terça-feira, 22 de junho de 2021

MotoGP - SachsenKING

 




Sachsenring é um circuito peculiar. Evoluiu de um traçado de estrada atrás das antiga Cortina de Ferro para uma arena moderna, onde hospeda uma das etapas do mundial de MotoGP. O desenho atual foi delineado pelo escritório de arquitetura do alemão Hermann Tilke, designer de circuitos de Fórmula 1 e de outros esportes a motor.

O GP da Alemanha disputado em Sachsenring é o primeiro evento anti-horário no campeonato deste ano, um circuito curto de apenas 3,6 km, com 10 curvas para a esquerda e apenas 3 para a direita. Marc Márquez fez uma estreia discreta neste autódromo na classe 125cc em 2009, conseguiu apenas a 16ª colocação. Já no ano seguinte venceu na categoria, repetiu o feito nos anos de 2011 e 2012 na Moto2 e desde que chegou na MotoGP venceu todos os GPs disputados na pista. São 8 vitórias consecutivas (2013 a 2021, o GP não foi disputado em 2020) na categoria principal e 11 em todas as classes, um recorde apenas superado por Giacomo Agostini que contabiliza 9 vitórias consecutivas no traçado de rua do Circuito de Imatra, no GP da Finlândia.


 
Giacomo Agostini - Nove vitórias consecutivas em no Circuito de Imatra (Finlândia)


A Honda esteve ausente do degrau mais alto do pódio desde o GP de conclusão da temporada 2019, vencido por Marc Márquez. Durante toda a temporada de 2020 e até o GP da Alemanha desde ano os únicos bons resultados para a equipe foram os 2ºs lugares de Alex Márquez em Le Mans e Aragon e o pódio de Takaaki Nakagami em Teruel. Para a Honda e Marc Márquez foram 583 dias de frustração. 

A importância de Marc Márquez trabalhando com os engenheiros da Honda é transcendental. O desempenho da RC213V tem melhorado a cada prova depois da sua recuperação (ainda parcial) das cirurgias do braço direito. Não houve nenhuma “bala de prata”, provavelmente é uma combinação de muitas coisas: configuração de suspensão, equilíbrio da bicicleta, centro de gravidade, flexibilidade do chassi, software de frenagem do motor e assim por diante. O piloto tem um talento especial para orientar os engenheiros sobre o que  acontece com a moto e, aparentemente, falam o mesmo idioma, Embora  tenha completado apenas 3 das 8 provas realizadas, a #93 é a Honda melhor colocada das 4 inscritas no mundial.

A mídia internacional reagiu favoravelmente ao retorno de Márquez às vitórias, que foi manchete em todas as publicações que cobrem os esportes motorizados. Compreensivelmente os jornais espanhóis (El Paiz, AS, Marca, La Razon & Mundo Esportivo) foram ao mais exaltados, porém houve destaque também na imprensa britânica, francesa e alemã. Na maioria dos periódicos a cobertura sobra a vitória de Márquez em Sachsenring (MotoGP) ganhou mais destaque que a de Max Verstappen em Paul Ricard (Fórmula 1)

 
Tripulação da Honda nas comemorações do pódio em Sachsenring


Inevitavelmente muitos identificaram semelhanças entre a atual recuperação de Marc Márquez com a de Mick Doohan nos anos 90. Ambos desenvolveram toda a sua carreira pilotando máquinas Honda e tiveram uma longa parada por traumatismos. Marc reconheceu que uma conversa telefônica com Doohan foi importante na sua preparação para a prova. 
 

Marc Márquez & Mick Doohan


A badalação sobre o retorno de Marc às vitórias eclipsou uma discussão promovida pelo espanhol sobre a segurança dos pilotos. Durante o GP da França o oito vezes campeão do mundo reiterou as considerações feitas em Jerez sobre a evolução técnica dos equipamentos e suas consequências em relação aos pilotos. O espanhol não considera que os chamados “holeshot”, um tipo de suspensão ativa também conhecido como “metamorfo”, seja uma evolução, porque permite maior velocidade e, como pode ser implementado em todos os equipamentos, não resulta em vantagem para um fabricante, não proporciona melhores espetáculos e cria riscos desnecessários.

A preocupação de Marc é idêntica à de seu colega de equipe, Pol Espargaro.  Houve muitos acidentes durante o fim de semana do GP da Alemanha, especialmente na primeira curva, onde diversos pilotos caíram. Para Pol, que se acidentou três vezes no final de semana, o holeshot é responsável por muitas situações imprevisíveis.

Inicialmente utilizado apenas na largada, baixando a moto para evitar um wheelie que é um sinônimo de perda de aderência, este dispositivo agora pode ser acionado em retas longas e é automaticamente desativado ao frear. A suspensão baixa depois da última curva antes da reta e tem que subir na primeira curva. O piloto da Honda explica que, a exemplo Márquez, o sistema está desativado em sua máquina: “Não sei o que acontece em outras motos, imagino que deve ser mecanicamente desativado (o livro de regras não permite controle por software) quando você colocar pressão na frente. A traseira sobe na mesma intensidade assim que o amortecedor dianteiro é comprimido. Os pilotos podem se surpreender com a mudança de posição da moto, especialmente porque as máquinas continuam a quebrar recordes de velocidade máxima.  Os 300 km/h foram alcançados pela primeira vez em Sachsenring neste fim de semana, aumentando os limites ainda mais ao entrar na fase de frenagem. Após retornar a Portimão, Marc Márquez ponderou sobre os avanços feitos nas máquinas, imaginando se seria vantajoso manter uma corrida de desenvolvimento absurda, que gera perigo para os pilotos. Seu companheiro de equipe vai na mesma direção.
 

Queda de Pol Espargaro na curva 1 em Sachsenring


A única certeza, segundo Espargaró, é que a moto fica mais instável. Mais downforce e mais potência em linha reta implica em maior velocidade no final e em uma frenagem forte estressando o pneu dianteiro, ainda mais com a moto inclinada para contornar uma curva. Um caldo de cultura ideal para acidentes e erros. 

Jack Miller discorda dos pilotos da Honda. O australiano acredita que a fabricante nipônica é a única a ter um problema com o holeshot durante a frenagem, e identifica a alegação de risco de segurança como uma manobra para proibir este dispositivo lançado pela Ducati há três anos. O australiano considera o sistema contribui para maior estabilidade quando enfrenta uma curva.

"Pol, Nakagami e Álex Márquez se acidentaram, então é claro que o holeshot da Honda não é bom”, desabafou. “O da Ducati] parece funcionar muito bem, nunca tive um acidente causado por ele” explica Miller.

Miguel Oliveira, que acumula 3 pódios nas últimas 3 provas, entende que as quedas na curva 1 de Sachsenring podem ter explicações relacionadas com os pneus. A Michelin trouxe pneus assimétricos para a frente e para trás, algo necessário em um circuito atípico com dez curvas à esquerda, mas apenas três à direita, o que implica cargas diferentes em cada lado do pneu.

O piloto da KTM acredita que existe uma diferença de grip entre a parte macia e a hard, a transição entre as duas impede que os pilotos antecipem totalmente o nível de aderência na curva. "Sabemos que o pneu dianteiro tem dois compostos, é mais macio no lado direito", ensina o piloto português. “Os sentimentos nunca são bons e eu sinto que muitos pilotos tiveram dificuldade em parar a moto por causa disso. O acionamento do freio está no topo de uma subida, então no início, se colocar muita pressão nos freios, não será capaz de frear bem. Não posso falar pelos outros, mas sempre economizei alguns metros para não cair. Funciona comigo.”

Oliveira acredita que uma das questões mais importantes se concentra na zona de transição entre os dois compostos do pneu, o que pode surpreender os pilotos: "Acho que essa é uma das razões pelas quais você não pode girar tão rápido quanto quiser e manter a pressão nos freios dianteiros até o limite, o resultado é um pouco de instabilidade. O pneu é muito macio, o que pode facilmente causar um imprevisto.”


Miguel Oliveira e a KTM #88

Pneus assimétricos, desenvolvimentos aerodinâmicos não ortodoxos (por exemplo, a “colher”) e dispositivos holeshot desvirtuam o objetivo principal da MotoGP, desenvolver tecnologia que possa ser aplicada em veículos comerciais e portada para linhas de produção. 

terça-feira, 15 de junho de 2021

GP da Alemanha em Sachsenring, um recomeço para a Honda

 




Marc Márquez tem um excelente histórico nesta pista. Ele simplesmente venceu todas as competições que disputou aqui desde 2010, incluindo uma de 125cc (2010), duas de Moto2 (2011 & 2012) e 7 consecutivas de MotoGP (2013 a 2019). Este ano todos sabem das condições peculiares que o piloto atravessa, entretanto o layout da pista o favorece. Desde sempre Márquez reconheceu que tem uma predileção especial para curvas à esquerda, o traçado de Sachsenring é contrário aos ponteiros de um relógio e contempla 10 curvas para a esquerda e 3 para a direita, parece ter sido feita para agradar ao oito vezes campeão do mundo.


Marc Márquez, dez vitórias consecutivas em Sachsenrig


Embora tudo aparentemente favoreça Márquez, a situação física do espanhol como pode ser visto na Catalunha ainda deixa a desejar. Depois de um teste realizado no próprio circuito catalão na segunda-feira passada, o nº 93 continua a apresentar problemas com seu braço direito, embora tenha sido o piloto que pais rodou durante a seção. Uma semana de descanso pode melhorar o quadro e servir para recuperar a força. Durante os testes os trabalhos foram intensos, a equipe Honda acredita chegar preparada para Sachsenring e voltar a obter bons resultados. Márquez sempre gostou desta pista, e reconhece que este ano a situação é diferente do habitual, até pela crise técnica que se abateu sobre a equipe. Ele espera ser mais competitivo do ponto de vista físico e está confiante nos resultados que pode alcançar no fim de semana.



Pol Espargaró no comando da RC213V


Quem também teu um otimismo contido é seu colega de equipe Pol Espargaró. Embora tenha tido mais uma queda em Barcelona, Pol está satisfeito com os testes realizados depois da prova. Como era previsível, o profundo conhecimento que Marc tem da RC213V tem auxiliado os técnicos e engenheiros a tentar reduzir o gap que separa o desempenho das motos da Honda dos outros fabricantes. Nas palavras de Pol, “Chegamos à Alemanha depois de um bom dia de testes na Espanha - explicou -. As corridas que foram feitas até agora foram complicadas, por isso é importante manter o foco e fazer tudo o que puder neste fim de semana. A Honda foi forte aqui no passado e, com o que encontramos nos testes e modificações efetuadas, espero que possamos fazer algum progresso. Na MotoGP cada detalhe é importante, então mesmo uma pequena melhora vai ajudar muito. Ainda estão programas duas provas antes das férias de verão, queremos sair em férias com resultados positivos.” 

segunda-feira, 14 de junho de 2021

MotoGP - E(in)volução



Marc Márquez está concentrado em melhorar sua condição física e manifestou em diversas ocasiões sua preocupação com a segurança física dos pilotos.

Durante o GP da França o oito vezes campeão do mundo reiterou as considerações feitas em Jerez sobre a evolução técnica dos equipamentos, que por vezes não é acompanhada de evolução dos circuitos. A corrida de Mugello, por exemplo, foi caracterizada por uma indefinição na reta final sobre quem teria sido o 2º colocada, quem cruzou a linha de chegada foi Miguel Oliveira, que foi penalizado por não respeitar os limites da pista. Joan Mir que seria favorecido incorreu na mesma infração e retornou à sua 3ª colocação original. A faixa de circulação na pista é limitada por questões de segurança, porém exige uma atenção redobrada dos pilotos e fiscais e não tem uma solução simples. O piloto tende a usar toda a pista disponível, Uma área de escape que é adequada para a MotoGP, por exemplo,  pode não ser a mais segura para outros tipos de competições como a Fórmula 1.


Primeira versão do holeshot apresentada pela Ducati em 2019



Na Espanha (Jerez) Márquez considerou exagerada a evolução técnica, principalmente pelo uso indiscriminado de dispositivos de largada, os chamados “holeshots”. e sugeriu uma reunião de pilotos. Sua argumentação é que os dispositivos de largada mascaram as vantagens obtidas na classificatória de formação do grid de largada No jargão do motociclismo esportivo “holeshot” é um termo utilizado para identificar o competidor que lidera na primeira curva depois da largada. Por extensão, “dispositivo holeshot” é um equipamento utilizado para adequar a suspensão na largada e provavelmente em retas longas para proporcionar uma vantagem que permita ao protótipo chegar mais rápido no contorno. Em um esporte onde seis fabricantes distintos produzem protótipos de competição conduzidos pelos melhores pilotos do mundo e percorrem voltas separados por milésimos de segundos, contornar a uma curva na liderança pode significar vantagem no resultado final de uma corrida. Não raro pilotos da 3ª ou até 4ª fila se apresentam para a disputa da 1ª curva na largada. Sem dúvida é um fator de risco. Um número grande de equipamentos com pneus e freios ainda sem a temperatura ideal disputam a liderança impulsionados por um desempenho artificial. 

Pneus assimétricos também complicam. O novo composto dianteiro da Michelin apresenta diferenças de grip entre o lado macio e o duro, que implica em atenção especial do piloto quando entra em um “S”.

Quando o circo se reuniu em Le Mans, Marc percebeu que estava sozinho na cruzada contra a extrema escalada de desempenho. Houve divergências de opinião e poucos pilotos se alinharam com o espanhol. A maioria expressou simpatia por “Quanto mais potência e recursos para obter melhor resultado, melhor”. Há também os que acreditam que uma engenharia superior pode equalizar técnicas de condução diferentes e houve até os entenderam que o espanhol estava tentando mascarar a atual inferioridade da Honda.  Os pilotos, no entanto, são apenas uma das três partes envolvidas: as outras são os engenheiros, depois os fabricantes, e o Dorna, gestora da série chamada MotoGP.

O que os pilotos pensam já está endereçado múltiplas entrevistas e com toda a probabilidade a opinião dos engenheiros é contrária à de Márquez. A administração da MotoGP limita-se a cumprir as regras. Existem regulamentos técnicos aceitos por todos os fabricantes no início do mundial e que só podem ser alterados se houver unanimidade. Se os pilotos têm algo a opinar, as sugestões devem ser encaminhadas pelos fabricantes, que também são responsáveis por questões de segurança junto com a Motorcycle Sports Manufacturers Association (MSMA).

A pergunta, no entanto, surge espontaneamente: a alegação de Marquez não está ligada a um fator de segurança? O oito vezes campeão mundial e aqueles que apoiam sua tese não estão avisando que algumas soluções técnicas tornaram as motos mais exigentes a ponto de causar, por exemplo, problemas generalizados de síndrome compartimental (Arm Pump).

A posição da Dorna é clara, as regras em vigor permanecem até que haja um consenso entre fabricantes. Há um acordo em vigor sobre regulamentos técnicos, que tem um prazo de vigência, e as regras só podem mudar antes desse prazo se todos concordarem. Aconteceu, por exemplo, com winglets (asas) e outras situações: o acordo foi alcançado por unanimidade e a regra alterada.

Lendo entre as linhas, fica claro que a gestora da MotoGP não quer que os pilotos assumam o controle do campeonato. Claro, eles são uma parte fundamental, já que são os protagonistas do espetáculo, e como tal são tratados, mas não podem invadir as competências dos outros, pelo menos em nível público. Neste detalhe a sugestão de Márquez causou um desconforto na  Dorna.

Independentemente da forma em que a ideia foi expressa, é verdade que o aumento do desempenho da MotoGP tem consequências óbvias, as motocicletas exigem mais dos pilotos e, de acordo com alguns deles, também são menos seguros. Não há como negar.


Sequência da queda de Quartararo na 1ª curva de Silverstone em 2019 (foi atropelado pela moto de Dovizioso)

Entre as possíveis soluções, a adequação do traçado dos circuitos eliminando gargalos nas primeiras curvas é a solução mais extrema e menos viável no curto prazo. Pistas com baixos padrões de segurança poderiam ser removidas do calendário, como já aconteceu como Ilha de Man, Interlagos e Spa-Francorchamps, mas em alguns casos existem contratos com validade de muitos anos já assinados para sediar GPs no futuro e esta também é uma opção impraticável.

Estabelecer um limite técnico é uma possibilidade?

Limitar a evolução técnica é um processo complicado. Seria uma maneira de excluir fabricantes, especialmente os com orçamentos mais baixos, cuja única chance de competir com os gigantes japoneses está relacionada a criatividade na exploração de detalhes técnicos.

Limitar velocidades máximas não tem uma lógica defensável em um ambiente competitivo. O perigo não está nas retas, mas está relacionado com as velocidades na curva. Talvez a solução mais simples possa ser limitar a quantidade de gasolina disponível – 22 litros para a corrida – ou aumentar a distância da prova. Seriam soluções sem esforço que nos permitiriam não desistir das tecnologias desenvolvidas, e forçariam os engenheiros a limitar o desempenho do motor para chegar à linha de chegada.

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quinta-feira, 10 de junho de 2021

Riscos para os pilotos

 



O filme de ação Top Gun (Ases indomáveis no Brasil), de 1986 conta a história de Pete “Maverick”Mitchel, na academia de formação de pilotos de elite na base de Miramar, da marinha dos Estados Unidos. Em um voo de treinamento de combate, Maverick é atingido pela turbulência de outo caça e perde o controle de seu F-14 Tomcat. No sinistro seu co-piloto e amigo pessoal Nick "Goose" Bradshaw perde a vida. Após um julgamento sumário em que fica comprovado que não houve imprudência ou imperícia do piloto, Maverick é reintegrado ao treinamento e, por recomendação expressa de Mike "Viper" Metcalf, o principal instrutor da academia, deve voltar a voar imediatamente. Não pode haver tempo para desenvolver o medo.
 
 
F-14 Tomcat, caça supersônico de dois tripulantes e geometria variável

 
Exatamente a mesma decisão da Dorna, gestora da MotoGP, após o acidente que vitimou Jason Dupasquier. Contrariando a vontade de alguns pilotos, não houve cancelamento de nenhuma atividade programada. 
 
A possibilidade de acidentes é inerente às competições e está no DNA da MotoGP. Existe toda uma indústria girando em torno da segurança de pilotos e espectadores, porém existem limitações conceituais, os pilotos tripulam equipamentos potentes precariamente apoiados em áreas da ordem de não mais de 44cm2 por roda em velocidades que alcançam mais e 350 km/h e muito próximos uns dos outros. Este é o cerne do motociclismo esportivo de alto rendimento, no fim de semana do GP de Le Mans foram contabilizados 117 acidentes/quedas nas 3 categorias (Moto3, Moto2 & MotoGP).
 
Jack Miller, questionado se a programação de Mugello devia ser cancelada depois do acidente de Dupasquier opinou contra. A razão explicada foi simples, “é a única coisa que sou bom em fazer” explicou o australiano. O risco de dançar a beira de um precipício é a sua razão de viver.
 
 
Sensação semelhante a torcer o rabo de um tigre

 
Casey Stoner reconhece que as corridas de motocicletas não são um esporte completamente seguro, entretanto é o risco que motiva os pilotos, o desafio de vencer o medo, a adrenalina ao se aproximar de uma curva. Steve McQueen, ator de Hollywood e excelente motociclista. explica que a sensação é semelhante a de torcer o rabo de um tigre. Não é completamente seguro, porem a satisfação de o fazer é inigualável.
 
Desde o acidente que vitimou Daijoro Kato em 2003 a MotoGP em todas as classes contabilizou 5 acidentes fatais, em média 1 a cada 3,6 temporadas. Houve um hiato grande entre os óbitos de Daijiro Kato e Shoya Tomizawa em 2010, 16 anos, desde então mais 3 pilotos perderam a vida
 
Existem 2 tipos de acidentes na MotoGP, quedas e atropelamentos. As quedas em que o piloto desliza para fora da pista e são geralmente inconsequentes, atropelamentos não.Tomizawa, Simoncelli e Dupasquier perderam suas vidas em circunstâncias semelhantes – depois de quedas normais, semelhante a centenas de outras, foram atropelados por pilotos que corriam atrás. O traçado da pista pode ter sido o responsável pelos óbitos de Luis Salon e Daijiro Kato. O circuito de Suzuka foi abandonado pela MotoGP e em Barcelona houve modificações para reduzir a velocidade. Traçados icônicos como a Ilha de Man. Spa-Francorchamps e Interlagos foram excluídos da competição. Os esforços dos organizadores em equalizar os equipamentos, aumentando a competitividade, fazem que os pilotos fiquem muito juntos. O maquinário é tão semelhante que todos circulam agrupados, a literalmente centímetros um do outro. Quando as equipes tinham ampla liberdade de desenvolvimento e grande disponibilidade de orçamento a MotoGP estava se tornando que uma procissão tediosa, então os regulamentos técnicos foram reescritos para criar corridas mais emocionantes, com maior disputa entre os concorrentes. 
 
A Moto3 atualmente é a que melhor representa esta tendência, um número expressivo de pilotos embolados, incapazes de se afastarem um do outro porque todas as motos têm o mesmo desempenho. Para a audiência é um espetáculo garantido, uma dúzia ou mais pilotos de Moto3 trocando de posição em cada curva, às vezes com milímetros de distância, outras vezes travando joelhos e cotovelos. Óbvio que é um caldo de cultura apropriado para acidentes, é apenas uma questão de tempo até que alguém caia no meio de um grupo e os pilotos imediatamente atrás sejam incapazes de tomar medidas evasivas.
 
O problema é claro, pouco pode ser feito para proteger os pilotos nestas circunstâncias. Os condutores não podem ser envoltos em armaduras porque precisam se mover em relação à motocicleta. Os capacetes mais recentes, além de macações com airbags e seções blindadas oferecem aos pilotos maior proteção.
 

Valentino Rossi com o airbag ainda inflado

 
A Dorna, empresa que administra a MotoGP desde 1991 desempenha um papel importante nas melhorias de segurança. Nos dias atuais os pilotos tem poder de veto sobre a escolha de circuitos, se decidirem que uma pista é muito perigosa, não haverá corrida. A entidade também reage rapidamente, em Jerez em 1993 Nobuyuki Wakai faleceu quando um visitante sem credencial invadiu o pit lane, os protocolos de fiscalização foram aumentados e até dificultam o trabalho da imprensa. Kato morreu em Suzuka por características do circuito, que foi imediatamente removido do campeonato.
 

Pilotos que perderam a vida nas pistas nas últimas décadas

 
 
Daijiro Kato (2003)
 
Japonês, fez aparições esporádicas na 250cc desde 1996 e completou a primeira temporada completa no Mundial em 2000, com uma Honda da equipe do ex-campeão mundial Fausto Gresini. Em 2001 foi campeão na categoria 250cc. Em 2002 subiu para a MotoGP tendo como colega de equipe o tupiniquim Alexandre Barros. Participou de 53 GPs conquistando 17 vitórias. Em 2003 no GP do Japão, abertura da temporada, fez o 11º tempo no grid e, como os outros pilotos, largou com o tempo obtido na sexta-feira em virtude da chuva de sábado. Antes de completar a terceira volta, sofreu o acidente que resultou em seu óbito com graves ferimentos na cabeça, no tórax e coluna vertebral. Daijiro Kato faleceu com 26 anos de idade.
 
 
Shoya Tomizawa (2010)
 
Nipônico, teve uma curta vida na MotoGP, com provas da 125cc em 2006 e 2007 e da 250cc em 2008. Participou da temporada completa da 250cc em 2009 e estava na Moto2. Esteve em 28 largadas de GPs e obteve uma única vitória.  Sofreu um grave acidente durante a disputa do Grande Prêmio de San Marino de 2010, Na 12 volta escorregou sobre a zebra e caiu. Foi atropelado pelas motos dos pilotos Alex de Angelis e Scott Redding. Shoya teve uma parada cardíaca durante o atendimento e teve de ser reanimado ainda na pista. Não resistiu, porém, aos ferimentos e faleceu com apenas 19 anos.
 
 
Colin Edwards e Valentino Rossi atropelam Marco Simoncelli em Sepang 2011

 
Marco Simoncelli (2011)

O italiano Marco Simoncelli foi campeão mundial da 250cc. Disputou a 125cc entre 2002 e 2005 obtendo 3 vitórias. Nos anos de 2006 a 2009 disputou a 250cc e acumulou 12 vitória, foi promovido para a MotoGP em 2010. Participou ao todo de 150 GPs. Era conhecido por apelidos como "Super Sic", na Europa, e devido a semelhança com um personagem de cartoon de "Urso do cabelo duro".
 
Em 23 de Outubro de 2011 durante o Grande Prêmio da Malásia de MotoGP, no Circuito Internacional de Sepang, na segunda volta, sua a moto de Simoncelli perdeu tração na curva 11 e começou a deslizar para o cascalho, os pneus recuperaram o grip e sua moto voltou para a pista, no caminho de Colin Edwards e Valentino Rossi. Simoncelli foi atingido na parte inferior do corpo por Edwards e na cabeça por Rossi, a pancada foi tão violenta que rompeu a alça e tirou seu capacete, a corrida foi imediatamente paralisada. O piloto foi submetido a procedimentos de ressuscitação por 45 minutos, às 16:56 hora local, menos de uma hora após o acidente, aos 24 anos o piloto italiano foi declarado morto. 
 
 
Luis Salom

Espanhol de Palma de Maiorca, participou do mundial de 125cc de 2009 a 2011 e em 2012 e 2013 venceu 9 GPs da Moto3. Foi promovido para a Moto2 em 2014 e conseguiu a 8ª colocação no campeonato. Durante o segundo treino livre para o GP da Espanha, disputado no circuito da Catalunha em Barcelona, Salom caiu na curva Europcar, uma das mais rápidas do traçado, a moto foi direto em direção à barreira de pneus, e após atingi-la, caiu sobre o piloto. Salom foi levado ao Hospital Geral da Catalunha, mas não resistiu e morreu, aos 24 anos de idade. Em função do acidente de Salom o traçado da pista foi alterado já para o GP do dia seguinte, utilizando uma chicana para reduzir a velocidade na entrada da curva onde aconteceu o sinistro.

 
Jason Dupasquier
 
O suíço Jason Dupasquier entrou no mundial de Moto3 em 2020 e em sua carreira competiu em apenas 20 GPs, sem conseguir nenhum pódio. No final do treino classificatório para o GP da Itália, em Mugello, o suíço perdeu o controle de sua moto na saída da curva Arrabbiata 2 e foi atropelado pelo japonês Ayumu Sasaki. Após procedimentos de estabilização na pista, foi encaminhado para o Hospital Carregi, onde não resistiu aos ferimentos e faleceu aos 19 anos de idade. Foi a primeira fatalidade da divisão menor da categoria desde 1993, quando o japonês Nobuyuki Wakai atropelou um espectador na saída dos boxes em Jerez de la Frontera.


 Jason Dupasquier é atendido na pista de Mugello (2021)

Um brasileiro que nunca desiste

 











Neste último domingo houve um raro lampejo de felicidade para os tupiniquins que tem octanas nas veias, Hélio Castroneves venceu a 105ª edição das 500 milhas de Indianápolis. Castroneves e Eric Granado são responsáveis por resgatar o orgulho dos brasileiros, quando fazem a bandeira nacional tremular no mastro mais alto dos circuitos da Fórmula Indy e Mundial de MotoE.

Se o mundial de motos elétricas ainda está nos estágios iniciais, a Fórmula Indy está consolidada e as 500 Milhas de Indianópolis são consideradas uma das provas mais importantes do mundo.

O currículo de Hélio contempla 4 vitórias na Indy 500, em 2001, 2002, 2009 e novamente em 2021, sendo com o escocês Dario Franchitti, o estrangeiro mais bem sucedido nesta prova. Faz parte de um clube exclusivo de 9 pilotos que venceram pelo menos 3 a Indy 500, o único ainda em atividade  Castroneves fez 4 poles na prova, incluindo 2 em anos seguidos em 2009 e 2010, também é (junto com Wilbur Shaw, Mauri Rose, Bill Vukovich, e Al Unser) um dos 5 a vencer as 500 milhas de Indianápolis em corridas consecutivas e o 4º piloto, o único não norte americano  a vencer 4 vezes a midiática prova.

Ele possui 29 vitórias em monopostos CART e IndyCar Series, 86 pódios e 46 pole-position.   Na IndyCar em 2008, 2013 e 2014 conquistou o vice campeonato, 3º em 2003 e 2006 e 4º lugar em 2004, 2009, 2010 e 2012, repetiu o mesmo resultado no campeonato da CART em 2001. Fora das pistas foi vencedor da 5ª temporada da versão americana de Dancing with the Stars com sua parceira Julianne Hough.

 
Hélio Castroneves & Julianne Hough


As 500 Milhas de Indianápolis foram disputadas pela primeira vez em 1911. O circuito oval de 2,5 milhas sempre conservou o mesmo formato, um retângulo com os cantos arredondados. O piso de tijolos recebeu uma camada de asfalto em 1960, conservando no ponto de largada uma faixa de 1 metro com material original, que é sua marca registrada. 

A pista em seu formato clássico esteve no calendário da F1 entre 1950 e 1960. Embora seja uma prova oficial do calendário de Formula Indy, as 500 milhas são disputadas por pilotos de diversas nacionalidades e contabiliza em seus mais de cem anos de disputas vitórias de quatro brasileiros, Hélio Castroneves em 4 oportunidades (incluindo a deste ano), Emerson Fittipaldi 2 vezes e Tony Kanaan e Gil de Ferran, 1 vez cada. 

 
Nelson Piquet-Acidente em Indianópolis - 1992


É um evento diferenciado, para algumas equipes a única prova do ano, alguns pilotos são contratados especialmente para este evento, como foi caso de Nelson Piquet em1992. Aposentado da Fórmula 1 como o 2º piloto mais experiente das pistas na época, o tupiniquim aceitou um convite para disputar as 500 milhas pela equipe Menard. Um grave acidente nos treinos, possivelmente causados por detritos na pista, resultaram em um dano considerável em seus membros inferiores. Na edição de 2021 foram inscritos 9 pilotos exclusivamente para esta prova, dentre os quais a suíça Simona de Silvestro que voltou para a IndyCar após 8 anos de ausência.]


Simona de Silvestro (foto não atualizada)


A Indy privilegia um grid equilibrado, onde todas as equipes utilizam o mesmo chassi Dallara e podem optar por propulsores Honda ou Chevrolet, V6 de 2,2 litros, com turbocompressor duplo. A prova das 500 milhas é disputada em 200 voltas no circuito, exige uma concentração brutal do piloto para andar pouco mais de 2 horas e meia a velocidades de até 370 km/h.

Hélio Castroneves, 46 anos (e tem gente falando que Valentino Rossi de 42 anos é velho) fez uma aposta de alto risco ao trocar o conforto de uma equipe tradicional e vencedora como a Penske, pela qual pilotou durante 20 anos e venceu 3 vezes as 500 milhas, pela desconhecida Meyer Shank. Hélio aceitou o desafio de colaborar com o crescimento gradual da equipe em algumas temporadas, entretanto queimou etapas e fez história ao vencer a maior corrida do mundo pela quarta vez.

Ousadia e autoconfiança foi o que motivou o veterano piloto a optar por uma equipe nova e sem tradição quando se viu sem espaço na Penske (a fila anda). Não foi uma decisão fácil, depois de muitas conversas e de uma aproximação com a McLaren, Hélio assinou com a Meyer Shank para o pilotar o segundo carro de uma equipe que ainda não havia completado uma única temporada.  O acordo foi assinado contemplando 6 provas, e estreou justamente na Indy 500.  

 
Castroneves cruza a linha de chegada vencendo a edição 105 da Indy 500


A experiência do piloto foi fundamental para conseguir a vitória. Hélio realizou uma pré-temporada curta com poucos testes, não houve problema de adaptação porque todos os carros da Indy 500 são muito semelhantes. Houve um número limitado de testes, poucos dias para estabelecer um clima de confiança com a nova equipe e criar um entrosamento capaz de ser minimamente competitivo na prova.

Os resultados foram imediatos, já nas tomadas de tempo classificou-se para o Fast Nine, um tipo de Q3 da MotoGP ou Q2 da Fórmula 1, um feito considerável para uma equipe pequena. O piloto garantiu uma posição de largada nas 3 primeiras filas.

Embora os patrocinadores e dirigentes da equipe já estivessem satisfeitos, Hélio não se contentava como top-10, batalhou pela vitória desde as primeiras voltas.

 
Largada da edição 105 das 500 Milhas de Indianápolis

Um bom ritmo, combinado com pit-stops seguros e uma pilotagem perfeita, dosando agressividade com estratégia, o conduziu às 1ªs posições nas voltas finais, quando sua enorme experiência o levou a assumir a liderança nas últimas voltas.

Castroneves estabeleceu um novo parâmetro, já uma lenda por pilotar por duas décadas para uma das equipes mais vitoriosas, hoje está no mesmo nível de heróis do esporte a motor nos Estados Unidos como AJ Foyt, Al Unser Sr. e Rick Mears, com a vantagem que Hélio, apesar da idade, ainda está na ativa e com certeza vai em busca do 5º título em 2022. 


 Hélio Castroneves e sua tradicional comemoração, que lhe rendeu o apelido de Homem-Aranha