sexta-feira, 28 de maio de 2021

Fórmula 1& MotoGP - Cobertura da mídia



Na abertura das transmissões do GP de Mônaco de Fórmula 1 os profissionais envolvidos foram unânimes em opinar que a Ferrari havia tomado a decisão equivocada ao não trocar a caixa de câmbio do carro de Leclerc. Contextualizando, depois de marcar o tempo que garantiu a pole, o piloto da Ferrari se acidentou ao tentar uma última volta voadora, sofreu uma forte pancada que danificou a estrutura do carro. Uma troca de caixa de câmbio seria passível de uma punição de cinco posições no grid, que no traçado de Mônaco equivaleria a abrir mão de qualquer esperança de vencer. Criticar o fabricante por um suposto erro de estratégia foi um comportamento típico da soberba de nossos comunicadores. 


 
Acidente com Charles Leclerc (Ferrari) no Q3 do GP de Mônaco 2021


Pouco antes do início da prova surgiu um problema que impediu Leclerc de participar da largada, os comentaristas lamentaram que a aposta da Ferrari tenha sido errada. Detalhe: Não houve nenhuma indecisão ou aposta errada da Ferrari. O problema no carro da equipe foi uma peça que não tinha relação com a caixa de câmbio e que possivelmente tenha sido avariada no acidente. 

A tarefa de narrar e comentar um evento esportivo é complexa, os eventos se sucedem com muita rapidez e não permitem um raciocínio muito elaborado. Para não induzir o espectador a erro, o profissional da mídia deve evitar eventuais preferências, limitar-se a narrar os fatos ou, no máximo, a analisar o que já aconteceu sem especular razões ou formular teorias para justificar as decisões dos participantes. 

Há muito tempo atrás trabalhando como locutor esportivo na Rádio Tupi do Rio de Janeiro o compositor Ary Barroso, autor do samba-exaltação Aquarela do Brasil, narrando um clássico carioca, afirmou que o Flamengo tinha 1, o resto não interessava - o placar era 5 a 1 para o Botafogo. Ary Barroso não escondia que tinha uma paixão desmesurada pelo Flamengo, quem ouvia suas narrações sabia que era uma descrição vista pela ótica de um torcedor fanático, seus julgamentos sempre pendiam para um lado só.
 
O que se vê hoje em dia é a opinião de pessoas que se dizem isentas, sem o lastro de fatos. Na transmissão do GP de Mônaco os mesmos especialistas que já haviam errado ao condenar a Ferrari antes do início da prova, também desaprovaram a estratégia da Mercedes em escolher o composto “hard” para o segundo jogo de pneus de Lewis Hamilton. Não imagino como se explicaram quando todas as equipes de ponta optaram pela mesma escolha no desenrrolar da prova.

Não é raro encontrar a opinião impressa, em áudio ou vídeo a afirmação que o espanhol Fernando Alonso é um dos principais pilotos de F1 em atividade, porém é complicado encontrar uma razão que justifique esta escolha. O espanhol venceu dois mundiais, (2005 & 2006) pela Renault, que na época era dirigida por Flavio Briatore cuja biografia dispensa comentários. O histórico de Alonso inclui diversas ocasiões em que se revelou um péssimo companheiro, submetendo a sua equipe e colegas a humilhações públicas. No Japão comparou o motor Honda a um propulsor de Fórmula 2. Para lembrar duas que atingiram com mais intensidade os brasileiros, ele ultrapassou Felipe Massa no pitlane durante o GP da China em 2010 e, no mesmo ano na Alemanha, depois de exigir que a equipe ordenasse a Massa ceder a liderança, fingiu surpresa pela facilidade da ultrapassem e perguntou pelo rádio se houve algum problema com o carro do tupiniquim. Apesar de nos dias atuais Alonso não conseguir se impor sobre seu colega Esteban Ocon, ele é tratado pela mídia como principal piloto da equipe e um protagonista do espetáculo.

 
Esteban Ocon lidera Fernando Alonso na Alpine


Durante a década de 2010 a MotoGP no Brasil esteve associada à cobertura comandada por Fausto Macieira e Guto Nejaim. A sobriedade e conhecimento técnico do Fausto e a empolgação do Guto nunca disfarçaram uma admiração genuína pelo multi campeão Valentino Rossi, o Doutor. Guto inclusive criou a figura que o Doutor passava receitas cada vez que ultrapassava algum adversário na pista.


 Guto Nejaim & Fausto Macieira eram sinônimos de MotoGP

 Jorge Lorenzo, um dos maiores pilotos que participou de mundiais da MotoGP, foi colega de Valentino Rossi na Yamaha, conseguiu vencer as temporadas de 2010, 2012 e 2015, enquanto o lendário italiano foi campeão pela última vez em 2009. Lembrando sempre que Lorenzo na época disputou pela Yamaha com uma máquina igual a de Valentino Rossi. Não é exatamente fácil gostar de Jorge Lorenzo, o tricampeão mundial nunca investiu muito em sua imagem junto ao público. Dono de uma técnica eficiente de condução, dificilmente cometia erros e conduzia sua moto como se estivesse correndo sobre trilhos. Sua maneira de administrar uma prova, eficiente e sem sobressaltos, é conhecida até hoje entre os especialistas da mídia como “Modo Lorenzo”. Enquanto ele e Rossi pilotaram o mesmo equipamento, é inegável que os resultados obtidos pelo espanhol foram superiores. 

A análise dos principais fatos ocorridos na MotoGP nos últimos anos indica que a mídia pode ser tudo, menos isenta. Um dos episódios mais controversos da MotoGP ocorreu em 2015 no chamado “Incidente em Sepang”. Lembrando, na penúltima prova do Mundial realizada na Malásia, Rossi e Lorenzo, ambos da equipe Yamaha, eram os únicos com pontuação para alcançar o título. Durante a prova Rossi e Marc Márquez (Honda) disputaram acirradamente a 3ª colocação e, em uma manobra controversa, o piloto da Honda acabou caindo. Na época houve quase uma unanimidade em censurar Márquez por alegadamente prejudicar a corrida de Valentino Rossi. Aparentemente os meios de comunicação entenderam que por haver apenas 2 candidatos ao título, todos os outros participantes devem limitar-se ao papel de figurantes e abdicar de vitórias. Neste cenário, contratos de patrocínio e currículo profissional deixam de existir.

 
Sepang 2015 – Valentino Rossi & Marc Márquez


Nada é mais inexorável que o tempo. Toda uma geração aprendeu a gostar da Fórmula 1 e da MotoGP acompanhando as transmissões da TV que nunca primaram pela imparcialidade. Aturar explicações esdruxulas, ouvir fatos irrelevantes sobrevalorizados e justificativas absurdas sempre foram um tipo de pedágio a ser pago pelo privilégio de acompanhar os GPs de campeonatos mundiais. Houve uma oportunidade Nelson Piquet foi elogiado por ter um poder de concentração tão grande que, segundo os locutores, o habilitava a adormecer no volante antes de uma prova. A explicação do piloto era bem mais prosaica, ele havia se excedido na noite anterior e tentava recuperar alguma energia.

O mal da imprensa que transmite os campeonatos de Fórmula 1 e MotoGP para o público brasileiro é assumir uma onisciência que nem sempre é verdadeira. Buscar sempre uma explicação palatável para o telespectador e transmitir hipóteses como verdade absoluta, mesmo que não sejam, é um procedimento comum. Em 2017 Max Verstappen ultrapassou Kimi Raikkonen no GP dos EUA na volta final obtendo a 3ª colocação realizando uma manobra totalmente irregular, cortando o caminho por fora da pista. A direção da prova puniu a esperteza do holandês com 5 segundos e retirou o piloto da sala que antecede a comemoração do pódio. Houve comentaristas na TV brasileira que criticaram a decisão, argumentando que a essência da Fórmula 1, o resultado na pista,  não estava sendo respeitada. Felizmente os organizadores optaram por seguir as regras.
  

Max Verstappen ultrapassa Kimi Raikkonen por fora da pista – COTA 2017

Com o passar dos anos, a transmissão de eventos esportivos onde não havia o protagonismo de um participante tupiniquim deixou de ser atraente para alguns veículos de comunicações. A transmissão da MotoGP foi descontinuada na emissora do Jardim Botânico* em 2020 e migrou para a Fox Sports. A Fórmula 1 passou para a rede Bandeirantes em 2021. Entretanto não houve renovação no quadro de apresentadores, os âncoras Reginaldo Leme e Fausto Macieira acompanharam os mundiais de F1 e MotoGP respectivamente para seus novos seus novos endereços. Em termos de transmissão é mais do mesmo, com erros e acertos.

* Nota: O autor evita citar a Rede Globo.

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