cal Crutchlow utiliza um equipamento idêntico aos de Marc Márquez
e Dani Pedrosa e tem participação efetiva no desenvolvimento da RC213V. A HRC também
colabora com parte dos custos da equipe. A Ducati, com atualmente 8 motos de
três modelos (GP16, GP17 e GP18) inscritas no mundial, cedeu para a Alma Pramac
uma Desmosedici GP18 para ser pilotada por Danilo Petrucci, com as mesmas
especificações dos equipamentos de Jorge Lorenzo e Andrea Dovizioso. A austríaca
KTM já oficializou uma parceria com a Tech3 para as próximas três temporadas. As
restantes, Yamaha, Suzuki e Aprilia ainda não se pronunciaram.
A decisão de estabelecer uma parceria entre uma
fábrica e uma equipe independente é complexa e extrapola um simples acerto
econômico. Envolve bem mais que um acordo contábil e a troca de informações
técnicas. O nível de desenvolvimento do equipamento que a fábrica está disposta
a ceder é com certeza é um fator decisivo, porém há uma série de considerações adicionais
que devem ser endereçadas. Cada fabricante desenvolve sua própria cadeia de
fornecedores e patrocinadores, por vezes é complicado alinhar esta estrutura
com a contrapartida da independente. Conciliar os interesses do patrocinador do
fabricante e com os da equipe satélite pode ser muito difícil. Como um exemplo concreto
existe uma incompatibilidade que está dificultando a negociação entre a Suzuki
e a Marc VDS. O grupo Suzuki produz e divulga na MotoGP a sua marca de óleo
Ecstar, a equipe belga tem uma longa associação com o óleo lubrificante Total
(Elf).
Os bons resultados obtidos por Johann Zarco
nesta e na temporada passada, por vezes melhores que os da equipe oficial, aumentaram
o poder de negociação da Tech3. A tradicional política da Yamaha em fornecer
para sua equipe satélite exclusivamente motos de anos anteriores justificaram a
decisão de trocar o fabricante japonês pela austríaca KTM. A decisão da Tech3
iniciou um movimento de rearranjo de forças na MotoGP, impensável a poucos anos
atrás e, óbvio, das três equipes que ainda não consolidaram ainda uma parceria
a Yamaha e a Suzuki são os objetos de desejo das independentes.
Uma das principais envolvidas nesta fase de
negociações é a Marc VDS. A equipe belga tem recursos financeiros, uma
estrutura montada e operacional, engenheiros competentes e bons pilotos, que
lhe permite selecionar com cuidado seu fornecedor. A equipe já confirmou a
intenção de deixar a Honda alegando estar decepcionada com o nível de apoio
recebido, e tem conversado muito com a Suzuki e Yamaha nos últimos meses.
Um bom suporte financeiro é essencial, o custo
anual para manter uma equipe independente é elevado. Antes de analisar as
despesas previstas para uma temporada é necessário considerar uma premissa
importante, o enorme investimento exigido para instalações da base operacional
e equipamentos de apoio.
Entre os valores do orçamento de uma equipe a
principal variável é o salário dos pilotos. Como estes números nunca são
divulgados abertamente, os ruídos mais recentes detectados pela “rádio padock”
indicam que variam entre € 250.000 para Takaaki Nakagami até € 11,5 milhões para
Marc Márquez. O valor pago por uma equipe satélite pode alcançar € 2 milhões.
Salários menores normalmente contemplam bônus por resultados.
A locação dos protótipos (dois por piloto) é
outra despesa considerável e pode alcançar € 5 milhões, incluindo peças de
reposição. O aspecto técnico demanda entre 40 a 45% destes custos e contempla gastos
relacionados com os acidentes e troca de peças, que não podem ser calculados
antecipadamente, mas são significativos no total.
A infraestrutura de apoio da Alma Pramac,
satélite da Ducati, utiliza uma equipe em torno de 23 membros, acrescida de
mais sete funcionários de hotelaria nos GPs realizados na Europa. O salário
deste pessoal responde por 15% do desembolso anual.
Outra despesa obrigatória estimada em € 500.000
é necessária para mover todo este exército ao redor do mundo. Inclui para as 19
etapas previstas os custos com transporte aéreo da equipe, aluguel de carros,
acomodações de hotel e refeições. Existe também a logística para transporte de
equipamento, via rodoviária na Europa e por avião para circuitos não europeus.
O transporte até 8 toneladas é bancado pela Dorna/IRTA, para o peso excedente o
custo é € 5 por quilo.
Patrocinadores cobrem até 70% destes valores, o
restante é bancado pelos organizadores do mundial. Por um acordo assinado com a
Dorna/IRTA e válido por cinco anos a partir de 2017, cada equipe recebe € 2
milhões anuais para a locação de duas motos por piloto, além de bônus de
participação e premiação por resultados.
Depois da parte financeira equacionada, o ponto
mais importante das negociações é o nível das motos que os fabricantes estão
dispostos a fornecer. A vantagem de um contrato com a Suzuki é que, por ter uma
estrutura mais enxuta, a fábrica não tem recursos financeiros e humanos para
gerenciar ferramentas e suprimentos para duas especificações diferentes de
protótipos. Uma parceria com a fábrica implica em que a satélite terá
equipamentos muito próximos aos utilizados pela equipe oficial.
A Yamaha, depois de perder a Tech3, sinalizou
que considera adotar uma política análoga a utilizada pela Honda e Ducati: ceder
para a satélite equipamentos semelhantes aos da equipe oficial. Lin Jarvis,
diretor da Movistar Yamaha, explica que o nível de suporte da moto de Johann
Zarco nesta temporada já é diferenciado.
À primeira vista o equipamento do francês, montado em um chassi de 2016,
é muito semelhante às máquinas de Maverick Vinales e Valentino Rossi. Utiliza o
mesmo pacote aero e um motor de última geração com menos restrições em rotações
que os normalmente cedidos para um esquadrão satélite. A proximidade da especificação
do protótipo a ser fornecido para Marc VDS, ou qualquer outra equipe que se
associar com a Yamaha, com as máquinas da equipe oficial vai depender dos
recursos humanos, da estrutura envolvida e do orçamento disponível. Uma equipe consolidada
com bons pilotos e um equilíbrio financeiro saudável terá acesso a equipamentos
melhores que um grupo com menor capacidade de investimento e carência de recursos
de pessoal.
Existem inúmeras
vantagens para um fabricante ter uma equipe satélite competitiva, uma das principais
é ter mais pilotos coletando dados e fornecendo impressões e sugestões para o
departamento de engenharia. O exemplo da Honda é didático, os seus dois pilotos
oficiais nunca utilizaram equipamentos de outros fabricantes, Cal Crutchlow da
satélite tem em seu currículo temporadas disputadas com a YZR-M1 (Yamaha) e
GP14 (Ducati), uma visão mais abrangente e seu feedback para a engenharia tem
rendido bons resultados.
Ao perder a Tech3 a Yamaha chegou a considerar sua
participação na próxima temporada apenas as duas motos da equipe de fábrica.
Com certeza não é a opção preferencial e só será efetivada se não puderem encontrar
um parceiro adequado.
A decisão da Marc VDS em última análise será
baseada na melhor opção para fornecer aos seus jovens pilotos uma moto competitiva
para disputar a MotoGP. Franco Morbidelli tem um acordo firmado com a equipe de
dois anos e vai ficar até o fim de 2019, Joan Mir é uma joia que está sendo lapidada
atualmente disputando a Moto2 e deve ser promovido em 2019. A Yamaha YZR-M1 é considerada
fácil de pilotar e excelente para um novato, entretanto o sucesso de Maverick
Vinales e Alex Rins evidenciaram que a Suzuki GSX-RR também é apropriada.
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