domingo, 29 de abril de 2018

MotoGP – No andar da carroça as abóboras se acomodam



Franco Morbidelli da Marc VDS

Plagiando Martin Luther King a Dorna, administradora da MotoGP, tem um sonho. Um cenário ideal com vinte e quatro pilotos alinhando em um grid composto por protótipos de seis fábricas: Yamaha, Ducati, Honda, Suzuki, Aprilia e KTM. Cada fabricante participa com quatro equipamentos, dois da equipe oficial e dois de uma equipe independente. Por enquanto é um sonho, mas muito provavelmente seja o futuro da MotoGP.
Alinhados com este projeto três fabricantes já têm equipes satélite preferenciais. A Honda desenvolveu uma parceria muito próxima com a LCR, o piloto Cal Crutchlow utiliza um equipamento idêntico aos de Marc Márquez e Dani Pedrosa e tem participação efetiva no desenvolvimento da RC213V. A HRC também colabora com parte dos custos da equipe. A Ducati, com atualmente 8 motos de três modelos (GP16, GP17 e GP18) inscritas no mundial, cedeu para a Alma Pramac uma Desmosedici GP18 para ser pilotada por Danilo Petrucci, com as mesmas especificações dos equipamentos de Jorge Lorenzo e Andrea Dovizioso. A austríaca KTM já oficializou uma parceria com a Tech3 para as próximas três temporadas. As restantes, Yamaha, Suzuki e Aprilia ainda não se pronunciaram.
A decisão de estabelecer uma parceria entre uma fábrica e uma equipe independente é complexa e extrapola um simples acerto econômico. Envolve bem mais que um acordo contábil e a troca de informações técnicas. O nível de desenvolvimento do equipamento que a fábrica está disposta a ceder é com certeza é um fator decisivo, porém há uma série de considerações adicionais que devem ser endereçadas. Cada fabricante desenvolve sua própria cadeia de fornecedores e patrocinadores, por vezes é complicado alinhar esta estrutura com a contrapartida da independente. Conciliar os interesses do patrocinador do fabricante e com os da equipe satélite pode ser muito difícil. Como um exemplo concreto existe uma incompatibilidade que está dificultando a negociação entre a Suzuki e a Marc VDS. O grupo Suzuki produz e divulga na MotoGP a sua marca de óleo Ecstar, a equipe belga tem uma longa associação com o óleo lubrificante Total (Elf).
Os bons resultados obtidos por Johann Zarco nesta e na temporada passada, por vezes melhores que os da equipe oficial, aumentaram o poder de negociação da Tech3. A tradicional política da Yamaha em fornecer para sua equipe satélite exclusivamente motos de anos anteriores justificaram a decisão de trocar o fabricante japonês pela austríaca KTM. A decisão da Tech3 iniciou um movimento de rearranjo de forças na MotoGP, impensável a poucos anos atrás e, óbvio, das três equipes que ainda não consolidaram ainda uma parceria a Yamaha e a Suzuki são os objetos de desejo das independentes.
Uma das principais envolvidas nesta fase de negociações é a Marc VDS. A equipe belga tem recursos financeiros, uma estrutura montada e operacional, engenheiros competentes e bons pilotos, que lhe permite selecionar com cuidado seu fornecedor. A equipe já confirmou a intenção de deixar a Honda alegando estar decepcionada com o nível de apoio recebido, e tem conversado muito com a Suzuki e Yamaha nos últimos meses.
Um bom suporte financeiro é essencial, o custo anual para manter uma equipe independente é elevado. Antes de analisar as despesas previstas para uma temporada é necessário considerar uma premissa importante, o enorme investimento exigido para instalações da base operacional e equipamentos de apoio.
Entre os valores do orçamento de uma equipe a principal variável é o salário dos pilotos. Como estes números nunca são divulgados abertamente, os ruídos mais recentes detectados pela “rádio padock” indicam que variam entre € 250.000 para Takaaki Nakagami até € 11,5 milhões para Marc Márquez. O valor pago por uma equipe satélite pode alcançar € 2 milhões. Salários menores normalmente contemplam bônus por resultados.
A locação dos protótipos (dois por piloto) é outra despesa considerável e pode alcançar € 5 milhões, incluindo peças de reposição. O aspecto técnico demanda entre 40 a 45% destes custos e contempla gastos relacionados com os acidentes e troca de peças, que não podem ser calculados antecipadamente, mas são significativos no total.
A infraestrutura de apoio da Alma Pramac, satélite da Ducati, utiliza uma equipe em torno de 23 membros, acrescida de mais sete funcionários de hotelaria nos GPs realizados na Europa. O salário deste pessoal responde por 15% do desembolso anual.
Outra despesa obrigatória estimada em € 500.000 é necessária para mover todo este exército ao redor do mundo. Inclui para as 19 etapas previstas os custos com transporte aéreo da equipe, aluguel de carros, acomodações de hotel e refeições. Existe também a logística para transporte de equipamento, via rodoviária na Europa e por avião para circuitos não europeus. O transporte até 8 toneladas é bancado pela Dorna/IRTA, para o peso excedente o custo é € 5 por quilo.
Patrocinadores cobrem até 70% destes valores, o restante é bancado pelos organizadores do mundial. Por um acordo assinado com a Dorna/IRTA e válido por cinco anos a partir de 2017, cada equipe recebe € 2 milhões anuais para a locação de duas motos por piloto, além de bônus de participação e premiação por resultados.
Depois da parte financeira equacionada, o ponto mais importante das negociações é o nível das motos que os fabricantes estão dispostos a fornecer. A vantagem de um contrato com a Suzuki é que, por ter uma estrutura mais enxuta, a fábrica não tem recursos financeiros e humanos para gerenciar ferramentas e suprimentos para duas especificações diferentes de protótipos. Uma parceria com a fábrica implica em que a satélite terá equipamentos muito próximos aos utilizados pela equipe oficial.
A Yamaha, depois de perder a Tech3, sinalizou que considera adotar uma política análoga a utilizada pela Honda e Ducati: ceder para a satélite equipamentos semelhantes aos da equipe oficial. Lin Jarvis, diretor da Movistar Yamaha, explica que o nível de suporte da moto de Johann Zarco nesta temporada já é diferenciado.  À primeira vista o equipamento do francês, montado em um chassi de 2016, é muito semelhante às máquinas de Maverick Vinales e Valentino Rossi. Utiliza o mesmo pacote aero e um motor de última geração com menos restrições em rotações que os normalmente cedidos para um esquadrão satélite. A proximidade da especificação do protótipo a ser fornecido para Marc VDS, ou qualquer outra equipe que se associar com a Yamaha, com as máquinas da equipe oficial vai depender dos recursos humanos, da estrutura envolvida e do orçamento disponível. Uma equipe consolidada com bons pilotos e um equilíbrio financeiro saudável terá acesso a equipamentos melhores que um grupo com menor capacidade de investimento e carência de recursos de pessoal.
Existem inúmeras vantagens para um fabricante ter uma equipe satélite competitiva, uma das principais é ter mais pilotos coletando dados e fornecendo impressões e sugestões para o departamento de engenharia. O exemplo da Honda é didático, os seus dois pilotos oficiais nunca utilizaram equipamentos de outros fabricantes, Cal Crutchlow da satélite tem em seu currículo temporadas disputadas com a YZR-M1 (Yamaha) e GP14 (Ducati), uma visão mais abrangente e seu feedback para a engenharia tem rendido bons resultados.
Ao perder a Tech3 a Yamaha chegou a considerar sua participação na próxima temporada apenas as duas motos da equipe de fábrica. Com certeza não é a opção preferencial e só será efetivada se não puderem encontrar um parceiro adequado.
A decisão da Marc VDS em última análise será baseada na melhor opção para fornecer aos seus jovens pilotos uma moto competitiva para disputar a MotoGP. Franco Morbidelli tem um acordo firmado com a equipe de dois anos e vai ficar até o fim de 2019, Joan Mir é uma joia que está sendo lapidada atualmente disputando a Moto2 e deve ser promovido em 2019. A Yamaha YZR-M1 é considerada fácil de pilotar e excelente para um novato, entretanto o sucesso de Maverick Vinales e Alex Rins evidenciaram que a Suzuki GSX-RR também é apropriada.


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