O mundial de motovelocidade promovido pela Federação
Internacional de Motociclismo é um dos mais antigos campeonatos de veículos
motorizados e a sua primeira edição em 1949 precede em um ano ao mundial de
Fórmula 1, disputado desde 1950. Em suas 68 edições o histórico oficial registra
3.042 provas nas diversas categorias, 781 vencidas por pilotos italianos, 578
por espanhóis e apenas 8 por brasileiros (7 por Alex Barros e 1 por Adu Celso).
Jorge Lorenzo na Ducati Desmosedici #99 em 2017 |
O mundial de MotoGP está ampliando o número de aficionados
conquistando o público pelo equilíbrio entre as características de competição e
espetáculo, valorizando o investimento de fabricantes e talento dos pilotos. Considerando
como referência o número de vitórias, quatro dos maiores vencedores de todos os
tempos ainda estão em atividade. Valentino Rossi (115 vitórias), Jorge Lorenzo
(65), Marc Márquez (61) e Dani Pedrosa (54) já apresentam resultados melhores
que reconhecidas lendas do motociclismo mundial como Mick Doohan (54), Casey
Stoner (45) e Jim Redman (45).
Na última prova da temporada de 2017 diversas sugestões
do box da Ducati para inverter a posição de seus pilotos durante a prova foram
desconsideradas por Jorge Lorenzo. Embora a atitude da equipe tenha sido até
acintosa, enviando múltiplas mensagens para o painel da moto #99 e sinalizando
com placas no muro dos boxes, a desobediência do piloto gerou mais repercussão
na mídia que em nível administrativo. O espanhol, que se estima ter em vigor o
maior contrato já estabelecido entre um piloto e uma equipe, ao contrário da
maioria dos colegas não investe muito em sua imagem junto ao público. Não é
exatamente fácil gostar de Jorge Lorenzo.
Lorenzo nasceu em 1987 na ilha de Mallorca no mar
mediterrâneo, que é administrada pela Espanha. Estreou no mundial da MotoGP em
2002, na classe 125cc aos 15 anos de idade, iniciando uma carreira que o
credencia como um dos mais bem-sucedidos pilotos de todos os tempos.
Cinco vezes campeão do mundo, depois de uma
adaptação difícil em 2017 na Ducati, voltou a apresentar no fim da temporada as
mesmas características de eficiência que o caracterizaram na Yamaha. Lorenzo é
um gênio no comando de uma moto, mas é extremamente infeliz no trato com a
mídia e torcedores. Seu comportamento introvertido é facilmente confundido como
arrogante ou excêntrico. Não chega a ter ojeriza com as obrigações contratuais
e exigências promocionais que acabaram afastando Casey Stoner, porém não
disfarça que está neste ramo de atividade para vencer, não para distribuir
sorrisos.
Pesa contra Lorenzo o fato de ter desenvolvido, a
exceção de 2017, toda a sua carreira como piloto da principal categoria na
equipe oficial da Yamaha, dividindo os boxes com o piloto mais mediático da
história. Antítese perfeita de Lorenzo, Valentino Rossi é conhecido pelo
sorriso fácil, por ser extrovertido e por ser adorado por milhões. Ao bater
Valentino correndo pela mesma equipe e com o mesmo equipamento em 2010 e 2015
(em seu 2º mundial em 2012 Rossi estava na equipe Ducati), o espanhol foi
eleito vilão oficial pelos torcedores de Rossi. Suas realizações são
desconsideradas e a sua franqueza e rebeldia alimentam a imagem de um piloto resmungão,
que está constantemente à procura de desculpas para justificar os seus fracassos.
Nada mais injusto.
Jorge Lorenzo na Yamaha M1 #99 em 2016 |
A biografia de Jorge Lorenzo, também conhecido como
“Espartano” por sua busca incansável pela eficiência, registra que venceu o
mundial de 2010 com 383 pontos, o maior número já alcançado na história. Sua
mais recente proeza foi em 2015, quando ele e Rossi saíram da 11ª etapa
rigorosamente empatados com 211 pontos, o italiano abriu uma vantagem de 23
pontos nas duas etapas seguintes e só perdeu a liderança (e o título) no último
GP da temporada. A fato de ter negado a Valentino Rossi a possibilidade do
décimo mundial também não ajudou os índices de popularidade do espanhol.
Lorenzo tem um caráter complexo, sorriso econômico,
pouco tolerante a falhas e muito dedicado. O número 99 que defende foi
escolhido por ser o mais próximo possível de 100%, a perfeição que busca
incessantemente. Quando tem uma moto competitiva é praticamente imbatível, um
verdadeiro relógio suíço. Sua condução é suave, precisa e, acima de tudo, letal
para os rivais.
O seu talento é comparável ao dos grandes mestres da
modalidade, mesmo que a sua personalidade nem sempre seja a de um piloto extrovertido
como a mídia gosta. Foi ridicularizado nos últimos anos por seu desempenho na
chuva, mas o final desta temporada, no comando de uma moto radicalmente
diferente da Yamaha, mostrou que sabe o faz. Em seu primeiro ano na Ducati conseguiu
resultados melhores que os de Rossi quando se aventurou na equipe italiana. A dedicação
de Lorenzo ao esporte pode ser mensurada por sua participação na prova de Assen
em 2013, quebrou a clavícula no início dos treinos livres, voou para a Espanha
no sábado e foi operado, no domingo alinhou no grid e entupido de analgésicos terminou
a prova em 5º lugar.
O regramento atual da MotoGP investiu em igualar a
competitividade entre equipamentos de diversos fabricantes, e desempenhos muito
superiores como os de Rossi entre 2002 e 2005, Stoner em 2007 e 2011, Lorenzo
em 2010 e Márquez em 2014 já não são prováveis. Em um ambiente onde seis
fabricantes (Aprilia, Ducati, Honda, KTM, Suzuki e Yamaha) produzem protótipos com
desempenhos semelhantes, a importância do piloto cresce exponencialmente e
justifica o investimento da fábrica de Borgo Panigale em Jorge Lorenzo.
O ano de 2018 promete.