quarta-feira, 28 de setembro de 2016

MotoGP – A Janela de Overton



O nome de Valentino Rossi é considerado um sinônimo de motovelocidade e há um sólido fundamento para esta associação, o italiano de 37 anos é o decano dos pilotos em atividade, está na categoria máxima da competição desde 2000, acumula sete títulos mundiais e já alinhou em 284 largadas. Nestes dezessete anos Rossi conquistou 88 vitórias, 53 poles, 75 voltas mais rápidas e 183 pódios, sem dúvida um currículo impecável.

O ditado argentino “El diablo sabe por diablo, pero mas sabe por viejo” pode ser aplicado para  Valentino, a sua longevidade no esporte o habilita a reconhecer um rengo sentado ou um cego dormindo. Isto talvez explique o atual comportamento do ídolo italiano que, depois de seu acidente nos testes que antecederam o GP da Itália em 2010, não consegue mais bons resultados com a mesma frequência e facilidade. O último campeonato conquistado por Rossi foi em 2009, desde então venceu apenas onze vezes. Se o período em que passou na Ducati (2011 & 2012) for desconsiderado, do seu retorno para a Yamaha em 2013 até os dias atuais contabiliza 9 vitórias, relativamente poucas em comparação com as 27 de Márquez e 20 de Lorenzo no mesmo período. Ainda assim, mesmo na ausência de títulos recentes e menor número de vitórias, Valentino continua sendo o personagem mais visado pela mídia na MotoGP, o ídolo italiano desenvolveu uma habilidade ímpar de administrar a opinião pública.

A Janela de Overton é um conceito criado pelo analista de comportamento Joseph P. Overton, relacionado com a análise da opinião de segmentos da população. A janela avalia como pensa a maioria das pessoas em um determinado momento sobre um assunto específico, as posições podem variar do absolutamente contra ao totalmente a favor. Os limites da janela indicam o máximo que uma personalidade pode sustentar sem se indispor com o público. Existe a possibilidade de deslocar a janela para um lado ou para outro de acordo com a conveniência, normalmente este é o trabalho dos profissionais de marketing e formadores de opinião, que atuam para insistir em valores que conduzam ao pretendido deslocamento. Importante: manipular a opinião de um público não é sinônimo de conspirar, é um procedimento comum no mercado publicitário.

Não existe uma receita infalível para identificar se uma pretensão de mudança da janela está em andamento. O ideal é verificar se o que está sendo comentado ou noticiado é o mérito da questão ou algum tema associado, que pode até guardar algum parentesco com o assunto principal, mas que é um óbvio desvio. Se o foco principal da conversa for um tema paralelo, é um indicativo que uma tentativa de deslocamento da janela está em curso.

Um bom exemplo de deslocamento da janela ocorreu no GP da Alemanha este ano, com as condições da pista alterando rapidamente, o box da Yamaha monitorou Marc Márquez depois de uma troca antecipada de moto e identificou que o espanhol estava ganhando até 7 segundos por volta, sinalizou então para Rossi entrar e realizar a sua troca. Valentino, que estava disputando a liderança com Crutchlow, Dovizioso, Miller e Barbera, decidiu manter-se na pista por mais quatro voltas. Márquez venceu a corrida com facilidade, Rossi chegou apenas em oitavo lugar. Nos dias que se seguiram o italiano estimulou a possibilidade do uso de rádio para os pilotos, o problema na corrida, segundo ele e seus assessores, não foi a decisão de ignorar as orientações da equipe, foi a falta de um meio mais eficiente de comunicações. Por esta ótica ele não fez nada errado, foi vítima das circunstâncias. Suas declarações e o apoio de alguns setores da mídia mudaram a posição da janela, seu comportamento deixou de ser criticado.

Brent Stephens, decepcionado porque VR46 não atendeu à orientação do box

Na temporada passada Valentino esteve muito próximo de alcançar seu objetivo pessoal, igualar os números de vitórias e títulos mundiais de Agostini, e foi atropelado pela reação de Jorge Lorenzo. Para desestabilizar emocionalmente o espanhol, criou a teoria de uma conspiração engendrada por espanhóis para evitar a conquista do campeonato por um italiano. Acusar Márquez de favorecer Lorenzo afronta a lógica, na corrida onde a suposta atitude teria ocorrido (Phillip Island, 2015) o piloto da Honda venceu ultrapassando Lorenzo nas últimas curvas e Rossi amargou um quarto lugar após disputar o pódio com Iannone até os metros finais. O acirramento dos ânimos decorrente daquela acusação resultou no incidente em Sepang, na penalização para Valência e na perda do título para o italiano.

A equipe Yamaha, indicada no início da temporada como favorita por dispor do melhor equipamento e dos melhores pilotos, está amargando uma temporada complicada. Sua última vitória foi em Barcelona (Rossi) no primeiro fim de semana de junho, suas motos conseguiram cinco primeiros lugares, contra sete da Honda, uma da Ducati e uma da Suzuki, na prova de Mugello perdeu dois motores (Lorenzo nos treinos livres e Rossi durante a prova) e o título mundial para um de seus pilotos é improvável. Valentino, entretanto, consegue manter-se no centro de atenções da mídia, com atitudes nem sempre louváveis. Nos treinos para o GP de San Marino mostrou acintosamente o dedo do meio para Aleix Espargaro porque, segundo ele, estava lento na reta do circuito de Misano em frente a sua torcida. Esse gesto provavelmente deixou a multidão enlouquecida, mas também acabou obrigando a FIM intervir, lembrando às equipes que comportamentos desrespeitosos não beneficiam o esporte e precisam ser evitados. Na semana do último GP (Aragon) o piloto da Moto3, Nicolo Bulega, foi penalizado por ter feito o mesmo gesto que seu chefe na equipe VR46 fez dias antes.

Nos encontros com a imprensa, obrigatórios antes e depois das provas, o italiano tem o hábito de conduzir conversas paralelas ou interromper outros pilotos quando respondem perguntas. Quando isto acontece, ele passa a ser o centro das atenções. Este hábito já é antigo, Stoner uma vez interrompeu sua resposta e ficou olhando para Valentino, até que ele calasse a boca, antes de prosseguir. O problema nestas ocasiões, como em muitas outras áreas deste campeonato, é encontrar alguém disposto a enfrentar Valentino e dizer a ele o que as crianças aprendem no jardim de infância: quando alguém está falando, não se deve começar outra conversa paralela, mesmo que seja em voz baixa, isto não é liderança, é falta de educação.

Na opinião de um jornalista britânico existem no universo da MotoGP dois tipos de pessoas, fãs do esporte da velocidade em duas rodas e fãs de Valentino Rossi. Os primeiros admiram a tecnologia aplicada nas motos e o talento dos pilotos nas pistas, os segundos acreditam que o universo gira em torno do ídolo italiano. Este tipo de dicotomia já resultou em vaias para pilotos que, com mérito, venceram corridas.

O conjunto da obra de Valentino Rossi só encontra paralelo na biografia de Giacomo Agostini, construída em uma época onde a palavra concorrência não tinha o menor significado. O sucesso de Valentino extrapolou as pistas, criou um império comercial, sua marca registrada (VR46) é licenciada para uma ampla variedade de produtos. O piloto é venerado por uma legião de fiéis torcedores que colorem de amarelo qualquer circuito em qualquer continente onde é disputada uma etapa da MotoGP. Rossi persegue com obstinação igualar ou superar os recordes históricos de seu conterrâneo Agostini, tarefa que está sendo dificultada pela atual safra de pilotos. Se os resultados nas pistas não respaldam seu protagonismo, Valentino Rossi encontra outra maneira de ser o centro das atenções, até porque títulos de “Campeão Moral”, como ele se atribui em 2015, não tem significação estatística.


Carlos Alberto Goldani

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