quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

MotoGP - O Que Está em Jogo

Quando na noite do próximo dia 20 de março, no circuito internacional de Losail no Qatar, apagarem as luzes que autorizam a largada para a primeira prova de MotoGP da temporada de 2016, estarão alinhadas no grid as máquinas mais sofisticadas já construídas, verdadeiros prodígios de tecnologia sobre duas rodas. Nos boxes de retaguarda estarão atentos o chefe de equipe, os engenheiros de pista, os especialistas em suspensão, os responsáveis pelos pneus, os técnicos em eletrônica e os mecânicos. Ao comando das motos estarão os pilotos de MotoGP, alguns dos atletas mais bem preparados do mundo em termos de condições físicas e mentais. Uma vez dada a largada, uma corrida de MotoGP é um esporte solitário, a única comunicação possível entre a equipe de apoio e o piloto são placas apresentadas na reta dos boxes, informação concisa, disponível para os concorrentes e que deve ser lida e processada enquanto a moto desenvolve velocidades superiores a 300 Km/h.

O objetivo de todos os pilotos é um só, encontrar a linha mais rápida na pista e depois conseguir uma maneira de andar ainda mais depressa, as frações de segundos perdidas ou ganhas nas retas e curvas determinam a diferença entre vitória e derrota. Durante os aproximadamente 40 minutos de uma corrida qualquer hesitação significa perda de posições, qualquer excesso implica em queda, os limites são muito estreitos.

A aptidão física é essencial. A técnica de pilotagem desenvolvida por Marc Márquez e adotada por praticamente todos os pilotos de ponta indica que a postura ideal é manter nas curvas toda a parte superior do corpo afastada da moto, e a constante atualização do posicionamento do corpo em relação ao equipamento exige muito preparo.  Nas curvas o piloto fica submetido a forças de até 2G e é necessário um treinamento específico para desenvolver os músculos envolvidos. Por oportuno, um corpo humano experimenta uma sensação de conforto até 1G e embora não seja muito difícil resistir a pressões 2G, valores muito superiores podem tornar quase impossível manter a consciência. Em um acidente ocorrido durante os treinos em Mugello, 2013, Marc Márquez perdeu o controle de sua Repsol Honda a 337,9 Km/h (registrados pela telemetria) e durante a sua queda foi submetido a uma desaceleração calculada em 24G, suficiente para causar inúmeros efeitos colaterais em pessoas comuns. O piloto recuperou-se bem e no dia seguinte estava na prova (caiu quando ocupava a segunda posição, faltando três voltas para o final).

Existem poucas novidades na relação de pilotos inscritos para o campeonato mundial de 2016, a manutenção dos principais contendores é uma característica da MotoGP. O atual campeão está na principal categoria do motociclismo desde 2008, seu colega de equipe é o lendário Valentino Rossi, que estreou na 500cc em 2000, está na MotoGP desde 2002 e é o recordista em número de vitórias desde então, 73.  Dani Pedrosa frequenta o grid de largada desde 2006 e Marc Márquez é o “new kid on the block”, foi promovido em 2013.

O que torna estes atletas tão especiais é a extraordinária competitividade na disputa pelo título mundial, não importando os sacrifícios necessários. Dani Pedrosa em dez anos já sofreu pelo menos 9 fraturas e 3 traumas graves, sua clavícula esquerda tem menos que 20% do tecido ósseo original e, embora a sua compleição física não seja a ideal (1,58m de altura), é considerado um dos maiores talentos das pistas. Jorge Lorenzo, o atual campeão, protagonizou uma sequência heroica em 2013, em uma queda nos testes de classificação de sexta-feira para a prova da Holanda fraturou a clavícula, voou para Barcelona e foi operado na mesma noite. No domingo alinhou no grid de largada e encerrou a prova como quinto colocado. Duas semanas mais tarde nos treinos para o grande prêmio da Alemanha voltou a acidentar-se machucando a mesma clavícula, só então parou para restabelecer-se por completo. Uma das razões que explica o extraordinário desempenho de Valentino Rossi na MotoGP é o reduzido número de acidentes, desde 2002 quando a categoria foi regulamentada até 2010 ele não faltou a nenhum grande prêmio, até fraturar uma perna no circuito italiano de Mugello.

Extrema competitividade não implica em descaso com segurança, a roupa de couro de canguru (resistência e maneabilidade) utilizada pelos pilotos contém proteção extra nos ombros, cotovelos antebraços, joelhos e tornozelos, as luvas são reforçadas nos nós dos dedos e ao redor das palmas das mãos. Todos condutores são equipados com airbags (as saliências nas costas do macacão) cujo processo de produção é exclusivo, o corpo do piloto fornece o molde ergonomico que resulta em uma proteção eficaz. O airbag é projetado para otimizar a proteção ao redor do corpo do piloto,  com seções que permitem inflar volumes específicos sobre cada área, alto volume nos ombros e torso, volume médio nos quadris e costas.  Um micro-processador monitora os movimentos a cada 2 milissegundos através de sensores localizados nos braços e pernas. Se algum dos sensores detectar irregularidades na posição do piloto ou forças externas atuando, infla o airbag.  O tempo de disparo é de cerca de 8 milissegundos (tempo necessário para processar os dados durante a perda inicial de controle do piloto) e o tempo total do processo até ser totalmente inflado é menor que 45 milissegundos (0,045 seg). Uma vez inflado, o airbag oferece mais de 5 segundos de proteção integral antes de começar a desinflar, garantindo uma barreira de absorção de impacto prolongada, altamente eficaz para ambas as clavículas, ombros, costas, torso e quadris. O macacão contém zonas de expansão para acomodar o airbag em seu estado totalmente inflado.

Quando o diretor da corrida autorizar a largada no grande premio do Qatar estará iniciando a mais imprevisível temporada da MotoGP dos últimos anos. O regulamento introduziu modificações substanciais buscando equiparar os recursos utilizados por todas equipes e tornar a disputa mais equilibrada. As máquinas que estarão posicionadas no grid incorporam o estado da arte em termos de recusos

sábado, 23 de janeiro de 2016

MotoGP - Honda Projeta um Novo Motor para 2016

O objetivo principal de uma equipe em uma corrida da MotoGP não é utilizar o motor mais potente, é percorrer a distância de 75 milhas no menor tempo, conciliar a resposta do motor com o máximo de desempenho dos pneus, consumindo menos que 20 litros de combustível.  

Não é segredo que a Honda não está confortável com o motor RC213V MotoGP. A orientação da HRC historicamente têm sido produzir motores cada vez mais agressivos, priorizando a potência, mas em 2015 foram longe demais. A entrega da potência gerada pelo RC213V foi complicada para administrar, mesmo com os recursos de eletrônica, e a equipe amargou sua pior temporada na MotoGP desde 2010.  A perspectiva para 2016 não entusiasma muito, o equipamento que Dani Pedrosa e Marc Márquez testaram em novembro do ano passado apresentou uma pequena melhora, com um pouco mais de desempenho em baixas rotações, ainda assim entregue de maneira muito agressiva. Acrescente-se a isto os problemas de adequação da HRC com o software unificado, obrigatório para aproxima temporada. A Ducati e, em menor medida a Yamaha, conseguiram bons resultados na integração das especificações do software com seus motores, a Honda ainda está em busca de uma solução aceitável. Os pilotos da Repsol Honda, Pedrosa e Márquez, estão encontrando dificuldades para identificar a um modo de encontrar equilíbrio entre a resposta de aceleração abrupta e agressiva do motor, um software mais rude e a interação entre os dois.
Apesar de não ser uma característica da equipe japonesa comentar dificuldades em público, recentemente o chefe da HRC admitiu para o jornal espanhol Marca que estavam tendo problemas em fazer um motor menos agressivo. Em um evento da Honda na Espanha, realizado para promover o cupê esportivo Civic Type R, Pedrosa e Márquez reafirmaram suas preocupações sobre o motor, "Estamos em uma fase onde é difícil dizer onde estamos," afirmou Pedrosa, "O motor ainda precisa de algum trabalho, necessário para entender todo o pacote ", acrescentou Márquez.

 Pedrosa afirmou para jornalistas que a Honda está trabalhando em um novo motor. Apesar dos pilotos não serem assertivos, há sinais indicativos de que as mudanças podem ser substanciais, a ponto de a especificação final do motor não estar pronta antes da primeira corrida no Qatar. Peter McLaren, do normalmente bem informado site Crash.net, sugeriu que os pilotos das equipes satélite da Honda vão utilizar o motor de 2015 para os testes em 01 de fevereiro na Malásia e que existe também a possibilidade de Cal Crutchlow, Tito Rabat e Jack Miller utilizarem a moto de 2015, ao invés de apenas um motor de 2015 em um chassi de 2016. Isso é incomum para a Honda, normalmente a HRC disponibiliza o modelo base para a próxima temporada para todos seus pilotos nos testes de fevereiro em Sepang, com diversas configurações de chassi. 

Parte dos problemas enfrentados pela Honda em 2015 foi causado por conclusões erradas sobre o comportamento do motor nos testes pré-temporada realizados na Malásia. O extremo calor e umidade de Sepang mascararam a natureza agressiva do motor em fevereiro de 2015 e passaram à equipe da HRC uma falsa sensação de segurança. Na prova de abertura da temporada no Qatar, com um clima mais frio, o motor mostrou sua real personalidade e não pode ser corrigido porque o projeto estava congelado pelo regulamento da competição.

A decisão de não fornecer os novos propulsores para as equipes satélite nos testes de fevereiro indica que a especificação final ainda não está concluída e nos ensaios de Phillip Island e Qatar, após o teste de Sepang, a HRC terá uma chance de analisar o motor em diversas condições de temperaturas e climas antes de escolher o projeto final. Como a especificação do motor ainda está sendo alterada, seria um desperdício de recursos construir motores em número suficiente para todos os pilotos das equipes satélite, que seriam fatalmente descartados para incorporar eventuais melhorias.

A HRC não se pronuncia sobre o assunto, estimulando as especulações que os pilotos da Repsol Honda vão usar os testes de Sepang e Phillip Island para orientar o desenvolvimento do propulsor de 2016. Uma versão de quase pronta seria testada no último evento no Qatar, de 2 a 4 de março, e a especificação final só estará disponível na abertura da temporada no Qatar, em 20 de março.

Os testes realizados até agora indicam que a RC213V Honda está em desvantagem em relação a Yamaha M1, destaque em 2015 e aprimorada para 2016, a Ducati GP16 que apresentou bons resultados em 2015 e se adaptou ao software unificado excepcionalmente bem e as máquinas da Suzuki com progressos visíveis em relação à temporada passada. A Honda tem uma tarefa árdua pela frente, a nova eletrônica, os pneus Michelin e os problemas existentes em seu motor, entretanto não é salutar desconsiderar a capacidade de reação da equipe. 

Publicado em 26 de janeiro de 2016 no site www.autoracing.com.br


sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

MotoGP - Os Diamantes (e os Ídolos) São Eternos



Na década passada o termo motovelocidade era considerado um sinônimo de Valentino Rossi. Em sua carreira, que já chega a 20 anos (estreou em 1996 na categoria 125cc) ele participou de mais de 300 corridas, venceu 112 e ganhou nove campeonatos mundiais. Desde 2000 Rossi participa da principal categoria da velocidade em duas rodas e é o único da sua geração de pilotos ainda em atividade. Venceu os mundiais de 2001 a 2005 em sequência, acumulando 51 vitórias em 81 corridas disputadas. Em 2006 não completou três provas e ficou a escassos cinco pontos do vencedor, Nicky Hayden, porém com mais vitórias (5 contra 2) e em 2007 foi dominado pela competência da dobradinha Ducati & Casey Stoner (10 primeiros lugares e o título), ficou com a terceira colocação um ponto atrás de Dani Pedrosa.
Valentino voltou ao topo em 2008 e 2009 vencendo 9 e 6 vezes respectivamente, com mais um título se igualaria ao maior vencedor de todos os tempos da categoria principal, Giacomo Agostini, entretanto 2010 foi um ano complicado. Sofreu uma queda nos testes da quarta prova da temporada, fraturou a tíbia e ficou afastado durante quatro provas, o que resultou em terceiro colocado no mundial, 150 pontos atrás de seu colega de equipe. Valentino recebeu no final da temporada uma proposta de renovação da Yamaha que implicava em redução do salário e perda da condição de primeiro piloto. Dinheiro não era problema, mas o ídolo italiano não podia aceitar uma posição subalterna e assinou por dois anos com a Ducati.
Uma aposta arriscada. Após uma temporada brilhante em 2007 a marca italiana apresentava sinais evidentes de fadiga. O título mundial e as onze vitorias (10 de Stoner e uma de Capirossi) naquele ano representaram o ápice da equipe, que recuou para seis vitórias em 2008, quatro em 2009 e apenas três em 2010. Havia outro condicionante, a primeira vez que Stoner conquistou o título foi antes da regulamentação das especificações de pneus e a Bridgestone fabricava compostos especificamente para a Ducati, adequados ao seu quadro maleável montado em tubos de treliça. Com a nova regulamentação a fábrica optou por um quadro de fibra de carbono extremamente rígido e o conjunto da moto ficou muito sensível, perdia a frente sem nenhum aviso.
Durante o período de ostracismo de Rossi na Ducati a MotoGP experimentou uma mudança significativa, centrada na técnica de pilotar de Marc Márquez. Márquez descobriu que o modo “joelho para baixo” desenvolvido por Mike Hailwood na década de 60 não era a maneira mais veloz de contornar uma curva. O piloto espanhol percebeu a extraordinária capacidade dos pneus Bridgestone e desenvolveu um modo de explorar a sua revolucionária aderência. O ideal era manter nas curvas toda a parte superior do seu corpo longe da moto, aumentando ainda mais o ângulo de inclinação (a foto mostra que o cotovelo do lado de fora vêm para cima do tanque e o cotovelo de dentro quase se apoia na a superfície da pista).
A constante atualização do posicionamento na moto exigiu também um preparo físico até então inédito. Nas curvas o piloto fica submetido a uma força de 2G e foi necessário um treinamento específico para desenvolver os músculos envolvidos. A inclinação extra nas curvas limita o excesso de trabalho das bordas sensíveis dos pneus, habilita o contorno mais veloz e, ao reaprumar a moto, libera tração extra para acelerar mais rápido.
Valentino amargou um calvário de dois anos. Assistiu o bicampeonato de Stoner em 2011 com uma Honda e a consolidação de Lorenzo como piloto competente ao conquistar o título em 2012. De volta a Yamaha, foi obrigado a reinventar seu estilo de pilotagem para voltar a ser competitivo, atuou como coadjuvante em 2013 e melhorou na temporada seguinte, 2014, porém seu desempenho não foi suficiente para acompanhar a ascensão meteórica do talento de Marc Marques, bicampeão em 2013 e 2014.
O piloto italiano teve em 2015 a sua grande chance de se igualar ao seu compatriota Agostini com oito campeonatos mundiais na principal categoria das motos de competição e perseguiu este objetivo até as últimas corridas. Entretanto, talvez por excesso de ansiedade, criou um ambiente hostil ao sentir-se prejudicado por Marc Márquez na Austrália, corrida vencida pelo piloto da Honda e com Rossi fora do pódio. Na Malásia protagonizou um incidente que resultou na queda de Márquez e resultou penalidade, tendo que largar a corrida de encerramento do ano na última posição do grid. Rossi perdeu o campeonato por apenas cinco pontos, para seu colega de equipe Jorge Lorenzo.
Dizem que estatísticas tem a mesma finalidade dos biquínis, mostrar tudo, menos o que é realmente importante e no caso de Valentino Rossi os números são particularmente perversos. Contando apenas as últimas três temporadas, onde ele contou com equipamento e equipe de ponta, o seu desempenho não é encorajador. Só os pilotos das equipes oficiais da Yamaha e Honda venceram nos últimos três anos, Marc Márquez 24 vezes, Jorge Lorenzo 17, Valentino 7 e Dani Pedrosa 6. Ele e seu colega de equipe contabilizam os menores números de não qualificações, três cada um em três anos, o que indica a confiabilidade do equipamento. Em 2015 Rossi pontuou em todas as corridas, ficando fora do pódio em apenas três. Para efeitos de comparação os dois pilotos da Honda (Márquez e Pedrosa) não pontuaram em 16 provas neste período.
Os testes realizados em Valência depois do encerramento da temporada de 2015 não são conclusivos, mas os resultados combinados dos dois dias podem apontar uma tendência. A Honda de Márquez foi a mais rápida, seguido de Viñales com uma Suzuki, Pedrosa com a segunda Honda oficial, Aleix Spargaro com Suzuki, Lorenzo com Yamaha, Cal Crutchlow com uma LCR Honda e Valentino apenas em sétimo.
Mesmo a mais competente pitonisa teria dificuldades em prever o que Valentino pode realizar no futuro, começando pela próxima temporada. O final de 2015 foi muito conturbado e suas atitudes criaram um clima adverso com os pilotos espanhóis, seu colega de equipe e os dois da Honda. Suas acusações de uma conspiração espanhola dos pilotos da Honda para favorecer um compatriota não têm muita lógica, eles venceram três das quatro últimas corridas da temporada.
Para 2016 as variáveis são muitas, pneus com nova composição, eletrônica padronizada e várias mudanças no regulamento sugerem um início de ano complicado, com pilotos e equipes iniciando um novo aprendizado. A esperança dos organizadores é que o novo regulamento diminua o gap existente entre os equipamentos na pista e, neste cenário, a experiência de Valentino pode fazer a diferença.
O contrato com a Yamaha encerra-se no final desta temporada e o piloto deixa claro que ainda não tem planos de deixar a MotoGP, quer prolongar sua permanência na elite do motociclismo. Sua meta de igualar e talvez superar os recordes de Giacomo Agostini está próxima, faltam dez vitórias e um título mundial. É uma meta ambiciosa, sobretudo considerando que a concorrência pelo lugar mais alto do pódio tende a ser muito acirrada. Valentino Rossi já tem planejado o que quer fazer quando chegar a hora de deixar o Mundial de Motovelocidade,  campeão da edição 2015 do Rali de Monza, o piloto manifestou o desejo de se aventurar no mundo do rali no futuro.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

MotoGP - Câmbio Seamless

O funcionamento do Câmbio Seamless MotoGP foi um dos segredos mais bem guardados da equipe Honda, mas agora a documentação apresentada pelo departamento de competições da Honda Racing Corporation para requerer a patente industrial foi divulgada na internet. O documento de 23 páginas descreve o sistema através de 33 imagens e explicações técnicas detalhadas


Uma das mais recentes tecnologias desenvolvidas pelas equipes da MotoGP é o câmbio ultra rápido (Seamless), desenvolvido para permitir o uso eficiente de cada Nm (Newton Metro) de torque entregue pelo motor e se tornou um recurso obrigatório para quem aspira bons resultados na pista. Além das equipes Honda, Yamaha e Ducati, também foi adotado pela Aprilia e Suzuki. A tradução do termo Seamless para português, neste contexto, poderia ser “imperceptível”, ou seja, não há o período de transição sem torque na troca de marchas.

Quanto a HRC introduziu esta novidade em 2012 já se sabia o nome do inventor, Shinya Matsumoto, cuja idéia foi apresentada ao Escritório de Patentes na América do Norte em Fevereiro de 2011. Agora é possível encontrar o arquivo que lastreou o pedido da  patente na rede (endereço abaixo), um documento que explica em detalhes todo o funcionamento do sistema Seamless Honda. Os desenhos técnicos com explicações em anexo descrevem todos os componentes e as suas operações globais.

Os benefícios do câmbio Seamless na MotoGP dizem respeito principalmente a continuidade da entrega de torque à roda motriz na troca de marchas, uma característica que reduz perdas de aderência e velocidade, melhorando a aceleração do equipamento. Segundo dados da Honda, o câmbio Seamless realiza trocas em tempo menor que 12 ms e, em circuítos onde os pilotos realizam 30 trocas por volta, proporciona uma vantagem significativa em um ambiente onde cada milissegundo faz a diferença.


Como Funciona

A ideia é simples: duas engrenagens girando sincronizadas com um sistema que permite a comutação automática da tração de uma engrenagem para o outra. Funciona na troca ascendente de marchas (da primeira à sexta marcha) e na redução (sexta à primeira). Passagem automática significa que existe um dispositivo mecânico que desconecta uma engrenagem logo que a outra começa a transmitir torque. Exemplo: a moto está em terceira marcha, o piloto aciona a alavanca de câmbio para mudar para quarta, mas na verdade a engrenagem específica é colocada em modo de “pré-seleção”. O motor continua fornecendo potência em terceira e com a quarta pré-selecionada, até um sistema complexo de mecanismos realizar a troca. Quando a quarta marcha transmite torque, terceira é automaticamente desativada. Este processo acontece em um período incrivelmente rápido de tempo, muitas vezes mais rápido do que o câmbio tradicional. Os componentes do câmbio Seamless são mecânica de alta precisão, baseados em muita pesquisa e com diversos procedimentos patenteados envolvidos, cada fabricante desenvolve seu próprio sistema e o classifica como segredo industrial. A Honda administra uma série de patentes relacionadas com este sistema, como a que foi divulgada, e são tão ciosos da sua tecnologia que qualquer intervenção é feita por engenheiros japoneses que trabalham na retaguarda, os mecânicos de pista não estão autorizados a desmontar uma unidade.


Vantagens

Uma descrição mais simplista indica que o efeito da caixa de câmbio Seamless abrevia o tempo sem tração na roda traseira quando o piloto comanda uma mudança de marcha, avançando ou reduzindo, entretanto, existem muito mais variáveis envolvidas, uma delas é a redução drástica das diferenças de torque (delta torque) em mudanças de marcha que habilita a transferência de fornecimento de energia do motor de uma maneira muito mais suave. O principal efeito é que durante o processo a moto permanece mais estável.

O curso da suspensão traseira é regulado por várias cargas, incluindo as originadas pela roda e pelo mecanismo de transmissão, em uma mudança de marchas o conjunto todo sofre variações relacionadas com a quantidade de energia que é transferida do motor para a roda motriz. Em uma analogia com um câmbio tradicional, supondo a moto em terceira marcha e o acelerador a pleno, quando muda para a quarta há um momento em que a transferência de potência é quase zero, em seguida, assim que as engrenagens se reposicionam, uma enorme quantidade de potência é fornecida para o conjunto roda/suspenção. Com a moto na vertical em linha reta o efeito não é muito significativo, entretanto com a inclinação máxima em uma curva ou em uma rápida alteração de direção, a reação à mudança no conjunto afeta a estabilidade. Com a Seamless este efeito é desprezível. Óbvio que não é somente uma questão mecânica, existem estratégias eletrônicas capazes de suavizar as alterações da inércia da entrega de potência entre rotações altas e baixas, amenizando o torque excedente que é produzido por motores de alto desempenho como os dos equipamentos da MotoGP (dizem até 270 HP).

A caixa de câmbio Seamless, quando foi lançada pela Honda, sinalizou uma tendência que rapidamente transformou-se em obrigatoriedade e já é utilizada por todas as equipes de ponta. Na temporada de 2015 em três corridas a diferença entre o primeiro e o segundo colocado foi inferior a meio segundo (0,174 seg entre Rossi e Dovidioso no Qatar, 0,249 seg entre Márques e Lorenzo na Austrália e 0,263 seg entre Lorenzo e Márques em Valência), em se tratando de equipes com um nível de competitividade onde as diferenças de desempenho são medidas por décimos de segundo, o uso do Câmbio Seamless é obrigatório.

A indústria automobilística já utiliza sistemas sofisticados de câmbio há décadas, inclusive em modelos de produção em série. Por exemplo, a embreagem dupla da Audi é um sistema analógico Seamless, neste caso existem duas embreagens operando simultaneamente, e a escolha sobre qual transfere energia é feita desconectando uma delas. 

Por enquanto o custo deste componente é muito elevado porque se trata de pesquisa, desenvolvimento e construção artesanal de sistemas mecânicos de alta precisão. Quando a engenharia deste processo estiver consolidada e o sistema puder ser industrializado, o custo deve reduzir drasticamente. É provável que num futuro próximo o câmbio Seamless possa equipar motos convencionais, não para melhorar o desempenho, para investir no conforto da pilotagem eliminando o tremor determinado pela variação da carga de energia entre as engrenagens nas trocas de marchas.



Endereço do documento: http://issuu.com/hellforleather/docs/us20110023639a1


Publicado em 22de janeiro de 2016 no site www.autoracing.com.br


sábado, 16 de janeiro de 2016

MotoGP - 2016 Ainda mais excitante





Em 20 de março de 2016, no Qatar, começa a sexagésima oitava temporada da MotoGP. Embora a pontuação da temporada de 2015 tenha sido amplamente favorável a equipe Movistar Yamaha, (655 pontos, contra 448 da Repsol Honda e 350 da Ducati), o que se viu nas pistas foram corridas muito disputadas, longe daquela mesmice da atual Fórmula 1. Houve provas antológicas como o Grand Prêmio da Austrália em Phillip Island, onde quatro pilotos de três equipes diferentes batalharam a corrida inteira pela vitória, obtida por Marc Marquez ultrapassando Jorge Lorenzo a duas curvas do final, ou o Grande Prêmio da Holanda, com uma vitória de Valentino Rossi “dropando” a brita da última curva. Não faltaram emoções dentro e fora da pista, com recursos contra decisões de comissários, apelações à Corte Arbitral do Esporte e troca de acusações de favorecimento entre pilotos. O campeonato foi decidido na última prova e ficou com Jorge Lorenzo, o piloto mais consistente da temporada.
2015 já é história e o ano de 2016 promete.
Está programado o retorno depois de uma ausência de 19 anos do Grande Prêmio da Áustria, a ser disputado onde era o circuito de Osterreichring, que foi reduzido, reconstruído e renomeado em 1997 para A1-Ring e hoje é de propriedade da Red Bull, rebatizado como Red Bull Ring. O GP de Indianápolis, que era disputado desde 2008 foi suprimido do calendário por decisão conjunta da Dorna Sports e da administração do Indianapolis Motor Speedway, a dificuldade em conciliar desafios logísticos e financeiros tornaram o evento inviável.
As principais novidades da próxima temporada estão concentradas no regulamento técnico da competição. A Michelin assume como a fornecedora oficial de pneus após a retirada da Bridgestone da categoria. O tamanho das rodas aumenta de 16,5 para 17 polegadas. Houve alterações nas classes das equipes, as motos que disputam o campeonato são protótipos, basicamente máquinas feitas à mão, que custam uma fortuna. Não são equipamentos que podem ser vistos rodando nas ruas e não são comercializadas em revendas especializadas. As equipes de marca utilizam equipamentos no estado da arte da tecnologia, desenvolvidos, construídos e apoiados pelos próprios fabricantes. As equipes satélites normalmente utilizam motos de fábrica, alugando unidades com contratos de suporte mínimo ou comprando equipamentos utilizados no ano anterior. A classe Open surgiu a partir de um experimento para reduzir o custo de entrada de equipes e ter mais motos alinhadas no grid. A ideia, chamada Claiming Rule Team (CRT), foi permitir a utilização de motos de linha de produção com possibilidade de modificações além do que é permitido pelo regulamento nos equipamentos de fábrica.
Equipes não oficiais de fábrica, satélites ou CRT, foram mescladas em uma classe única, a Open. Todas as motos devem utilizar o pacote eletrônico unificado (Software e ECU) desenvolvido pela Magneti-Marelli, cada piloto tem disponível até seis motores para a temporada, com as especificações congeladas. A capacidade do tanque é limitada em 22 litros. Equipes que não obtiveram bom desempenho entre 2013 e 2015 podem utilizar até 12 motores com desenvolvimento liberado e os resultados obtidos serão determinantes para manter este benefício em 2017.
Nos testes realizados já com as novidades depois do encerramento da temporada de 2015 em Valência, Valentino Rossi e Marc Marqués emitiram opiniões muito semelhantes, a troca do fabricante dos pneus é tranquila, já a eletrônica padronizada pode ser um problema. Rossi comentou que era um salto para o passado (comparou com o desempenho do software de fábrica de 2008/2009), Marquez entende que com as novidades vai ser difícil chegar ao mesmo nível de 2015.
A MotoGP não é afeita a muitas modificações na relação de pilotos e não houve mudanças nas principais equipes. Tito Rabat, o campeão de 2014 da Moto 2 vai estrear com a equipe Marc VDS Racing. O colombiano Yonny Hernandez não renovou com a Pramac Racing e migrou para a Aspar Racing no lugar e Nicky Hayden, que optou pelo mundial de Superbike. Loris Baz vai para a Avintia Racing ocupar o posto de Mike Di Meglio, e Stefan Bradl pilota uma Aprilia até a promoção de Sam Lowes em 2017. Scott Redding cede o lugar da Marc VDS Racing para Jack Miller e vai pilotar para a Pramac Racing na próxima temporada.
Na relação de equipes também as mudanças não foram grandes, depois de manter duas motos em 2015 a LCR pretende disputar 2016 com um único equipamento. A Marc VDS vai expandir de uma para duas motos no grid e a Aspar Racing Team encerra sua parceria com a Honda e volta a utilizar motos Ducati, como já aconteceu em 2010 e 2011. Forward Racing e AB Motoracing decidiram se afastar do MotoGP.
Fora das pistas, a Ducati anunciou o retorno de Casey Stoner, o único campeão mundial de MotoGP pilotando um equipamento da fábrica, título obtido em 2007. Depois de cinco anos colaborando com a Honda Racing Corporation, sendo inclusive campeão pela equipe em 2011, Casey retorna à Ducati com as funções de embaixador e piloto de testes. Existe a possibilidade, não confirmada, de Stoner participar de algumas corridas na condição de ‘wild-card’.
O campeonato de MotoGP de 2016 tem tudo para ser tão ou mais excitante que o de 2015.