Quando na noite do próximo dia 20 de março, no circuito
internacional de Losail no Qatar, apagarem as luzes que autorizam a largada
para a primeira prova de MotoGP da temporada de 2016, estarão alinhadas no grid
as máquinas mais sofisticadas já construídas, verdadeiros prodígios de
tecnologia sobre duas rodas. Nos boxes de retaguarda estarão atentos o chefe de
equipe, os engenheiros de pista, os especialistas em suspensão, os responsáveis
pelos pneus, os técnicos em eletrônica e os mecânicos. Ao comando das motos
estarão os pilotos de MotoGP, alguns dos atletas mais bem preparados do mundo
em termos de condições físicas e mentais. Uma vez dada a largada, uma corrida
de MotoGP é um esporte solitário, a única comunicação possível entre a equipe
de apoio e o piloto são placas apresentadas na reta dos boxes, informação
concisa, disponível para os concorrentes e que deve ser lida e processada enquanto
a moto desenvolve velocidades superiores a 300 Km/h.
O objetivo de todos os pilotos é um só, encontrar a linha
mais rápida na pista e depois conseguir uma maneira de andar ainda mais
depressa, as frações de segundos perdidas ou ganhas nas retas e curvas
determinam a diferença entre vitória e derrota. Durante os aproximadamente 40
minutos de uma corrida qualquer hesitação significa perda de posições, qualquer
excesso implica em queda, os limites são muito estreitos.
A
aptidão física é essencial. A técnica de pilotagem desenvolvida por Marc Márquez
e adotada por praticamente todos os pilotos de ponta indica que a postura ideal
é manter nas curvas toda a parte superior do corpo afastada da moto, e a constante
atualização do posicionamento do corpo em relação ao equipamento exige muito
preparo. Nas curvas o piloto fica
submetido a forças de até 2G e é necessário um treinamento específico para
desenvolver os músculos envolvidos. Por oportuno, um corpo humano experimenta
uma sensação de conforto até 1G e embora não seja muito difícil resistir a
pressões 2G, valores muito superiores podem tornar quase impossível manter a
consciência. Em um acidente ocorrido durante os treinos em Mugello, 2013, Marc
Márquez perdeu o controle de sua Repsol Honda a 337,9 Km/h (registrados pela
telemetria) e durante a sua queda foi submetido a uma desaceleração calculada
em 24G, suficiente para causar inúmeros efeitos colaterais em pessoas comuns. O
piloto recuperou-se bem e no dia seguinte estava na prova (caiu quando ocupava
a segunda posição, faltando três voltas para o final).
Existem
poucas novidades na relação de pilotos inscritos para o campeonato mundial de
2016, a manutenção dos principais contendores é uma característica da MotoGP. O
atual campeão está na principal categoria do motociclismo desde 2008, seu
colega de equipe é o lendário Valentino Rossi, que estreou na 500cc em 2000,
está na MotoGP desde 2002 e é o recordista em número de vitórias desde então, 73. Dani Pedrosa frequenta o grid de largada
desde 2006 e Marc Márquez é o “new kid on the block”, foi promovido em 2013.
O
que torna estes atletas tão especiais é a extraordinária competitividade na
disputa pelo título mundial, não importando os sacrifícios necessários. Dani
Pedrosa em dez anos já sofreu pelo menos 9 fraturas e 3 traumas graves, sua
clavícula esquerda tem menos que 20% do tecido ósseo original e, embora a sua
compleição física não seja a ideal (1,58m de altura), é considerado um
dos maiores talentos das pistas. Jorge Lorenzo, o atual campeão, protagonizou
uma sequência heroica em 2013, em uma queda nos testes de classificação de
sexta-feira para a prova da Holanda fraturou a clavícula, voou para Barcelona e
foi operado na mesma noite. No domingo alinhou no grid de largada e encerrou a
prova como quinto colocado. Duas semanas mais tarde nos treinos para o grande
prêmio da Alemanha voltou a acidentar-se machucando a mesma clavícula, só então
parou para restabelecer-se por completo. Uma das razões que explica o
extraordinário desempenho de Valentino Rossi na MotoGP é o reduzido número de
acidentes, desde 2002 quando a categoria foi regulamentada até 2010 ele não
faltou a nenhum grande prêmio, até fraturar uma perna no circuito italiano de
Mugello.
Extrema
competitividade não implica em descaso com segurança, a roupa de couro de
canguru (resistência e maneabilidade) utilizada pelos pilotos contém proteção
extra nos ombros, cotovelos antebraços, joelhos e tornozelos, as luvas são
reforçadas nos nós dos dedos e ao redor das palmas das mãos. Todos
condutores são equipados com airbags (as saliências nas costas do macacão) cujo
processo de produção
é exclusivo, o corpo do piloto fornece o molde ergonomico que resulta em uma
proteção eficaz. O airbag é projetado para otimizar a proteção ao redor do
corpo do piloto, com seções que permitem
inflar volumes específicos sobre cada área, alto volume nos ombros e torso,
volume médio nos quadris e costas. Um micro-processador
monitora os movimentos a cada 2 milissegundos através de sensores localizados nos
braços e pernas. Se algum dos sensores detectar irregularidades na posição do piloto
ou forças externas atuando, infla o airbag. O tempo de disparo é de cerca de 8
milissegundos (tempo necessário para processar os dados durante a perda inicial
de controle do piloto) e o tempo total do processo até ser totalmente inflado é
menor que 45 milissegundos (0,045 seg). Uma vez inflado, o airbag oferece mais
de 5 segundos de proteção integral antes de começar a desinflar, garantindo uma
barreira de absorção de impacto prolongada, altamente eficaz para ambas as
clavículas, ombros, costas, torso e quadris. O macacão contém zonas de expansão
para acomodar o airbag em seu estado totalmente inflado.
Quando o diretor da corrida autorizar
a largada no grande premio do Qatar estará iniciando a mais imprevisível
temporada da MotoGP dos últimos anos. O regulamento introduziu modificações
substanciais buscando equiparar os recursos utilizados por todas equipes e
tornar a disputa mais equilibrada. As máquinas que estarão posicionadas no grid
incorporam o estado da arte em termos de recusos