domingo, 19 de abril de 2020

MotoGP – Definições e Indefinições


Marc Márquez lidera o grid




O tupiniquim é, por definição, um otimista. O povo fica entusiasmado com qualquer esporte, além do futebol, em que o campeão mundial é brasileiro. Em se tratando de atletas, o melhor do mundo sempre é ou foi um dos nossos. Pelé só cedeu o trono de maior futebolista da história quando surgiu Neymar Jr, Anderson Silva foi o melhor lutador que já pisou nos rinques, Gustavo Kuerten é nossa referência no tênis e ultimamente todos admiram as proezas de Gabriel Medina no Surf. As notícias sobre Edison Mandarino variavam conforme o resultado, para anunciar suas vitórias internacionais no tênis era apresentado como brasileiro, no caso de derrotas era um argentino naturalizado. Nos esportes motorizados poucos hesitam em apontar Ayrton Senna como sendo o maior piloto de todos os tempos.



Temos dificuldades em reconhecer o talento de pessoas cujo idioma nativo não seja o português e que não nasceram em Pindorama(*). Na época em que Emerson Fittipaldi venceu dois mundiais (1972 & 1974) a lenda britânica Jackie Stewart venceu três (1969, 1971 & 1973). Entre 1981 e 1991 os brasileiros conquistaram 6 mundiais de Fórmula 1, três com Nelson Piquet (1981, 1983 & 1987) e 3 com Ayrton Senna (1988, 1990 & 1991), os grandes vilões foram o francês Alain Prost, o austríaco Niki Lauda e o inglês Nigel Mansell.  A imprensa tupiniquim sempre foi muito ácida em relação a Nigel Mansell, vítima da maldade de Nelson Piquet que quando pilotaram para a mesma equipe (Williams) o descrevia como truculento, sem sensibilidade para desenvolver um carro, e com o agravante de estar casado com uma mulher feia. Poucos lembram que, além de ter vencido Piquet e Senna na Fórmula 1 e posteriormente Fittipaldi na Indy, o britânico é o único piloto que acumulou simultaneamente, por poucos dias, o título de campeão das duas disputas (Mansell ainda era o campeão mundial da Fórmula 1, que não havia encerrado a temporada, quando venceu o campeonato da Indy).



Um piloto cujo talento não é reconhecido pelas novas gerações é o britânico John Surtees, o único que conquistou títulos com 2 e 4 rodas. Surtees venceu 7 mundiais com motos, 4 na disputando a 500cc (1956, 1957, 1958 & 1960) e 3 na 350cc, (1958, 1959 & 1960). Em 1958 e 1960 os regulamentos permitiam a disputa em mais de uma categoria e o piloto acumulou os títulos na 350cc e 500cc. Migrou para a F1 e em 1964 venceu o mundial pilotando uma Ferrari. O talento de John Surtees foi reconhecido em 1996 quando seu nome foi incluído no International Motorsports Hall of Fame, uma honraria reservada aos que mais contribuíram para o esporte motorizado, sejam eles pilotos, proprietários de equipes, desenvolvedores ou engenheiros. Não é comum que desportistas não americanos sejam lembrados. Os homenageados são escolhidos por um painel de 150 membros da mídia especializada do automobilismo americano e a relação inclui Ayrton Senna, Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi. O currículo do inglês ainda é enriquecido por 4 vitórias (1963, 1964, 1965 & 1967) na mítica prova das 24 Horas de Le Mans. Depois de aposentado montou a sua própria equipe, a Surtees Racing, que disputou sem grande brilho a Fórmula 1 durante os anos 1970.



Ayrton Senna definiu em uma frase o sentimento da maioria dos brasileiros, “Segundo lugar é o primeiro que perde”. Assim como não existem nas avenidas nas grandes cidades com o nome de vice-presidentes, o esporte motorizado dificilmente reconhece quem não quem consegue títulos. O piloto com maior número de participações em GPs da Fórmula 1, Rubens Barrichello, só é lembrado por uma marchinha de carnaval: “Sempre atrás do alemão”.



Randy Mamola foi um dos pilotos da MotoGP mais carismáticos de sua geração, um dos favoritos do grid por seu estilo agressivo e sua interação com o público dentro e fora das pistas. Participou de 13 temporadas do mundial do mundial de motovelocidade e é reconhecido como um dos um dos competidores mais talentosos que nunca venceu um mundial da 500cc. Em 2018, Mamola foi reconhecido pela Federação Internacional de Motociclismo como um Grand Prix Legend.



Outro piloto de exceção que nunca conquistou um mundial foi o recentemente falecido Stirling Moss, que competiu na F1 por muitos anos e foi por 4 vezes vice-campeão. Moss é considerado o maior piloto da história que nunca conquistou um título da Fórmula 1. Competiu na chamada era de ouro da competição 1 e compartilhou as pistas com Juan Manuel Fangio. Venceu 194 das 497 corridas que participou entre 1948 e 1962, incluindo 16 GPs oficiais do campeonato mundial, nenhum outro piloto venceu tanto na F1 sem ser campeão. Em 1958, em uma atitude rara de espirito esportivo, venceu o GP de Portugal e testemunhou em favor de Mike Hawthorn que havia sido desclassificado por uma suposta manobra irregular. O depoimento do britânico permitiu que o compatriota terminasse a prova no segundo posto, o suficiente para que, no final da temporada, se sagrasse campeão com um ponto de vantagem sobre Moss.



O governo alemão decidiu prorrogar a proibição de grandes aglomerações de público até 31 de agosto, o que inviabiliza a etapa de Sachsenring da MotoGP. O GP da Alemanha foi a terceira etapa da temporada em termos de público em 2019, 201 mil espectadores estiveram presentes no autódromo, perdendo apenas para a Tailândia (226 mil) e França (206 mil). Os promotores estão em negociações com os responsáveis pela MotoGP para encontrar uma nova data. Desta forma Sachsenring faz companhia a Losail, Buriram, COTA, Termas de Rio Hondo, Jerez, Le Mans, Mugello e Catalunya na lista de cancelamentos/adiamentos e transfere para Assen em 28 de junho como data provisória para o início da temporada.



Em meio a preocupações sobre o impacto financeiro que a atual pandemia terá sobre os participantes da MotoGP, a Comissão do Grande Prêmio se reuniu para discutir sobre como cortar custos, respeitando a equidade e igualdade, para manter o valor do entretenimento do esporte e a integridade da competição. Como resultado foram anunciadas mudanças nas regras normais de desenvolvimento aerodinâmico e motor para 2020 e 2021. Não vai haver atualizações permitidas para as peças homologadas em março de 2020 para o resto desta temporada.



(*) Pindorama é o nome que os Tupi-Guarani chamavam as terras brasileiras na época do descobrimento pelas Naus Portuguesas comandadas por Pedro Alvares Cabral.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

MotoGP – Controle da frente

Marc Márquez



Diz a lenta que o Santo Graal é um cálice que foi utilizado por Jesus Cristo na Última Ceia e, segundo a contam as Sagradas Escrituras, também teria sido utilizado por José de Arimatéia para colher o sangue de Jesus durante a crucificação. Existem evidências que o Graal é anterior ao cristianismo, suas origens podem ser encontradas na literatura que narra a busca do Rei Arthur e seus cavaleiros medievais por um recipiente mágico que poderia dar novo sabor aos alimentos, vida mais saudável e maior vigor às pessoas. Posteriormente sofreu um processo de cristianização e, neste contexto, traria prosperidade em um período de miséria. Na cultura cristã, o Santo Graal é uma panaceia para todos os males, uma maneira de chegar perto da perfeição.

O Santo Graal dos protótipos da MotoGP é um dispositivo que consiga manter a moto sob controle quando a roda dianteira perde a aderência durante uma curva. A única equipe que dispõe de algo neste sentido é a Repsol-Honda, ela chama de Marc Márquez.

A explicação é simples, uma única coisa que aparentemente só Márquez pode fazer é com consistência corrigir a moto, especificamente continuar com controle do equipamento quando o limite de tração do pneu dianteiro é excedido. Esta habilidade invulgar é a sua grande vantagem sobre os rivais. O fato é confirmado pelas declarações dos representantes técnicos de pneus e suspensões, que supervisionam os pilotos de todas as equipes e tem acesso às telemetrias dos equipamentos.

O engenheiro Piero Taramasso da Michelin (pneus) reconhece publicamente que: "Não há ninguém como Marc na técnica como controlar a frente". Sua opinião é compartilhada por Thomas Alatalo, supervisor de pista da Ohlins (suspensões):  “O modo de pilotar de Marc é completamente original, ninguém mais consegue manter o controle da dianteira deslizando por tanto tempo”. Marc Márquez tem um tipo de sentimento sobrenatural para a vencer a dificuldade de frenagem na aproximação e durante as curvas.  O trecho final da entrada de uma curva, os poucos metros que antecedem o contorno, é onde obtém a maior vantagem sobre seus adversários (menor tempo).

As observações dos técnicos recebem maior relevância porque não são de profissionais vinculados a uma equipe, eles supervisionam produtos que são fornecidos para todos os pilotos do grid (com exceção da KTM, que utiliza suspenção WP). Na prática trabalham para todos os pilotos, portanto ao fazer estas tais afirmações provavelmente devem conseguir mais inimigos que amigos no Pit Lane. Traduzindo, não é um elogio gratuito, é uma admiração legítima.

Engenheiros não são os únicos que reconhecem as habilidades diferenciadas de Marc Márquez. Pilotos não costumam elogiar seus rivais, mas todos no grid da MotoGP admiram seu talento. Um piloto de uma equipe concorrente insiste que o espanhol faria pódio com o equipamento de qualquer fabricante do grid, incluindo Aprilia e KTM.

Durante os períodos de teste pré-temporada quando os pilotos utilizam a técnica de andar atrás para estudar os adversários, um concorrente rival seguiu Márquez e assistiu apavorado como ele inclinou a sua Repsol Honda RC213V em uma curva e forçou a frente a escorregar no asfalto. O piloto sempre faz isto para aferir a aderência e entender o comportamento do protótipo, avaliar qual a reação do pneu quando muito próximo do limite do grip e como pode usar seus joelhos e cotovelos para evitar uma queda. O normal é os pilotos evitarem estas situações, Marc as provoca para saber até onde pode chegar. Ninguém mais faz isso.

Márquez já ganhou seis mundiais da principal categoria em sete anos, o último piloto a atingir resultado semelhante foi Giacomo Agostini no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Na época a sua MV Agusta 500cc era uma máquina muito superior às demais e a única moto com apoio da fábrica. Nos dias atuais as provas da MotoGP consistem inteiramente entre motos de fábrica, talvez com a exceção da Aprilia Racing Team Gressini.

Alguns meses atrás em uma entrevista Valentino Rossi foi perguntado se Marc Márquez já atingiu o auge de sua carreira. O multicampeão italiano disse que não sabia, ele ainda é jovem e provavelmente deve continuar evoluindo.

A maior capacidade de Márquez em controlar o veículo quando a roda da frente desliza nas curvas mais rápidas o diferencia de todos os concorrentes. A posição do corpo em relação à moto e cotovelos raspando na pista permitem que use mais velocidade de canto e ângulo mais inclinado para a sua RC213V fazer a curva mais rápido. Márquez pode inclinar em ângulos onde ninguém mais consegue sobreviver.

Esta habilidade de entrar nas curvas mais rápido implica em vantagens quando inicia a retomada de velocidade, o acelerador pode ser acionado de uma maneira mais controlada cuidando melhor do pneu e sair da curva mais veloz. Esta forma de pilotar exige muita força e o piloto trabalha bastante a sua condição física.

Testar os limites da moto e da pista tem um preço, Márquez caiu 122 vezes desde sua estreia na MotoGP em abril de 2013. Em 2019 foram 14 quedas, menos que as 25 em 2018, com uma moto mais potente e um chassi mais adequado ao seu estilo de pilotagem.

Sem dúvida, sua mentalidade também está em processo de evolução, por mais que ele odeie perder, sabe que às vezes não tem como vencer. A cirurgia em seu ombro de dezembro de 2018 o ensinou que para se manter competindo é necessário cuidar do físico. Em 2018 ele deslocou o ombro ao ser cumprimentado pela vitória da temporada por um colega enquanto fazia a volta de comemoração. Aconteceu de novo quando celebrava em sua casa às quatro da manhã.
Um fator importante para o sucesso de Márquez é o seu foco em vitórias, como ficou comprovado no GP da Tailândia. Nos testes iniciais o piloto sofreu um high-side que resultou em diversos hematomas na região lombar, perna esquerda e quadril direito. Era voz corrente no Pit Lane que ele não teria condições para alinhar para a largada, o campeonato estava praticamente ganho e os pontos da prova não fariam falta. Ele não só participou como venceu a prova depois de protagonizar um duelo sensacional com Fábio Quartararo.

“Marc é como Rainey, faz qualquer coisa para ganhar” é a avaliação de Mats Larsson, executivo da Ohlins, que frequenta o paddock desde o final dos anos 80. “Wayne Rainey ficava intragável quando não vencia uma prova, nos dias seguintes voltava a ser atencioso e gentil”. Marc Márquez é igual quando não vence uma prova, mal pode esperar pela próxima.
Os números mostram com clareza que Mar Márquez é o homem a ser batido. No atual line-up da MotoGP apenas Fábio Quartararo e Alex Rins estão próximos, não no mesmo nível, em controlar a moto quando a roda dianteira excede o grip.

Cal Crutchlow é talvez a voz mais autêntica dos competidores da MotoGP. Ele comanda um equipamento igual ao do atual campeão e tem uma opinião formada: “Marc é uma aberração. Ele consegue controlar a moto quando a frente desliza com 60 graus de inclinação 15 vezes por fim de semana. Quando consigo uma vez fico muito feliz”. Depois da prova de Valência em 2018, quando Marc perdeu a frente na curva 1 e evitou a queda, o piloto britânico criou uma frase definitiva: “Existem sete bilhões de pessoas neste planeta, só uma conseguiria manter o controle da moto naquelas condições”.



segunda-feira, 13 de abril de 2020

MotoGP – Motores








Este pessoal que escreve sobre a MotoGP é estranho. Se o foco da reportagem são os pneus, não há nenhuma dúvida que, por serem o meio de contato do equipamento com o piso, são os componentes principais de um protótipo. Quando o assunto é o motor, como responsável pela geração de potência, com toda a certeza é o item mais importante. Igual raciocínio pode ser realizado com todos as partes que compõem o equipamento, chassi, aerodinâmica, freios, suspensão. A MotoGP é uma oportunidade fantástica para as fábricas divulgarem a excelência de sua engenharia e de seus produtos para o mercado.  A principal classe utiliza o estado da arte em materiais e tecnologias, contempla exclusivamente protótipos e prioriza a competitividade.



O regulamento especifica que é um campeonato para protótipos de duas rodas, impulsionados por um motor de combustão interna e controlado por um piloto. Os construtores são livres para serem inovadores no que diz respeito ao projeto, materiais e construção geral do protótipo. O regulamento especifica um motor de 4 tempos, no máximo com 4 cilindros, aspirado, com capacidade cúbica de 1000cc e não é permitida nenhuma tolerância (*). As fabricas devem lacrar sete motores por piloto inscrito na temporada (9 no regime de concessões), antes da primeira etapa do mundial.



Existem atualmente duas linhas de desenvolvimento de motores, cilindros dispostos em linha (Yamaha e Suzuki) e dispostos em V (Aprilia, Ducati, Honda e KTM). Nas últimas 3 temporadas (2017/2018/2019) os motores V4 venceram 56 das 72 provas realizadas e em 94% dos GPs obtiveram a maior velocidade cronometrada na pista. Embora a potência total dos propulsores não seja divulgada, os resultados sugerem que os V4 conseguem entregar maior potência.



Esta superioridade pode ter uma  explicação no virabrequim, o do V4 é mais curto e funciona apoiado em três rolamentos principais, motores em linha exigem pelo menos 5. Em ritmo de trabalho, o V4 é mais equilibrado. O motor V4 também administra melhor o fluxo de ar desde a captação até o escapamento. Perto de 300 litros de ar por segundo fluem por um motor 1000cc a 18000rpm, o layout do carter do V4 administra melhor este fluxo e ocasiona menor perda de potência. 



A configuração V4 tem uma vantagem adicional, permite que os projetistas utilizem uma variedade maior de comandos de disparo desequilibrados (Big Bang), habilitando uma curva de torque mais adequada às características do piloto.



Um motor alcança 18.000rpm quando o piloto exige potência máxima. Nestas condições cada válvula abre e fecha 150 vezes por segundo. Molas convencionais não suportam essa carga de trabalho e são necessários recursos pneumáticos. A única exceção é o motor da Ducati que utiliza válvulas desmodrômicas, uma ideia desenvolvida pela Mercedes na Fórmula 1 dos anos 50 que maximiza a eficiência da injeção e exaustão. Conseguir abrir e fechar as válvulas mais rápido habilita o motor a respirar melhor e, portanto, entregar mais potência.



Tudo em um protótipo é um compromisso entre motor, chassi e eletrônica. Eventuais vantagens em uma área podem resultar em prejuízos em outras. Um motor V4 tem pontos negativos, é longo e exige muita criatividade e competência dos projetistas que devem manter uma distância entre eixos curta para facilitar a troca de direção nas curvas. O V4 é um motor compacto que facilita a acomodação no quadro. A carenagem, leia-se aerodinâmica, em tese deve ser mais estreita do que um 4 em linha, embora nas condições atuais o fator determinante na largura final  das motos seja a área do radiador.



Os propulsores com cilindros em linha facilitam a centralização de massas e os protótipos são mais rápidos durante as curvas. Pode ser uma vantagem em circuitos sinuosos, mas nem sempre ajuda em situações de corrida, considerando que é mais fácil ultrapassar em uma reta que em uma curva.



A vantagem dos V4 em retas pode não ser muito significativa, mas o somatório das voltas é suficiente para fazer a diferença durante uma prova. Seu desempenho ajuda o piloto a buscar o vácuo da moto na frente, adotar um traçado alternativo durante a frenagem e permite mais opções táticas. Ganhar metros em linha reta também ajuda a administrar pneus na corrida, o piloto não precisa estressar o pneu dianteiro nos freios, nem destruir o pneu traseiro ao ficar agressivo com o acelerador.



Os V4s também podem funcionar bem em toda a pista de corrida, não apenas em retas. O virabrequim mais curto reduz o efeito giroscópio da manivela para permitir que o piloto incline a moto em curvas com maior facilidade. O efeito giroscópio do 4 em linha com o virabrequim mais longo dificulta a desviar de sua trajetória quando o piloto quer virar em uma curva, mas uma vez que a moto está no contorno, ajuda o piloto a manter sua linha. Esta é uma explicação possível para as motos 4 em linha serem mais rápidas nas curvas.



Um problema das motos com motores 4 em linha é o sobreaquecimento do pneu traseiro por exigir demais da sua borda. O gap entre motores V4 e em linha foi sensivelmente reduzido com os compostos traseiros Michelin mais resistentes em 2019. A promessa da fábrica francesa para 2020 é fornecer um novo pneu traseiro ainda mais resistente, que deve reduzir a diferença de desempenho entre equipamentos V4 e 4 em linha.



(*)  Um protesto da equipe Alex Barros Racing contra a Honda de Eric Granado no GP de Goiânia resultou na desistência pelo piloto da disputa do título da SuperBike Brasil, principal campeonato do motociclismo tupiniquim. A história iniciou com uma irregularidade do motor da CBR 1000 RR Fireblade 2018, o tamanho das bielas excedeu ao permitido pelo regulamento, incluindo a tolerância. A CBM (Confederação Brasileira de Motociclismo), e o STJD (Supremo Tribunal de Justiça Desportiva) julgaram o protesto improcedente, alegando que o excesso, ainda que comprovado, não foi determinante para o resultado da prova.


quarta-feira, 8 de abril de 2020

MotoGP – Do Túnel do Tempo




Derbi 2010 - Marc Márquez


Domingo, 31 de outubro de 2010, chuva intermitente, um clima hostil para provas de motovelocidade. Marc Márquez, 17 anos, na temporada do Mundial de MotoGP classe 125cc já havia conquistado 9 vitórias quando alinhou para a largada na penúltima prova do campeonato, no circuito de Estoril. Na sua frente um único piloto, Nico Terol, também candidato ao título, a diferença entre ambos eram escassos 12 pontos (havia ainda 50 em jogo). Depois da largada as posições foram mantidas por seis voltas, até a prova ser interrompida por absoluta falta de condições da pista. Quando chuva parou a drenagem escoou a água acumulada no piso, na volta de retorno para o grid de nova largada Márquez caiu e danificou a carenagem da sua Derbi #93. A equipe trabalhou em um ritmo alucinado para permitir a sua volta, conseguiram, porém não a tempo de alinhar na sua posição, ele foi obrigado a largar por último, da sexta fila, 16ª posição.



Com uma pilotagem extremamente agressiva, Márquez fechou a primeira volta depois da relargada em terceiro, atrás das duas motos da equipe Aspar Aprilia, Terol na frente, seguido de seu companheiro de equipe Bradley Smith. Márquez assumiu a 2ª posição na 3ª volta, perdeu na 6ª e recuperou na 8ª.



No início da volta 9, a última, Márquez ultrapassou Terol na curva 1 e os dois trocaram duas vezes de posição durante o percurso do circuito. Márquez venceu a corrida com uma diferença de 150 milésimos de segundo, abriu 17 pontos de vantagem para a decisão do título em Valência. Pol Spargaro, que começou a corrida a 17 pontos de Márquez e matematicamente ainda tinha condições de chegar ao título, errou na escolha de pneus e classificou-se em 10º, dando adeus às suas chances. O espanhol de Cervera conseguiu a 4ª colocação na última prova da temporada e venceu o seu primeiro mundial.



Não tem como ignorar, existe uma legião de entusiastas do motociclismo que professam um fascínio quase religioso em relação a Valentino Rossi, e existem múltiplas razões para que isto aconteça, Valentino tem uma personalidade forte, faz o tipo bom moço e é o piloto em atividade o que detém o maior número de vitórias e títulos mundiais. Valentino Rossi enfileirou cinco títulos na classe principal entre 2001 e 2005, ciclo interrompido por Nicky Hayden em 2006 e Casey Stoner em 2007. Para a temporada de 2008 a Yamaha contratou Jorge Lorenzo como segundo piloto, a notícia na época foi divulgada como uma declaração da equipe que estava preparando um sucessor para o italiano, Rossi era passado e Lorenzo era o futuro. Valentino Rossi ainda venceu os campeonatos de 2008 e 2009. Um sério acidente prejudicou sua temporada de 2010 e o piloto de Palma de Maiorca, na época com 23 anos, fez uma temporada perfeita, terminou todas as corridas, conquistou 9 vitórias, 7 pódios e acumulou mais pontos (383) que qualquer outro até então na história dos mundiais. No final do ano a Yamaha propôs a Rossi manter seu lugar na equipe, desde que aceitasse um corte substancial no salário e sem o status de piloto número um. Depois de uma década como um dos esportistas mais bem pagos do planeta ele podia não precisar do dinheiro, mas seu orgulho o impedia de aceitar o que considerava uma descortesia da equipe.



Em 2011 a Repsol Honda inscreveu um terceiro equipamento para acomodar Casey Stoner em sua estrutura, juntamente com Andrea Dovizioso e Dani Pedrosa. Sem outra alternativa, Rossi decidiu aceitar o desafio de participar de uma equipe puro sangue italiana e assinou com a Ducati. A moto tinha obtido vitórias com Stoner e Capirossi nas 4 temporadas anteriores, entretanto Rossi não se adaptou ao equipamento e passou dois anos no ostracismo. Em seu retorno para a Yamaha encontrou Jorge Lorenzo já bicampeão do mundo e com a carreira consolidada. E para a maior infelicidade de Rossi, o ano de 2013 marcou a estreia de um novato na MotoGP pela equipe Honda, Marc Márquez.



O ano de 2015 é conhecido como um dos pontos de inflexão da história da MotoGP. Até então o já bicampeão mundial Marc Márquez tinha em Valentino Rossi um dos seus ídolos. Perto do final da temporada, na prova de Phillip Island, uma das mais disputadas de toda a história, quatro pilotos brigaram pela liderança, Márquez (Honda), Iannone (Ducati), Lorenzo e Rossi (Yamaha). Os dois pilotos da equipe oficial da Yamaha, Lorenzo e Rossi, eram os únicos com reais possibilidades de alcançar o título. O final da prova foi eletrizante, Márquez ultrapassou Lorenzo a duas curvas do final, Rossi perdeu a terceira posição para Iannone na última volta. Sentindo a ameaça de Lorenzo ao seu 7º mundial da principal categoria, que o colocaria em posição de igualdade com o recordista de todos os tempos Giácomo Agostini, Rossi decidiu agir também fora das pistas e acusou Márquez de participar de uma conspiração para facilitar o título de seu compatriota. O seu comportamento resultou no chamado Incidente de Sepang (Malásia), onde Rossi teria causado a queda de Márquez. A alegação que piloto da Honda não estava na disputa pelo mundial, portanto não devia disputar a vitória na etapa é ridícula, contraria a essência da MotoGP. O título da temporada ficou com Jorge Lorenzo e, apesar de ambos defenderem a mesma fábrica, gerou um ambiente quase hostil dentro do box da equipe oficial da Yamaha. O mal-estar perdurou entre os dois colegas na temporada seguinte e, no final de 2016, Lorenzo trocou a Yamaha pela Ducati.



As carreiras de Valentino Rossi e Marc Márquez evoluem em sentido inverso. Enquanto o espanhol empilha títulos e estabelece recordes de eficiência, o último mundial do italiano foi em 2009 e sua vitória mais recente em um GP oficial em 2017. Em 2019, enquanto Márquez obteve seu sexto mundial, quarto consecutivos, Rossi comandou apenas a 3ª Yamaha classificada na colocação geral, ficando atrás do seu companheiro de equipe Maverick Vinales e de Fábio Quartararo, piloto da satélite Petronas, ambos já com contratos assinados com a equipe oficial para o biênio de 2021/2022. Marc está contratado pela Repsol Honda até o fim de 2024, Rossi, apesar da promessa de dispor de uma M1 atualizada com os todos desenvolvimentos da equipe oficial, ainda não tem contrato para 2021. Razlan Razali, líder da Petronas Sepang Racing Team, equipe satélite da Yamaha, assume que está a par do desejo de Valentino Rossi e Jorge Lorenzo competirem por sua equipe, porém a sua preferência atual é apostar em pilotos jovens. A remota hipótese de uma migração para a Suzuki foi descartada por Davide Brivio, que trabalhou com Rossi na Yamaha e hoje comanda a equipe: “A prioridade é renovar com Joan Mir e Alex Rins”. Óbvio que esta é a fotografia atual. Ninguém tem ideia do que a atual pandemia pode resultar e o carisma e a capacidade do nome de Valentino Rossi em convencer patrocinadores não pode ser negligenciada. A lógica dos contratos da MotoGP é muito susceptível a fatores financeiros.




sexta-feira, 3 de abril de 2020

MotoGP - A motovelocidade está mais segura


Acidente de Jorge Lorenzo em Aragon 2018


Qualquer um no mundo da motovelocidade entende que não há tecnologia ou nível de investimento que façam o esporte ser 100% seguro. Simplesmente não há como prever todo tipo de incidente e todas as variáveis que poderiam ocorrer durante uma corrida. Andrea Dovizioso, que teve a infelicidade de atingir o ápice de sua carreira durante a era Márquez e obteve três vice-campeonatos mundiais consecutivos, encontrou uma explicação para a ocorrência de acidentes: "Os equipamentos melhoram com a tecnologia, o corpo humano continua o mesmo".



Em motos não existem recursos que possam oferecer proteção abrangente durante um sinistro, literalmente o para-choques é o capacete do piloto e ainda existe o risco de o corpo ser arremessado ao chão ou atropelado, como foi o caso em 2011 de Marco Simoncelli em Sepang. Shoya Tomizawa (2010 Moto 2) e Luis Salom (2016 Moto 2) sofreram lesões fatais devido a acidentes nas pistas. Salom foi atingido por deu próprio veículo depois de uma queda durante os treinos livres. Tomizawa foi atropelado por Scott Redding e Alex de Angelis num incidente durante a Corrida de Moto2 de San Marino, uma réplica exata do que aconteceu com Simoncelli em Sepang. Ser atropelado por um companheiro com uma máquina fora de controle é o maior risco pilotos enfrentam.



Nos anos 70 a MotoGP registrou 24 óbitos ao longo de uma década. Nos últimos 10 anos este número caiu para 3, apenas um ocorreu durante uma prova da principal categoria, Marco Simoncelli em 2011. O histórico do mundial registra desde 1949, em todas as classes, 103 eventos com vítimas fatais (a Ilha de Man é um caso atípico, só foram considerados acidentes em provas valendo pontos para o mundial).



A taxa de acidentes da MotoGP em 2019 caiu 27% em relação a temporada anterior. Os números individuais podem indicar quais os pilotos com maior ou menor dificuldade para conduzir suas motos e qual a evolução dos protótipos, pneus e técnica de pilotagem.



O piloto que sofreu mais acidentes na temporada passada foi o francês Johann Zarco, 17, uma média de uma vez por fim de semana enquanto pilotava uma Red Bull KTM, mais que o dobro de 2018 quando comandou uma Yamaha YZR-M1 da equipe Tech3.  Não é uma surpresa, Valentino Rossi apresentou um resultado semelhante quando trocou a Yamaha pela Ducati em 2011, de 5 quedas com a M1 em 2010 para 12 com a Desmosedici no ano seguite.



A MotoGP como um todo apresentou um resultado oposto ao de Zarco, a temporada 2019 contou com um declínio no número de acidentes. Durante os três primeiros anos de com a nova eletrônica e os pneus Michelin (2016/2017/2018) houve uma média de 301 acidentes por temporada, em 2019 o número caiu para 220, mesmo contando com uma corrida a mais.



A maioria das quedas acontece quando o piloto perde a frente da moto, o controle de tração reduziu bastante o número de acidentes na retomada de aceleração, contudo a redução de 27% não pode ser creditada às características dos pneus dianteiros, que permaneceram inalterados em relação a 2018. As equipes acreditam que evoluiu a técnica de pilotagem e houve uma melhor compreensão das fábricas sobre a resposta possível do pneu dianteiro. Simultaneamente os compostos traseiros apresentaram maior aderência, que permitiu melhor uso do freio-motor, um equipamento desacelera melhor e reduz o stress da frente.



Os pilotos da HRC, Marc Márquez e Cal Crutchlow, colaboraram para a redução no número de quedas. Nos anos anteriores sempre estiveram no topo da tabela do número de acidentes, 2019 foi uma exceção.  Na temporada passada tiveram respectivamente 14 e 12 quedas, nas duas anteriores os números foram bem mais expressivos, 25 para Marc e 20 para Cal. O resultado da última temporada contraria o discurso de ambos que a frente da RC213V de 2019 não é tão confiável como a do modelo 2018. Cal explica a razão, a moto anterior passava uma sensação de segurança na entrada das curvas e o piloto acelerava mais que o ideal, o resultado eram as quedas.



A Moto2 seguiu uma tendência semelhante, porém menos dramática. O número de acidentes regrediu de 418 na temporada anterior para 347 quedas em 2019, uma redução de 17%, mesmo contando com uma prova a mais. Muitos pilotos descobriram que poderiam usar pneus dianteiros mais macios e com maior aderência porque o Triumph 765 (motor da Moto2) tem maior capacidade de torque, o que implica em maior torque negativo e, por consequência, mais freio motor.



Os números da Moto3 são a exceção que confirma a regra, 404 acidentes em 2019 contra 356 em 2018. Equivale a uma média de 21 sinistros por fim de semana, extrapolando, 2 terços do grid se acidentaram em cada rodada.



Os grandes números indicam 971 quedas nas três classes, a primeira vez desde 2015 que este valor pode ser escrito com só 3 dígitos.



Le Mans foi o circuito que apresentou o maior número de quedas da temporada, 90 durante os três dias, dois dos quais foram afetados pela chuva. A curva mais problemática da MotoGP em 2019 foi a Curva 3 em Le Mans, um contorno à esquerda depois de um longo trecho em alta velocidade, o lado esquerdo do pneu dianteiro está muitas vezes abaixo da temperatura ideal. O raciocínio pode ser espelhado para a Curva 4 de Phillip Island, 27 quedas. A curva 10 do circuito da Catalunha entra nesta relação por uma característica especial, dos 20 acidentes 4 ficam na conta de Jorge Lorenzo, que com uma manobra desastrada, tirou da prova Andrea Dovizioso, Maverick Viñales e Valentino Rossi na segunda volta da etapa em Barcelona.



O custo financeiro destas ocorrências com certeza é alto, porém infinitamente menor que o custo físico. Em 2019 foi contabilizado nas três classes da MotoGP um total de 28 ossos quebrados, incluindo as fraturas das vértebras sofridas por Jorge Lorenzo e Mattia Pasini (Moto2).  Os exames de lesões na cabeça resultaram em 9 pilotos considerados incapacitados para disputar provas no fim de semana, o número deste tipo de diagnóstico em 2018 foi de apenas 3.



Houve um óbito em uma prova realizada em um fim de semana da MotoGP. O piloto indonésio Afridza Munandar, de 20 anos, perdeu a vida durante uma corrida da Asia Talent Cup nas provas que antecederam programação do Grande Prêmio da Malásia.



Na MotoGP o equipamento não contempla características adicionais para auxiliar um piloto em caso de acidente. Apenas o traje pode ser equipado com recursos de proteção, barras de metal e plástico (que raspam o chão nas curvas), uma corcunda protetora da coluna e um air-bag, obrigatório para todos os pilotos do grid. O air-bag é um colete usado sob o traje, projetado a proteção de costelas, tronco e clavícula, que protegeu Jorge Lorenzo e impediu que ele ficasse tetraplégico. É equipado com acelerômetros e giroscópios, que executam análises a cada milésimo de segundo para identificarem variações bruscas que indiquem um acidente em curso. É uma tecnologia incrível, mas não resiste a falhas humanas. Em 2018 o britânico Cal Crutchlow caiu e seu air-bag foi acionado. Aconteceu durante uma tomada de tempos, o piloto correu de volta ao box, trocou de moto e não rearmou o air-bag. Caiu de novo, por sorte não se feriu.  
Além da tecnologia dos equipamentos de segurança, são os numerosos funcionários médicos e instalações colocadas junto às pistas para ajudar em tudo, desde problemas estomacais para qualquer componente do paddock ou ferimentos leves de mecânicos (queimaduras por tocar em materiais incandescentes é a mais comum). Quando ocorre uma lesão grave, há um helicóptero para levar o acidentado ao hospital mais próximo.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

MotoGP – 18 meses para Andrea Iannone


Aprilia de Andrea Iannone






Os tempos mudaram. Antigamente era arriscado antever o que poderia sair das urnas em eleições, da barriga de mulheres grávidas e da cabeça de juízes. Com o advento do ultrassom o sexo de crianças pode ser conhecido com bastante antecedência e as pesquisas de opinião (quando não manipuladas) antecipam o resultado de eleições, porém decisões de magistrados são impossíveis de prever e, quando acontecem, nem sempre obedecem à lógica comum.



O Tribunal Disciplinar Internacional da FIM finalmente decidiu, Andrea Iannone foi considerado culpado por ter uma substância proibida em sua corrente sanguínea e deve cumprir uma suspensão por 18 meses. Como o piloto foi preventivamente afastado em 17 de dezembro de 2019, Iannone somente estará elegível para pilotar uma moto a partir de 16 de junho de 2021.



Nada muito estranho, a proibição de 18 meses é menor que a especificada nas regras, 4 anos, e como o próprio tribunal explicou, é um reconhecimento oficial que a ingestão do esteróide anabólico drostanolone que testou positivo em ambas as amostras do controle antidopping não foi intencional. O tribunal reconheceu que o drostanolone acabou na amostra de urina de Iannone devido à contaminação por alimentos. Nas amostras de urina fornecidas por Andrea Iannone na etapa da Malásia em Sepang, no início de novembro (2019), foram identificados vestígios de esteroides anabolizantes. A análise da amostra foi processada em um laboratório credenciado pela WADA (World Anti-Doping Agency) em Dresden (Alemanha) e indicou a presença de esteroides androgênicos anabolizantes exógenos (AAS), constantes na relação de substâncias proibidas na edição de 2019. A característica exógena indica origem externa, excluindo a possibilidade de ter sido produzida pelo próprio organismo (endógena) e é quase impossível entrar acidentalmente em um corpo sem consentimento ou conhecimento da pessoa. O código antidoping da FIM (Federação Internacional de Motociclismo) afirma que os pilotos serão banidos por 4 anos ao testar positivo para uma substância não especificada (produtos susceptíveis de serem consumidos com o propósito específico de melhorar o desempenho), embora existam circunstâncias atenuantes - tais como uma violação não intencional das regras - que podem reduzir (não evitar) a duração da suspensão.



O tribunal decidiu que, como as regras antidoping da FIM afirmam claramente, os pilotos são responsáveis por tudo que entra em seu corpo, eles têm o dever de evitar qualquer coisa que possa causar contaminação acidental. Isso inclui produtos que aparecem na lista da FIM de substâncias proibidas e são usados na produção de carne em certas partes do mundo. A defesa de Iannone de que ele ingeriu drostanolone acidentalmente, em refeições durante compromissos comerciais no Pacífico, não foi suficiente.



Iannone tem a opção de apelar ao CAS (Court of Arbitration for Sport), o Tribunal Arbitral do Esporte, mas a pandemia atual do Corona Vírus provavelmente dificultará o progresso de qualquer recurso. O CAS suspendeu todas as audiências presenciais até 1º de maio, e com o surto ainda se espalhando na Suíça, novos atrasos são previsíveis. Obter uma audiência antes de cumprir grande parte do seu período de suspensão pode ser difícil.



A equipe de Iannone expressou o apoio incondicional ao piloto. O CEO da Aprilia Racing, Massimo Rivola indicou que, como o tribunal concluiu que a ingestão não foi proposital, está surpreso que ele não tenha sido inocentado. “ Queremos Andrea de volta em seu Aprilia RS-GP, estaremos ao seu lado até o fim” disse o dirigente para a imprensa.



Apesar do apoio da equipe, o que isso significa para a carreira do piloto é incerto. Em circunstâncias normais, uma proibição de 18 meses significa que ele dificilmente volta à MotoGP. A atual pandemia do COVID-19 mudou consideravelmente o cenário, criando muita incerteza no calendário da competição. Mesmo que as corridas só comecem no segundo semestre de 2020, será difícil para Iannone encontrar uma vaga na principal categoria e, quando ele for liberado para correr, terá quase 32 anos. Estar elegível em junho de 2021 implica que a maioria das vagas no grid estará ocupada por pilotos com 2 anos de contrato (2021/2022). Quem pensar em Iannone para 2022 terá de optar entre um piloto com vida útil ainda desconhecida ou um jovem da Moto2 com potencial para ser uma estrela no longo prazo.



Atletas flagrados pelos exames no antidoping normalmente recorrem ao artifício da ingestão não intencional de alimentos ou suplementos contaminados. Na maioria dos casos conseguem atenuar penas e até mesmo escapar de uma suspensão, sobretudo a partir de 2015, ano em que a WADA incluiu um artigo no código de dopagem que admite a redução de punições quando comprovada a contaminação acidental. Como o processo considera apenas a quantidade da substância encontrada na urina do atleta, a prova depende das circunstâncias e da interpretação de cada tribunal. Os juízes da FIM são conhecidos por sua sensibilidade aos argumentos de advogados de defesa.



A severidade com que cada caso é tratado depende do país e do atleta. Aqui em Pindorama o exemplo mais emblemático foi o de César Cielo, flagrado juntamente com outros três nadadores por uso do composto diurético de furosemida em 2011. Sob o risco de não disputar a Olimpíada de Londres, ele acabou com apenas uma advertência da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) e do Tribunal Arbitral do Esporte (CAS) ao sugerir a contaminação de um suplemento alimentar fornecido por uma farmácia de manipulação. No ambiente olímpico o corredor jamaicano Usain Bolt perdeu uma medalha de ouro, conquistada no revezamento 4x100 metros da Olimpíada de Pequim, ao ser identificado que um dos integrantes da equipe testou positivo.



Andrea Iannone participou de 246 GPs oficiais desde 2005 e contabiliza 13 vitórias, 4 na Moto3, 8 na Moto2 e uma única na MotoGP, no circuito Red Bull Ring em 2016. Ele também protagonizou performances incríveis como em 2015 na Austrália, uma prova extraordinária onde 4 pilotos (Márquez, Lorenzo, Iannone e Rossi) disputaram a liderança o tempo inteiro e ele ultrapassou a Yamaha de Valentino Rossi na última volta pela disputa da 3ª colocação. Iannone participou de acidentes bizarros como em Rio Hondo em 2016 quando tentou uma ultrapassagem impossível e tirou ambas as Ducati do pódio.