Tyrrell P34 de Jody Sheckter |
Excluir uma equipe de um campeonato inteiro
exige um conjunto extraordinário de circunstâncias, ainda mais se ela tiver no
currículo um título mundial de construtores e dois de pilotos. A Tyrrell
Racing foi criada em 1970 e conquistou dois mundiais de pilotos (Jack Stewart,
1971 e 1973) e um de construtores (1971). Entre 76 e 77 a equipe disputou o
Mundial de F1 com o Tyrrell P34, um carro exótico com seis rodas, e conseguiu
uma dobradinha no GP da Suécia em 76 com Jody Sheckter e Patrick Depailler. Em
1984, na oitava prova da temporada em Detroit (vencida por Nélson Piquet), uma
vistoria no carro de Martin Brundle, segundo colocado, encontrou esferas de
chumbo no tanque de gasolina e indícios de adulteração de combustível,
caracterizando que a equipe utilizava recursos criativos para burlar os
regulamentos técnicos. A Tyrrell, única equipe do campeonato que utilizava
motor aspirado (início da era turbo), foi desclassificada e banida da F1, seus
pontos até então no mundial de construtores (13) foram cancelados. Algumas das
penas foram posteriormente revertidas em tribunais de apelação, porém
impossibilitada de utilizar recursos proibidos, a equipe entrou em declínio e
foi vendida. O acervo e a sede de Brackley, Inglaterra, passaram pelo controle
da British American Racing, Honda Racing e ressurgiram como Brawn GP, que em
2009 alcançou o título de construtores e de pilotos (Jenson Button). A Brawn GP
proporcionou também a última vitória de Rubens Barrichello na F1. Atualmente a
base operacional da antiga Tyrrell é uma das instalações de pesquisa da equipe
Mercedes AMG Petronas Formula One.
A equipe suíça Sauber, que já abrigou pilotos
como Felipe Massa, Kimi Raikkonen e Jacques Villeneuve, tem como um dos
principais patrocinadores o Banco do Brasil e, no início da temporada de 2015,
protagonizou uma situação jurídica bizarra, havia três pilotos com contrato
assinado para apenas dois carros. Apesar de ampla divulgação dos nomes de
Marcus Ericsson e Felipe Nasr como pilotos, Giedo van der Garde apresentou-se
no paddock da prova de abertura em Melbourne exigindo uma vaga, que teria
direito de acordo com um contrato assinado em 2014. O caso foi parar em um
tribunal local que, inicialmente, decidiu em favor do piloto holandês. Após
alguma indefinição, em que a participação da equipe na prova ficou
ameaçada, houve um acordo e Nasr e Ericsson foram confirmados para o
resto da temporada. O fato ilustra as dificuldades das equipes com poucos
recursos no ambiente cada vez mais seletivo e dispendioso da Fórmula 1.
Fernando Alonso estreou na Fórmula 1 em 2001 e
foi bicampeão mundial em 2005/2006 pela Renault. Em 2007 pilotou uma McLaren,
voltou para a Renault em 2008, compartilhando o box com Nelsinho Piquet. A
décima quinta prova da temporada do ano foi a corrida noturna no traçado urbano
de Cingapura, um circuito onde as ultrapassagens eram quase impossíveis antes
do uso da asa móvel. O chefe da equipe, Flavio Briatore, optou por uma
estratégia criativa, pediu para Nelsinho Piquet provocar a entrada do Safety
Car na pista na volta quatorze, para obrigar todos os pilotos fazerem suas
paradas para reabastecimento e troca de pneus. Fernando Alonso fez uma parada
prematura duas voltas antes, aproveitou a oportunidade para assumir a liderança
e vencer a corrida. A história foi descoberta depois que o piloto brasileiro
foi dispensado pela equipe e revelou a trama. Briatore foi banido da Fórmula 1,
Pat Symonds, membro da equipe, suspenso por cinco anos e o piloto espanhol, por
falta de provas, foi absolvido. Fernando Alonso também participou de um
incidente atípico pilotando uma Ferrari na Alemanha de 2010, ao disputar a
liderança com o companheiro de equipe, foi beneficiado por uma frase
transmitida por rádio para Felipe Massa, que marcou época na F1: “Fernando is
faster than you”. Muitos consideram Alonso o melhor piloto em atividade, talvez
seja, mas com certeza não é dos mais éticos.
GP da Austrália, 2009. Durante uma bandeira
amarela, Jarno Trully perdeu-se em uma curva e saiu da pista, permitindo a
ultrapassagem de Lewis Hamilton, que vinha logo atrás. O britânico consultou o
box (via rádio) e foi informado que deveria devolver a posição, então, permitiu
a ultrapassagem do italiano. Jarno perdeu a posição por ter saído da pista, e a
recuperou ainda sob bandeira amarela, no traçado normal. Pela manobra,
ultrapassar em bandeira amarela, o piloto da Toyota foi penalizado com 25
segundos, depois da McLaren ter afirmado aos comissários de pista que Lewis não
cedeu a posição voluntariamente. Com a punição Trully perdeu a terceira
colocação para Hamilton. Mensagens de rádio recuperadas provaram, no entanto,
que Hamilton e a McLaren mentiram deliberadamente para provocar a penalização
de Trully e, deste modo, herdar a sua posição. Descoberta a esperteza, Hamilton
foi desclassificado e a McLaren suspensa por três corridas, penalização nunca
cumprida. Este episódio foi batizado como “LieGate”.
A McLaren também protagonizou outro incidente
em 2007, um caso de espionagem industrial. A Ferrari denunciou que um de seus
funcionários, Nigel Stepney, compartilhou dados confidenciais da equipe com
Mike Coghlan, que trabalhava com os britânicos. O caso foi descoberto por um
funcionário de uma loja de fotocópias, que alertou à fábrica de Maranello sobre
documentos técnicos que haviam sido deixados para a esposa de Coghlan. Os
desdobramentos do episódio transcenderam aos limites de disputa esportiva e
evoluíram para a esfera criminal. Coghlan declarou que vários funcionários da
empresa tiveram acesso aos dados adquiridos ilegalmente, porém a direção da
McLaren negou a informação. A empresa foi denunciada para o Conselho Mundial de
Automobilismo por violação do código desportivo, escapou de uma punição por
ausência de provas materiais. Uma nova evidência surgiu de uma troca de e-mails
entre Fernando Alonso e Ron Dennis, o Tribunal de Apelação Internacional
solicitou uma investigação mais abrangente e identificou que vários
funcionários da McLaren - incluindo Alonso e o piloto de testes Pedro de la
Rosa – utilizaram dados confidenciais da Ferrari. A McLaren foi multada em US$
100 milhões e teve os pontos conquistados no campeonato de construtores do ano
zerados.
O grande prêmio com o menor número e
competidores da história da F1 ocorreu em 2005 no circuito de Indianápolis. Em
uma época onde havia concorrência de fornecedores de pneus, a Bridgestone
equipava três equipes e as restantes utilizavam compostos Michelin. Nos testes
livres e para definição do grid de largada houveram vários incidentes com pneus
Michelin na curva 11. A fabricante assumiu que não tinha condições de garantir
a segurança de seus produtos caso não houvessem modificações no traçado da
pista, solicitação que não foi aceita pela FIA. Preocupados com a
responsabilidade criminal em caso de algum acidente grave, a Michelin orientou
a todas as equipes que utilizavam seus pneus para que realizassem apenas a
volta de apresentação (exigência contratual) e recolhessem os carros aos boxes.
A largada foi autorizada com apenas seis carros no grid, 2 Ferrari, 2 Jordan e
2 Minardi, e criou uma enorme publicidade negativa para a Fórmula 1, em
especial nos Estados Unidos.
Para os brasileiros que acompanharam a época
de ouro de Ayrton Senna na F1, a simples menção do nome de Jean-Marie Balestre
provoca engulhos. No incidente entre Senna e Prost em 1989, no GP do Japão em
Suzuka, houve a interferência direta do então presidente da FISA, para
desclassificar o piloto brasileiro e garantir o título antecipado para seu
amigo pessoal Alain Prost. Ciente que era odiado no Brasil, Balestre fez
questão de desfilar na pista de Interlagos no início da temporada de 1990,
sorrindo enquanto recebia uma enorme vaia. O (falta de) caráter do francês
apresentou uma amostra anos antes, no início do campeonato de 1982 a FISA
estabeleceu uma regra para distribuir as “Superlicenças”, que obrigava os
pilotos a assinarem contratos de três anos e proibiam qualquer tipo de
comentário contra a entidade. A polêmica estendeu-se até o paddock da primeira
prova em Kyalami e resultou em um inédito boicote dos pilotos, liderados por
Didier Pironi e Niki Lauda, que na noite anterior aos primeiros testes livres
decidiram permanecer no hotel. Pressionado por equipes, patrocinadores e
organizadores do evento, Balestre ensaiou um recuo verbal, cancelando as
exigências e prometendo que não haveria sanções. Terminado o evento, o
presidente da FISA impôs pesadas multas aos pilotos por desafiarem as
deliberações da entidade. As penalidades foram posteriormente reduzidas pela
FIA.
Brabham BT46 de Niki Lauda |
A criatividade dos projetistas da F1 em busca
de melhor desempenho é ilimitada. O Lotus 78, projetado pela equipe de Colin
Chapman, introduziu o conceito de carro-asa criando um efeito solo que
permitia, em função da maior estabilidade, contornar curvas em altíssima
velocidade. O Lotus 78 proporcionou um título Mundial para Mário
Andretti. Na busca de como compensar a vantagem obtida pela Lotus, o projetista
da Brabham, Gordon Murray, utilizou uma máxima adaptada de Lavoisier, “na
Fórmula 1 nada se perde, nada se cria, tudo se copia”. Ele projetou o BT46, um
carro com um enorme ventilador na parte traseira, explicou que era um sistema
de refrigeração alternativo quando, na verdade, seu objetivo era sugar o ar
debaixo do assoalho do carro, criando um “downforce” equivalente ou maior que o
do carro-asa. O BT46 venceu a única corrida que disputou, pilotado por Niki
Lauda, e foi banido das pistas por questões de segurança, seu ventilador gerava
muita turbulência em um tempo onde a perda do efeito solo fazia os carros, literalmente,
decolarem.
O comportamento dentro e fora das pistas de
Nico Rosberg e Lewis Hamilton embaraça o conceito de companheiros de equipe,
entretanto não é exatamente uma novidade na Fórmula 1. Acontece sempre que uma
equipe desenvolve um carro muito superior às demais e contrata pilotos com
personalidade forte. A Ferrari é exceção, faz constar em contrato que as ordens
da equipe não contemplam contestação, o que explica a obediência cega de Felipe
Massa no episódio “Fernando is faster than you” e a ultrapassagem de Schumacher
sobre Barrichello no GP da Áustria em 2002, imortalizada pela narração de
Cleber Machado (“Hoje não, hoje não, hoje sim!”). Quando a Williams desenvolveu
um carro fantástico, o ambiente nos boxes entre Nelson Piquet e Nigel Mansell
deteriorou e é antológica a cena de Patrick Head, chefe da equipe, esbravejando
nos boxes de Hockenheim em 1986 quando chamou o inglês para troca de pneus e o
brasileiro se apresentou antes. A rivalidade de Senna com Prost resultou em
acidentes (não necessariamente acidentais) que decidiram os campeonatos de 89
(Prost) e 90 (Senna). Sobre estes eventos, Senna reconheceu tempos depois que
nada fez para evitar o choque com Prost em 1990, o francês nunca admitiu ter
forçado a batida entre eles em 1989. A convivência de Prost com Niki Lauda em
1984 também foi pontuada por desencontros, o austríaco venceu o campeonato com
uma diferença de meio ponto.
Dick Vigarista é um personagem fictício criado
pelos estúdios Hanna-Barbera para compor o elenco do desenho animado Corrida
Maluca, sua principal característica é utilizar todos os subterfúgios possíveis
para vencer. Michael Schumacher é inegavelmente uma lenda do esporte, mas
continua sendo uma das suas figuras mais controversas pela tendência em
envolver-se em incidentes polêmicos na F1. Em 1994 foi muito criticado ao
colidir com Damon Hill no último GP do ano, na Austrália, a exclusão de ambos
da prova garantiu seu título na temporada. Um episódio semelhante ocorreu ao
tentar evitar uma ultrapassagem de Jacques Villeneuve em 1997, no GP da Europa
disputado no circuito de Jerez, o alemão manobrou de uma maneira acintosa para
tirar o canadense da prova. Não funcionou, Villeneuve permaneceu na corrida e
venceu o campeonato. Neste evento, entretanto, o comportamento de Schumacher
impressionou a FIA, que o penalizou, por conduta antidesportiva, com a exclusão
de todos os pontos obtidos na temporada, uma das penas mais rigorosas já
aplicadas pela entidade para um piloto. Sobre o acontecido a mídia escrita
alemã foi cáustica, o jornal Bild disse que Schumacher foi o culpado pelo
acidente, “Apostou alto e perdeu tudo, o campeonato mundial e a sua reputação”,
o Frankfurter Allgemeine o chamou de kamikaze sem honra, e concluiu “o mito
está começando a desabar porque suas fundações estão com defeito”. Algumas
atitudes de Schumacher nas pistas parecem ter sido inspiradas em Dick
Vigarista.
Max Mosley foi um dos sócios fundadores da March
Engineering (anos 70 e 80), sucedeu Jean-Marie Balestre na FISA em 1991 e foi
eleito presidente da FIA em 1993. Ele é filho de Oswald Mosley, um oficial do
exército do Reino Unido que sempre se orgulhou da presença de Joseph Goebbels e
Adolf Hitler em seu casamento. Em março de 2008, uma reportagem do
tabloide inglês News of the World divulgou vídeo e fotos de Mosley envolvido no
que a imprensa britânica classificou como "orgia sadomasoquista
nazista". Além do dirigente, as cenas mostraram cinco prostitutas,
supostamente contratadas por Mosley, fazendo apologia ao nazismo. A reação foi
imediata, Mosley divulgou uma carta onde reconheceu ter patrocinado a orgia e
pediu desculpas pelo constrangimento causado. O dirigente cancelou a presença
no GP do Bahrein depois do sheik, autoridade máxima do país, anunciar que sua
presença não era benvinda. Os fornecedores de motores para F1, BMW e Mercedes,
emitiram notas de explicitando o seu desagrado, a Toyota desaprovou o
comportamento do presidente da FIA indicando prejuízo para a imagem da
categoria e a Honda posicionou-se dizendo estar extremamente decepcionada,
lembrando a necessidade de figuras-chave do esporte manterem níveis de conduta
adequados para cumprirem seus papéis com integridade e respeito. As acusações
que a orgia, base do escândalo, era uma apologia ao nazismo sempre foram
negadas por Mosley. A investigação sobre as denúncias constatou que a pessoa
que filmou as cenas, uma das cinco prostitutas contratadas para participar do
ato, era casada com um agente do serviço secreto MI5 da Inglaterra. Mosley
acionou a justiça britânica e ganhou uma ação contra o tabloide, argumentando
que a orgia não era de temática nazista e não havia relevância pública para
publicar imagens obtidas através da invasão da privacidade.
Carlos Alberto Goldani
Nenhum comentário:
Postar um comentário