Circuito Ricardo Tormo - Valência |
Pelos registros históricos da
revolução de 1930, a cidade de Itararé localizada na divisa entre os estados de
São Paulo e Paraná foi tomada pelas tropas de Getúlio Vargas sem que um só tiro
tenha sido disparado. O desempenho heroico em um evento fictício, uma batalha
que não houve, foi apropriado pelo escritor e humorista Apparício Torelly para
outorgar a si próprio um título de nobreza, o Barão de Itararé. Uma frase
atribuída a este autor pode ser aplicada ao capítulo final da temporada de 2017
da MotoGP, “Quando menos se espera, nada acontece”.
A equipe Ducati e o piloto
Andrea Dovizioso ansiavam por uma série de eventos improváveis para ter alguma
chance de alcançar o título. Embora não seja sábio apostar contra a lei das
probabilidades, a mídia especializada promoveu a etapa utilizando frases de
efeito e não raro os locutores e comentaristas utilizaram jargões como “Nunca
diga nunca” ou “Tudo pode acontecer”. Em relação à espera de um evento
milagroso, o Barão de Itararé também escreveu: “Se a montanha não vai a Maomé,
o mais sensato é Maomé desistir da temporada na serra”.
Muito já foi comentado sobre a
última etapa da MotoGP 2017, entretanto uns poucos itens merecem ser
mencionados:
A
pista
O Circuito Ricardo Tormo, que
tradicionalmente hospeda a prova final das temporadas de MotoGP está localizado
próximo a Valência, principal cidade da comunidade autônoma de Cheste, na
Espanha. O traçado tem 4 variantes possíveis e é qualificado pelos critérios da
FIA como categoria 2, pode acomodar todos os tipos de eventos motorizados à
exceção de provas da Fórmula 1. A configuração utilizada pela MotoGP tem 4 km
de extensão, sentido anti-horário e contém 14 curvas, 9 para a esquerda e 5
para a direita. O seu projeto de arquitetura privilegiado permite acomodar 120.000
espectadores, todos com ampla visão da pista. Para os competidores uma das
principais características do traçado é o longo trecho entre as curvas 13 e 4,
no qual a moto fica apoiada sobre o centro e borda esquerda do pneu. A curva 4
à direita, que exige o apoio no lado frio dos Michelin, conhecidos por operar
com uma janela estreita de temperatura, é um dos pontos críticos do circuito.
O
recorde que não é recorde
Os bancos de dados da MotoGP
indicam a pole conseguida por Márquez em Valência como a 73ª de sua carreira,
um recorde absoluto na história da competição. Há controvérsias. A FIM
reconhece 3.042 GPs disputados, incluindo todas as classes (50cc, 80cc, 125cc,
250cc, 350cc, Moto3, Moto2 & MotoGP), entretanto só há registros de poles
em provas realizadas a partir de 1974. Antes deste ano não haviam procedimentos
regulamentados para definir a ordem de partida ou distribuição no grid,
critérios como sequência de inscrição e até idade dos condutores chegaram a ser
utilizados. Não tem muita lógica o fato de que o maior recordista da MotoGP, Giacomo
Agostini, com 122 vitórias tenha registrado apenas 9 poles.
Ordens
da Equipe
Andrea
Dovizioso e a Ducati insistem que não estão incomodados por Jorge Lorenzo
ignorar as seguidas sugestões de permitir que o companheiro de equipe, até
então candidato ao título do ano, o ultrapassasse. É altamente improvável que
houvesse alguma alteração no resultado, porém no pós-corrida a mídia italiana
massacrou o piloto espanhol. Durante o
transcorrer da prova a Ducati enviou diversas mensagens para o painel de
controle de Lorenzo sugerindo o “Mapeamento 8”, um código para trocar de
posição com o companheiro na pista. Após vários pedidos não atendidos, foi
apresentada uma placa no muro dos boxes com “Dovizioso -1” e uma seta amarela
para baixo. Nada adiantou.
Lorenzo informou que
recebeu as mensagens, porém tinha um desempenho melhor que Dovizioso e estava
tentando rebocá-lo até as Honda e a Yamaha que lideravam. O espanhol insistiu
que teria facilitado a vitória do colega caso Márquez tivesse algum percalço, como
quase aconteceu na volta 23 quando o piloto conseguiu salvar um quase acidente
com o cotovelo, saindo da pista e caindo da terceira para a quinta colocação.
Logo depois Lorenzo e Dovizioso caíram.
Apesar do aparente '”o que
este cara está fazendo” flagrado pelas câmeras de TV durante a corrida, o
diretor esportivo da Ducati, Paolo Ciabatti, disse que as mensagens de modo
algum eram uma ordem da equipe. O próprio Dovizioso esclareceu que a estratégia
de Lorenzo era a melhor a ser aplicada, e o seguir na pista contribuiu para
andar mais descontraído. "Era a melhor maneira de ambos chegarem aos
líderes, infelizmente excederam o limite de possibilidades do equipamento. Dovi
e Lorenzo estavam conformados no box, sem clima de animosidade. Temos que dar
crédito para pilotos profissionais que sabem o que estão fazendo” –
complementou o diretor da equipe.
Se o
clima no box da Ducati era de comemoração pelo bom desempenho na temporada, a
mídia italiana reagiu indignada. Alguns profissionais da imprensa, que imaginam
que o universo do esporte gira em torno de Valentino Rossi, publicaram com
estardalhaço a versão que Lorenzo havia retribuído a Márquez o campeonato de
2015.
Campeão
de quedas
No mundial deste ano Marc Márquez registrou, em
eventos oficiais (FP1, FP2, FP3, FP4, Q1, Q2, Warm Up & Provas)
relacionados com as 18 etapas, um total de 27 quedas. Este número excessivo
permite supor que haja algum tipo de método nestas ocorrências. Durante o Q2 da
prova de Valência, Márquez marcou um tempo excelente em sua primeira incursão
na pista. Após trocar pneus, o piloto conversou com Santi Hernandez, seu chefe
de equipe e foi informado que o pneu traseiro alcançou a janela de temperatura
operacional (ideal) mais rápido que o dianteiro. O engenheiro informou não
poder ajudar sobre quantas voltas eram necessárias para ter os dois pneus na
melhor condição. Márquez voltou à pista disposto a descobrir, caiu na segunda
volta. Por sorte seu tempo inicial foi suficiente para garantir a pole.
Importância de Pedrosa
Livio Supo, o principal executivo da HRC, em uma
entrevista para a BT Sports depois da prova enalteceu a permanência de Dani
Pedrosa na equipe. Além de um excelente entendimento com Márquez e Crutchlow,
Pedrosa é um recurso extremamente útil para os engenheiros de desenvolvimento.
O mais longevo piloto em uma mesma equipe, a Repsol-Honda desde 2006, Dani
Pedrosa em todos estes anos contabilizou pelo menos uma vitória por temporada.
Sua compleição física reduzida o prejudica em condições adversas de clima e,
embora seu estilo seja diferente de Márquez, é um piloto competente e
confiável, como comprova a vitória de Valência.
O
risco Zarco
Em uma prova onde um
acidente poderia pôr tudo a perder, Marc Márquez confessou sua preocupação por
dividir a primeira fila com Iannone e Zarco, dois pilotos “sanguíneos”,
sedentos por vitórias. A estratégia do campeão do mundo foi traçada com
antecedência, largaria pelo centro da pista permitindo caminho livre para
Pedrosa, que estava imediatamente atrás. A ideia era abrir o máximo possível e correr
risco zero com o tráfego. Quando percebeu a aproximação da Yamaha de Zarco,
permitiu a ultrapassagem para não complicar.
Andar comboiando o piloto francês revelou-se uma má estratégia, além de
ser mais rápido Márquez começou a perder a concentração e cometer erros
estúpidos, então esperou uma ocasião adequada e o ultrapassou. Zarco brigou
pela posição, foi agressivo e temendo pela proximidade entre as motos, o piloto
da Honda cometeu um erro grave na curva 1. Foi um "momento difícil",
a insistência de Johann Zarco o forçou a um erro que quase o colocou fora da
corrida final do mundial.
Motivação
política
Durante muitos anos Ayrton
Senna resgatou a autoestima dos tupiniquins desfilando com uma bandeira do
Brasil em comemoração às suas vitórias. Marc Márquez é natural de Cervera, mas
tem residência oficial (e fiscal) em Andorra, um pequeno
país localizado entre França e Espanha, que faz fronteira com a
Catalunha. O piloto costumava fazer a volta triunfal com uma bandeira
espanhola. As rígidas restrições da Dorna proíbem manifestações políticas e,
por ser um separatista convicto, Márquez agora desfila com uma bandeira
vermelha, com o número 93.
Salvamentos
O controle que Marc
Márquez exerce sobre a sua máquina é absurdo, diversas ocasiões em situações
extremas foram recuperadas. Nesta temporada ele saiu da pista e invadiu a
gravilha em Sachsenring, conseguiu retornar e vencer a prova. Em Valência errou
na curva 1, evitou a queda na pista com o joelho e cotovelo, controlou o
equipamento na brita e voltou para pista perdendo apenas duas colocações. Em
condições muito semelhantes, Dovizioso caiu e abandonou a prova. Um comentário
do locutor da BT Sports britânica que narrou a corrida é definitivo, ele
mostrou dúvidas em relação a Lorenzo e foi muito positivo dizendo que se
Dovizioso tivesse a habilidade de Márquez teria concluído a prova.
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