Provavelmente
a única unanimidade envolvendo a figura controversa de Bernie Ecclestone na
Fórmula 1 é que a história da categoria pode ser separada em dois períodos,
antes e depois do britânico.
Bernard Charles
Ecclestone nasceu em Suffolk, Inglaterra, em outubro de 1930 (tem 87 anos) e é
o empresário que transformou a Fórmula 1 em um negócio bilionário. Depois de comandar
a principal categoria do automobilismo esportivo por décadas, o controle da F1 foi
repassado para a Liberty Media Corporation. Em janeiro de 2017 Ecclestone foi
substituído por Chase Carey como executivo-chefe e nomeado como presidente emérito, um cargo totalmente decorativo.
O envolvimento
mais efetivo do britânico com o esporte abrangeu, entre diversas outras
atividades, representar os interesses do único campeão póstumo da F1, Jochen
Rindt e a compra da equipe Brabham em 1972. O nome de Ecclestone está singularmente
associado ao sucesso do brasileiro Nelson Piquet. No início de sua carreira o
piloto padeceu com a falta de capital, Bernie sugeriu e o acompanhou em um
périplo bem-sucedido pelo mercado brasileiro para arrecadar patrocínios. Piquet
pilotou em oito temporadas para a equipe Brabham a partir de 1978, perdeu o
título de 1980 depois de uma disputa acirrada com Alan Jones, acabou sendo
vitorioso em 1981 e 1983 (seu terceiro mundial foi obtido em 1987 na equipe
Williams).
A sua
fortuna pessoal de Bernie e a sua importância para F1 cresceram a partir do pioneirismo
na venda de direitos televisivos na década de 1970. Excelente negociador,
conseguiu nos termos do Acordo Concorde, contrato celebrado entre todas as
equipes, FIA e FOCA em 1981, os direitos de administração, instalação e
logística de todos os GPs da Fórmula 1. Foi o marco inicial para transformar-se
em um dos homens mais ricos do Reino Unido.
O faro
comercial aguçado de Bernie entendeu que manter a F1 na órbita dos “garagistas”
limitava os ganhos financeiros e reorientou a categoria para fábricas e novos
mercados, localizados onde existem os maiores fluxos de divisas do planeta, países
produtores de petróleo e a economia crescente no oriente.
Bernie
Ecclestone também tem o seu nome vinculado a múltiplas controvérsias. Foi sócio
de um personagem com uma reputação de ‘trambiqueiro’, Flávio Briatore, que foi
banido da F1 por ter sido o arquiteto da trapaça protagonizada por Nelsinho
Piquet no GP de Cingapura em 2008. O piloto provocou intencionalmente a
interrupção da prova para favorecer uma vitória improvável de Fernando Alonso.
Ecclestone
foi afastado da gestão da F1 por ser radicalmente contra a orientação imposta
pelos novos proprietários, que investem na popularização do esporte. Com
declarações polêmicas o britânico defendeu para diversos representantes da
mídia que não é interessante para a categoria se aproximar dos jovens, por
conta de um suposto baixo poder aquisitivo desse público. Em suas próprias
palavras “Querem atrair garotos de 15 anos para assistir a F1. Não tem lógica, porque
alguém faria propaganda de relógios Rolex para pessoas que não tem dinheiro
para comprar um? Estes jovens não aplicam
recursos em bancos, então porque a UBS investiria para patrocinar um GP? É
preferível endereçar um rico de 70 anos. Não há porque motivar crianças, a
menos que a Disneylândia queira pôr dinheiro nas equipes”.
Em
1997 foi envolvido em uma controvérsia política na Inglaterra. Apoiou financeiramente
o Partido Trabalhista, que assumiu um compromisso público de apoiar a Diretiva
da União Europeia que proibiu a publicidade da indústria do tabaco. Depois de
uma disputa acirrada, os trabalhistas venceram as eleições e entraram em rota
de colisão com os interesses da F1, quase todas as equipes eram patrocinadas
por marcas de cigarros. Bernie e Max Mosley, doadores do Partido Trabalhista, divulgaram
um documento onde alertavam que o automobilismo era uma indústria que colocava
a Grã-Bretanha como líder no desenvolvimento de tecnologia. Privada do dinheiro
do tabaco, a Fórmula 1 sairia do Reino Unido causando a perda de 50.000
empregos diretos, 150.000 indiretos e de £ 900 milhões em exportações.
Assim
como seu amigo Max Mosley, que foi envolvido em um escândalo por ser
fotografado em uma orgia com apologia ao nazismo e prostitutas, Bernie é um
admirador de Adolf Hitler. Em 2009 declarou em uma entrevista que talvez o
líder germânico tenha sido persuadido a fazer coisas que não fazia ideia do alcance
ou não contidas em seu plano original, o respeitava como um dirigente capaz de
fazer as coisas acontecerem. Segundo ele, a democracia implica em bons
resultados em muitos países — incluindo o Reino Unido. Sobre Max Mosley ser
filho de um declarado fascista britânico, não considerava que o passado dele podia
ser um problema. Também culpou os financistas judeus pela crise global da
economia entre 2007 e 2010, potencializada pela quebra do mercado de hipotecas nos
EUA (aquele tsunami na economia mundial que o então presidente do Brasil
classificou como “marolinha”).
Em 2012
o ministério público alemão acusou Ecclestone de ser culpado em casos de evasão
fiscal, violação de confiança e por aceitar subornos. De acordo com o promotor,
Ecclestone pagou aproximadamente US $ 44 milhões para um ex-banqueiro, para
livrar-se de um suposto débito sobre o controle da Fórmula 1. Ecclestone disse aos
promotores que pagou porque foi chantageado por irregularidades em um fundo
familiar controlado por uma ex esposa. Nos desdobramentos do caso, o ministério
alemão declarou que Ecclestone tinha sido investigado pelas autoridades fiscais
britânicas durante nove anos, e que ele tinha sonegado o pagamento £ 1,2
bilhões utilizando um esquema de evasão fiscal centrado em uma interpretação
peculiar da legislação. A receita federal britânica concordou em encerrar o
caso em 2008 com o pagamento de uma multa de £ 10 milhões.
Em 2012 Ecclestone
anunciou seu casamento com Fabiana Flosi, então vice-presidente de Marketing do
Grande Prêmio do Brasil. A diferença de idade entre eles é de 47 anos. Sua sogra
foi sequestrada em 2015 em São Paulo, a vítima foi mantida em cativeiro durante
nove dias. Na ocasião o então chefão da F1 declarou sobre a possibilidade de
uma negociação com os sequestradores: “Não
consigo imaginar ninguém disposto a pagar para salvar a sogra”. Felizmente não
houve consequências.
Sobre o pragmatismo do
britânico, contam como verdadeira uma história que durante o fim de semana do GP
da Argentina de 1979, Colin Chapman desafiou
seu piloto Mario Andretti a jogar o presidente FOCA dentro da piscina do hotel
em Buenos Aires. A recompensa seria US$ 1000. O piloto então convidou Bernie
Ecclestone para trocarem ideias e, enquanto caminhavam, por não ter um assunto
específico confessou a trama. Ecclestone reagiu com o senso prático que o caracterizou
por toda a sua vida: “Dividimos meio a meio e você pode me empurrar”.
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