O nome de Valentino Rossi é considerado um sinônimo de
motovelocidade e há um sólido fundamento para esta associação, o italiano de 37
anos é o decano dos pilotos em atividade, está na categoria máxima da
competição desde 2000, acumula sete títulos mundiais e já alinhou em 284
largadas. Nestes dezessete anos Rossi conquistou 88 vitórias, 53 poles, 75
voltas mais rápidas e 183 pódios, sem dúvida um currículo impecável.
O ditado argentino “El diablo sabe por diablo, pero
mas sabe por viejo” pode ser aplicado para Valentino, a sua
longevidade no esporte o habilita a reconhecer um rengo sentado ou um cego
dormindo. Isto talvez explique o atual comportamento do ídolo italiano que,
depois de seu acidente nos testes que antecederam o GP da Itália em 2010, não
consegue mais bons resultados com a mesma frequência e facilidade. O último
campeonato conquistado por Rossi foi em 2009, desde então venceu apenas onze
vezes. Se o período em que passou na Ducati (2011 & 2012) for
desconsiderado, do seu retorno para a Yamaha em 2013 até os dias atuais
contabiliza 9 vitórias, relativamente poucas em comparação com as 27 de Márquez
e 20 de Lorenzo no mesmo período. Ainda assim, mesmo na ausência de títulos
recentes e menor número de vitórias, Valentino continua sendo o personagem mais
visado pela mídia na MotoGP, o ídolo italiano desenvolveu uma habilidade ímpar
de administrar a opinião pública.
A Janela de Overton é um conceito criado pelo analista de
comportamento Joseph P. Overton, relacionado com a análise da opinião de segmentos
da população. A janela avalia como pensa a maioria das pessoas em um
determinado momento sobre um assunto específico, as posições podem variar do
absolutamente contra ao totalmente a favor. Os limites da janela indicam o
máximo que uma personalidade pode sustentar sem se indispor com o público.
Existe a possibilidade de deslocar a janela para um lado ou para outro de
acordo com a conveniência, normalmente este é o trabalho dos profissionais de
marketing e formadores de opinião, que atuam para insistir em valores que
conduzam ao pretendido deslocamento. Importante: manipular a opinião de um
público não é sinônimo de conspirar, é um procedimento comum no mercado
publicitário.
Não existe uma receita infalível para identificar se uma
pretensão de mudança da janela está em andamento. O ideal é verificar se o que
está sendo comentado ou noticiado é o mérito da questão ou algum tema
associado, que pode até guardar algum parentesco com o assunto principal, mas
que é um óbvio desvio. Se o foco principal da conversa for um tema paralelo, é
um indicativo que uma tentativa de deslocamento da janela está em curso.
Um bom exemplo de deslocamento da janela ocorreu no GP da
Alemanha este ano, com as condições da pista alterando rapidamente, o box da
Yamaha monitorou Marc Márquez depois de uma troca antecipada de moto e
identificou que o espanhol estava ganhando até 7 segundos por volta, sinalizou
então para Rossi entrar e realizar a sua troca. Valentino, que estava
disputando a liderança com Crutchlow, Dovizioso, Miller e Barbera, decidiu
manter-se na pista por mais quatro voltas. Márquez venceu a corrida com
facilidade, Rossi chegou apenas em oitavo lugar. Nos dias que se seguiram o
italiano estimulou a possibilidade do uso de rádio para os pilotos, o problema
na corrida, segundo ele e seus assessores, não foi a decisão de ignorar as
orientações da equipe, foi a falta de um meio mais eficiente de comunicações.
Por esta ótica ele não fez nada errado, foi vítima das circunstâncias. Suas
declarações e o apoio de alguns setores da mídia mudaram a posição da janela,
seu comportamento deixou de ser criticado.
Brent Stephens, decepcionado porque VR46 não atendeu à orientação do box |
Na temporada passada Valentino esteve muito próximo de
alcançar seu objetivo pessoal, igualar os números de vitórias e títulos
mundiais de Agostini, e foi atropelado pela reação de Jorge Lorenzo. Para
desestabilizar emocionalmente o espanhol, criou a teoria de uma conspiração
engendrada por espanhóis para evitar a conquista do campeonato por um italiano.
Acusar Márquez de favorecer Lorenzo afronta a lógica, na corrida onde a suposta
atitude teria ocorrido (Phillip Island, 2015) o piloto da Honda venceu
ultrapassando Lorenzo nas últimas curvas e Rossi amargou um quarto lugar após
disputar o pódio com Iannone até os metros finais. O acirramento dos ânimos
decorrente daquela acusação resultou no incidente em Sepang, na penalização
para Valência e na perda do título para o italiano.
A
equipe Yamaha, indicada no início da temporada como favorita por dispor do
melhor equipamento e dos melhores pilotos, está amargando uma temporada
complicada. Sua última vitória foi em Barcelona (Rossi) no primeiro fim de
semana de junho, suas motos conseguiram cinco primeiros lugares, contra sete da
Honda, uma da Ducati e uma da Suzuki, na prova de Mugello perdeu dois motores
(Lorenzo nos treinos livres e Rossi durante a prova) e o título mundial para um
de seus pilotos é improvável. Valentino, entretanto, consegue manter-se no
centro de atenções da mídia, com atitudes nem sempre louváveis. Nos treinos
para o GP de San Marino mostrou acintosamente o dedo do meio para Aleix
Espargaro porque, segundo ele, estava lento na reta do circuito de Misano em
frente a sua torcida. Esse gesto
provavelmente deixou a multidão enlouquecida, mas também acabou obrigando a FIM
intervir, lembrando às equipes que comportamentos desrespeitosos não
beneficiam o esporte e precisam ser evitados. Na semana do último GP (Aragon) o
piloto da Moto3, Nicolo Bulega, foi penalizado por ter feito o mesmo gesto que
seu chefe na equipe VR46 fez dias antes.
Nos encontros com a imprensa, obrigatórios antes e depois
das provas, o italiano tem o hábito de conduzir conversas paralelas ou
interromper outros pilotos quando respondem perguntas. Quando isto acontece,
ele passa a ser o centro das atenções. Este hábito já é antigo, Stoner uma vez
interrompeu sua resposta e ficou olhando para Valentino, até que ele calasse a
boca, antes de prosseguir. O problema nestas ocasiões, como em muitas outras
áreas deste campeonato, é encontrar alguém disposto a enfrentar Valentino e
dizer a ele o que as crianças aprendem no jardim de infância: quando alguém
está falando, não se deve começar outra conversa paralela, mesmo que seja em
voz baixa, isto não é liderança, é falta de educação.
Na opinião de um jornalista britânico existem no universo
da MotoGP dois tipos de pessoas, fãs do esporte da velocidade em duas rodas e
fãs de Valentino Rossi. Os primeiros admiram a tecnologia aplicada nas motos e
o talento dos pilotos nas pistas, os segundos acreditam que o universo gira em
torno do ídolo italiano. Este tipo de dicotomia já resultou em vaias para
pilotos que, com mérito, venceram corridas.
O conjunto da obra de Valentino Rossi só encontra
paralelo na biografia de Giacomo Agostini, construída em uma época onde a
palavra concorrência não tinha o menor significado. O sucesso de Valentino
extrapolou as pistas, criou um império comercial, sua marca registrada (VR46) é
licenciada para uma ampla variedade de produtos. O piloto é venerado por uma
legião de fiéis torcedores que colorem de amarelo qualquer circuito em qualquer
continente onde é disputada uma etapa da MotoGP. Rossi persegue com obstinação
igualar ou superar os recordes históricos de seu conterrâneo Agostini, tarefa
que está sendo dificultada pela atual safra de pilotos. Se os resultados nas
pistas não respaldam seu protagonismo, Valentino Rossi encontra outra maneira
de ser o centro das atenções, até porque títulos de “Campeão Moral”, como ele
se atribui em 2015, não tem significação estatística.
Carlos Alberto Goldani
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