quinta-feira, 10 de junho de 2021

Riscos para os pilotos

 



O filme de ação Top Gun (Ases indomáveis no Brasil), de 1986 conta a história de Pete “Maverick”Mitchel, na academia de formação de pilotos de elite na base de Miramar, da marinha dos Estados Unidos. Em um voo de treinamento de combate, Maverick é atingido pela turbulência de outo caça e perde o controle de seu F-14 Tomcat. No sinistro seu co-piloto e amigo pessoal Nick "Goose" Bradshaw perde a vida. Após um julgamento sumário em que fica comprovado que não houve imprudência ou imperícia do piloto, Maverick é reintegrado ao treinamento e, por recomendação expressa de Mike "Viper" Metcalf, o principal instrutor da academia, deve voltar a voar imediatamente. Não pode haver tempo para desenvolver o medo.
 
 
F-14 Tomcat, caça supersônico de dois tripulantes e geometria variável

 
Exatamente a mesma decisão da Dorna, gestora da MotoGP, após o acidente que vitimou Jason Dupasquier. Contrariando a vontade de alguns pilotos, não houve cancelamento de nenhuma atividade programada. 
 
A possibilidade de acidentes é inerente às competições e está no DNA da MotoGP. Existe toda uma indústria girando em torno da segurança de pilotos e espectadores, porém existem limitações conceituais, os pilotos tripulam equipamentos potentes precariamente apoiados em áreas da ordem de não mais de 44cm2 por roda em velocidades que alcançam mais e 350 km/h e muito próximos uns dos outros. Este é o cerne do motociclismo esportivo de alto rendimento, no fim de semana do GP de Le Mans foram contabilizados 117 acidentes/quedas nas 3 categorias (Moto3, Moto2 & MotoGP).
 
Jack Miller, questionado se a programação de Mugello devia ser cancelada depois do acidente de Dupasquier opinou contra. A razão explicada foi simples, “é a única coisa que sou bom em fazer” explicou o australiano. O risco de dançar a beira de um precipício é a sua razão de viver.
 
 
Sensação semelhante a torcer o rabo de um tigre

 
Casey Stoner reconhece que as corridas de motocicletas não são um esporte completamente seguro, entretanto é o risco que motiva os pilotos, o desafio de vencer o medo, a adrenalina ao se aproximar de uma curva. Steve McQueen, ator de Hollywood e excelente motociclista. explica que a sensação é semelhante a de torcer o rabo de um tigre. Não é completamente seguro, porem a satisfação de o fazer é inigualável.
 
Desde o acidente que vitimou Daijoro Kato em 2003 a MotoGP em todas as classes contabilizou 5 acidentes fatais, em média 1 a cada 3,6 temporadas. Houve um hiato grande entre os óbitos de Daijiro Kato e Shoya Tomizawa em 2010, 16 anos, desde então mais 3 pilotos perderam a vida
 
Existem 2 tipos de acidentes na MotoGP, quedas e atropelamentos. As quedas em que o piloto desliza para fora da pista e são geralmente inconsequentes, atropelamentos não.Tomizawa, Simoncelli e Dupasquier perderam suas vidas em circunstâncias semelhantes – depois de quedas normais, semelhante a centenas de outras, foram atropelados por pilotos que corriam atrás. O traçado da pista pode ter sido o responsável pelos óbitos de Luis Salon e Daijiro Kato. O circuito de Suzuka foi abandonado pela MotoGP e em Barcelona houve modificações para reduzir a velocidade. Traçados icônicos como a Ilha de Man. Spa-Francorchamps e Interlagos foram excluídos da competição. Os esforços dos organizadores em equalizar os equipamentos, aumentando a competitividade, fazem que os pilotos fiquem muito juntos. O maquinário é tão semelhante que todos circulam agrupados, a literalmente centímetros um do outro. Quando as equipes tinham ampla liberdade de desenvolvimento e grande disponibilidade de orçamento a MotoGP estava se tornando que uma procissão tediosa, então os regulamentos técnicos foram reescritos para criar corridas mais emocionantes, com maior disputa entre os concorrentes. 
 
A Moto3 atualmente é a que melhor representa esta tendência, um número expressivo de pilotos embolados, incapazes de se afastarem um do outro porque todas as motos têm o mesmo desempenho. Para a audiência é um espetáculo garantido, uma dúzia ou mais pilotos de Moto3 trocando de posição em cada curva, às vezes com milímetros de distância, outras vezes travando joelhos e cotovelos. Óbvio que é um caldo de cultura apropriado para acidentes, é apenas uma questão de tempo até que alguém caia no meio de um grupo e os pilotos imediatamente atrás sejam incapazes de tomar medidas evasivas.
 
O problema é claro, pouco pode ser feito para proteger os pilotos nestas circunstâncias. Os condutores não podem ser envoltos em armaduras porque precisam se mover em relação à motocicleta. Os capacetes mais recentes, além de macações com airbags e seções blindadas oferecem aos pilotos maior proteção.
 

Valentino Rossi com o airbag ainda inflado

 
A Dorna, empresa que administra a MotoGP desde 1991 desempenha um papel importante nas melhorias de segurança. Nos dias atuais os pilotos tem poder de veto sobre a escolha de circuitos, se decidirem que uma pista é muito perigosa, não haverá corrida. A entidade também reage rapidamente, em Jerez em 1993 Nobuyuki Wakai faleceu quando um visitante sem credencial invadiu o pit lane, os protocolos de fiscalização foram aumentados e até dificultam o trabalho da imprensa. Kato morreu em Suzuka por características do circuito, que foi imediatamente removido do campeonato.
 

Pilotos que perderam a vida nas pistas nas últimas décadas

 
 
Daijiro Kato (2003)
 
Japonês, fez aparições esporádicas na 250cc desde 1996 e completou a primeira temporada completa no Mundial em 2000, com uma Honda da equipe do ex-campeão mundial Fausto Gresini. Em 2001 foi campeão na categoria 250cc. Em 2002 subiu para a MotoGP tendo como colega de equipe o tupiniquim Alexandre Barros. Participou de 53 GPs conquistando 17 vitórias. Em 2003 no GP do Japão, abertura da temporada, fez o 11º tempo no grid e, como os outros pilotos, largou com o tempo obtido na sexta-feira em virtude da chuva de sábado. Antes de completar a terceira volta, sofreu o acidente que resultou em seu óbito com graves ferimentos na cabeça, no tórax e coluna vertebral. Daijiro Kato faleceu com 26 anos de idade.
 
 
Shoya Tomizawa (2010)
 
Nipônico, teve uma curta vida na MotoGP, com provas da 125cc em 2006 e 2007 e da 250cc em 2008. Participou da temporada completa da 250cc em 2009 e estava na Moto2. Esteve em 28 largadas de GPs e obteve uma única vitória.  Sofreu um grave acidente durante a disputa do Grande Prêmio de San Marino de 2010, Na 12 volta escorregou sobre a zebra e caiu. Foi atropelado pelas motos dos pilotos Alex de Angelis e Scott Redding. Shoya teve uma parada cardíaca durante o atendimento e teve de ser reanimado ainda na pista. Não resistiu, porém, aos ferimentos e faleceu com apenas 19 anos.
 
 
Colin Edwards e Valentino Rossi atropelam Marco Simoncelli em Sepang 2011

 
Marco Simoncelli (2011)

O italiano Marco Simoncelli foi campeão mundial da 250cc. Disputou a 125cc entre 2002 e 2005 obtendo 3 vitórias. Nos anos de 2006 a 2009 disputou a 250cc e acumulou 12 vitória, foi promovido para a MotoGP em 2010. Participou ao todo de 150 GPs. Era conhecido por apelidos como "Super Sic", na Europa, e devido a semelhança com um personagem de cartoon de "Urso do cabelo duro".
 
Em 23 de Outubro de 2011 durante o Grande Prêmio da Malásia de MotoGP, no Circuito Internacional de Sepang, na segunda volta, sua a moto de Simoncelli perdeu tração na curva 11 e começou a deslizar para o cascalho, os pneus recuperaram o grip e sua moto voltou para a pista, no caminho de Colin Edwards e Valentino Rossi. Simoncelli foi atingido na parte inferior do corpo por Edwards e na cabeça por Rossi, a pancada foi tão violenta que rompeu a alça e tirou seu capacete, a corrida foi imediatamente paralisada. O piloto foi submetido a procedimentos de ressuscitação por 45 minutos, às 16:56 hora local, menos de uma hora após o acidente, aos 24 anos o piloto italiano foi declarado morto. 
 
 
Luis Salom

Espanhol de Palma de Maiorca, participou do mundial de 125cc de 2009 a 2011 e em 2012 e 2013 venceu 9 GPs da Moto3. Foi promovido para a Moto2 em 2014 e conseguiu a 8ª colocação no campeonato. Durante o segundo treino livre para o GP da Espanha, disputado no circuito da Catalunha em Barcelona, Salom caiu na curva Europcar, uma das mais rápidas do traçado, a moto foi direto em direção à barreira de pneus, e após atingi-la, caiu sobre o piloto. Salom foi levado ao Hospital Geral da Catalunha, mas não resistiu e morreu, aos 24 anos de idade. Em função do acidente de Salom o traçado da pista foi alterado já para o GP do dia seguinte, utilizando uma chicana para reduzir a velocidade na entrada da curva onde aconteceu o sinistro.

 
Jason Dupasquier
 
O suíço Jason Dupasquier entrou no mundial de Moto3 em 2020 e em sua carreira competiu em apenas 20 GPs, sem conseguir nenhum pódio. No final do treino classificatório para o GP da Itália, em Mugello, o suíço perdeu o controle de sua moto na saída da curva Arrabbiata 2 e foi atropelado pelo japonês Ayumu Sasaki. Após procedimentos de estabilização na pista, foi encaminhado para o Hospital Carregi, onde não resistiu aos ferimentos e faleceu aos 19 anos de idade. Foi a primeira fatalidade da divisão menor da categoria desde 1993, quando o japonês Nobuyuki Wakai atropelou um espectador na saída dos boxes em Jerez de la Frontera.


 Jason Dupasquier é atendido na pista de Mugello (2021)

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