quarta-feira, 31 de outubro de 2018

MotoGP – Austrália 2018



Acidente de Zarco & Márquez




A ilha Phillip, que recebeu este nome em 1798 em homenagem ao govenador de Nova Gales do Sul Arthur Phillip, está localizada na Austrália, a 140 km de Melbourne. Ligada ao continente por uma ponte de 640 m, a ilha tem área total de 100 km² e uma população fixa de pouco mais de 10.000 habitantes. A economia do local é baseada em criação de ovelhas, fazendas de gado e a exploração de turismo. Uma das principais atrações é o Centro de Conservação de Coalas, uma entidade conservacionista de reputação mundial. Desde 1997 Phillip Island hospeda uma etapa do mundial de MotoGP.


A pista do GP da Austrália não apenas está inserida em um cenário paradisíaco, suas características são únicas, a pista é fluída e sem grandes pontos de frenagem, a potência e capacidade de retomada de velocidade dos protótipos não é muito importante. Durante o decorrer da prova a maior força das Ducati não foi muito significativa. 


O fim de semana começou complicado para a Honda. O piloto britânico Cal Crutchlow, quinto colocado no mundial e um dos três que utilizam equipamento com os desenvolvimentos mais recentes da fábrica, caiu em um trecho onde as motos atingem velocidades de 240 km/hora. Segundo a serviço médico que o atendeu, Crutchlow "sofreu uma fratura no tornozelo direito e uma fratura parcial na parte anterior da tíbia", está fora do GP da Malásia e é provável que só retorne na próxima temporada. 


Embora o campeonato já estivesse decidido, a 18ª etapa do mundial apresentou múltiplas atrações. Nos dias que antecederam o GP Maverick Vinales, piloto da Yamaha, especulou com jornalistas que sua carreira poderia ser mais vitoriosa se pilotasse uma Honda ou uma Ducati. Dani Pedrosa anunciou o compromisso de colaborar com o desenvolvimento da KTM no próximo biênio, rompendo uma parceria com a Honda que iniciou em seu primeiro GP em 2001, na classe 125cc. A nova estrutura operacional da Repsol-Honda, implementada depois da saída de Livio Suppo no fim do ano passado, abriu um canal direto de comunicações entre os pilotos e os engenheiros de desenvolvimento. Pedrosa entende que as posições de Marc Márquez, pelos resultados obtidos, têm um peso maior na alocação de recursos técnicos e humanos da fábrica. As características da atual RC213V são ajustadas para o estilo de condução do campeão, inadequadas para pilotos com o seu biótipo. O pequeno espanhol reconhece que é uma medida administrativa racional e que, de certa forma, contribuiu para sua decisão de optar pela aposentadoria. 


A prova iniciou muito disputada, confirmando que a equalização do desempenho entre os equipamentos é uma realidade. Márquez liderou as primeiras voltas sem conseguir abrir sobre os concorrentes. Na quarta volta perdeu colocações e, no final da grande reta, foi abalroado pela Yamaha de Johann Zarco. O francês estava desenvolvendo mais de 300 km/h ao colidir, a violência do impacto quebrou parte do quadro da Honda e obrigou o abandono do já campeão da temporada. Dovizioso liderou umas poucas voltas até ser ultrapassado por Maverick Vinales, que abriu uma vantagem cômoda e liderou até o fim. 


Embora Vinales tenha conseguido uma vitória até tranquila, houve muita disputa nas posições seguintes que proporcionou alguma emoção aos (tele) espectadores. O resultado final apresentou a vitória da Yamaha (Vinales) depois da ausência da fábrica no ponto mais alto do pódio por 26 GPs. Os top ten incluíram equipamentos de todos os seis fabricantes, duas Yamaha, Vinales (1º) e Rossi (6º), duas Suzuki, Iannone (2º) e Rins (5º), três Ducati, Dovizioso (3º), Bautista (4º)  e Miller (7º). A primeira Honda foi a de Morbidelli (8º), seguida da Aprilia de Aleix Espargaró (9º) e da KTM de Bradley Smith (10º).


A prova da Austrália comprovou o que a maioria dos que acompanham a MotoGP já desconfiava e alguns mais iluminados tinham certeza, a Honda RC213V sem Marc Márquez têm a mesma utilidade que um avião sem asas, uma fogueira sem brasas, o futebol sem a bola ou o Piu-piu  sem o Frajola. Uma simples análise da pontuação no mundial de fabricantes indica que dos 339 pontos que garantem a liderança provisória da Honda, Márquez responde por 296, Cal Crutchlow por 35 e Franco Morbidelli por 8. Dani Pedrosa, o segundo piloto da equipe oficial Repsol-Honda não tem nenhuma contribuição nesta contagem.



 
Yamaha de Valentino Rossi com espelho traseiro




terça-feira, 23 de outubro de 2018

MotoGP Japão – 7 vezes Marc Márquez




Andrea Dovizioso tinha uma chance de adiar a festa da Honda em seu próprio circuito, impedir que Marc Márquez conseguisse três pontos mais que ele. Todos os recursos da Ducati estavam à sua disposição, seu companheiro estava fora da corrida e a equipe entrou na disputa com uma única moto oficial no grid. A queda de Márquez no último treino livre, danificando seu equipamento preferencial momentos antes da disputa da qualificação para a largada, facilitou a obtenção da pole. A seu favor tinha ainda o equipamento mais equilibrado, pista seca e condições de clima ideais. Andrea planejou utilizar a mesma estratégia das últimas provas, assumir a liderança e desconcentrar seus adversários alternando sequências de voltas rápidas com outras lentas, confiando na eficiência da retomada de velocidade das Ducati para não ser ultrapassado.



Uma estratégia semelhante foi utilizada por Jorge Lorenzo na prova final da temporada de 2013 em Valência. Na ocasião ele necessitava muitos pontos a mais que Márquez para ser campeão e pretendeu compactar os concorrentes atrás dele, esperando que a impaciência do novato o fizesse cometer algum erro. Não funcionou, Marc conquistou seu primeiro mundial com a terceira colocação. 



O plano de Dovizioso funcionou até a volta 20 quando cometeu um erro, abriu demais na curva 9 e foi ultrapassado por Márquez. Não era um grande drama, sua moto estava inteira e ele tinha condições de retomar a liderança. Por duas voltas ele seguiu a Honda observando que o piloto tinha dificuldades na condução, o protótipo balançava muito. Faltando pouco mais que uma volta para o final ele decidiu retomar a liderança, adotou uma trajetória diferente, acelerou forte, inclinou a moto na entrada da curva e foi traído pelo pneu dianteiro, perdeu a frente e caiu. Com a consequente vitória Márquez somou um número de pontos suficiente para conquistar o mundial com antecipação de três etapas.



A prova de Motegi não pode ser reduzida a disputa entre Márquez e Dovizioso, uma rivalidade que que já está fazendo história na MotoGP. A segunda colocação de Cal Crutchlow com a Honda da satélite LCR foi uma recompensa aos esforços do piloto britânico e a dobradinha um presente para a fábrica nipônica em sua própria pista.  Alex Rins completou o pódio com uma Suzuki após vencer uma disputa acirrada com seu colega de equipe, Andrea Iannone, que justificou o apelido de “Maniac” com uma pilotagem muito agressiva acabou caindo.



Valentino Rossi em quarto conseguiu colocar a sua M1 2018 duas posições à frente de Johann Zarco, com uma M1 2017. As Yamaha apresentaram algum progresso, não o suficiente para entusiasmar seus pilotos para as últimas três provas da temporada. Alvaro Bautista com uma Ducati GP17 foi o quinto, quatro colocações à frente da GP18 de Danilo Petrucci, o contratado para assumir o lugar de Lorenzo na equipe oficial na próxima temporada. Petrucci foi envolvido indiretamente em um início de bate-boca quando um representante da Ducati, ao comentar a ausência de Lorenzo do GP, teria dito que a equipe lucrou muito com a contratação do italiano para o lugar do espanhol. Um reporter ibérico presente concordou, trocar um pentacampeão com 68 vitórias em seu currículo por um piloto que está na MotoGP desde 2012, tem apenas seis pódios e nunca venceu, pode ter sido um excelente negócio financeiro, com certeza não técnico.



Para a torcida japonesa que lotou o circuito as decepções ficaram por conta de Dani Pedrosa classificado em 8º com a segunda Honda oficial e Takaaki Nakagami, herói local em 15º.



O campeão de 2018 já é conhecido, porém ainda existem  premiações a serem decididas. Cal Crutchlow lidera a disputa entre os pilotos independentes, com 15 pontos de vantagem sobre Johann Zarco e Danilo Petrucci. Entre as equipes a Honda (391) lidera, seguida da Yamaha (340). Na competição entre construtores, importante para negociações com os patrocinadores onde só a moto melhor colocada de cada fábrica pontua, a Honda está em busca da tríplice coroa com 47 pontos a mais que a Ducati.



Márquez disputou seis temporadas da principal categoria da MotoGP, venceu cinco. Já é o quinto piloto em número de vitórias nos mundiais da FIM em todas as classes, 69, atrás de Agostini (122), Rossi (115), Angel Nieto (90) e Mike Hailwood (76), uma a mais que Jorge Lorenzo. Nos últimos nove anos ele venceu pelo menos cinco GPs por temporada, é o primeiro piloto a conseguir este feito em 69 anos de história dos mundiais. Nesta temporada, em 15 etapas ele já conseguiu 8 vitórias, 13 pódios e 5 poles. Com 25 anos e 246 dias, Marquez é o mais jovem piloto a conquistar sete títulos, batendo a marca de Mike Hailwood, que tinha 26 anos e 140 dias quando venceu seu sétimo mundial em 1966, na classe 350cc. O espanhol da Honda é um dos oito pilotos a vencer 7 ou mais títulos em todas as classes, uma galeria que inclui John Surtees (7), Phil Read (7), Carlo Ubbiali (9), Mike Hailwood (9), Valentino Rossi (9), Angel Nieto (13) e Giacomo Agostini (15).

MotoGP – Tailândia 2018




Prolegômenos

Ato 1: Red Bull Ring, GP da Áustria, agosto de 2017. Andrea Dovizioso e Marc Márquez disputam metro a metro a última volta, a Ducati lidera com a Honda grudada em sua rabeta. Na última curva o espanhol tenta uma manobra improvável, retarda a frenagem além do razoável e consegue a ponta por alguns instantes, no entanto é obrigado a abrir a trajetória e permite que o italiano mergulhe por dentro e vença a prova.

Ato 2: Motegi, GP do Japão, outubro de 2017. Sob uma chuva torrencial Márquez mantém uma pequena diferença sobre Dovizioso até a última volta. Na curva 8 o espanhol quase perde o controle, vacila e é ultrapassado. A disputa nos últimos metros da prova é eletrizante. Na última curva o piloto da Honda repete a manobra tentada em Red Bull Ring, o resultado é o mesmo, é obrigado a fazer o contorno por fora, consegue uma liderança efêmera, Dovi mergulha por dentro e vence a etapa.

Ato 3: Losail, GP do Catar, abertura do mundial de 2018. Os dois pilotos que disputaram o título do ano anterior até a prova final em Valência se reencontraram na pista. O italiano e o espanhol protagonizaram um duelo épico durante a corrida e novamente chegaram juntos à última curva. Márquez sempre soube que as chances de sucesso eram mínimas, ainda assim acionou os freios mais tarde, conseguiu tomar a frente e, como era inevitável, abriu demais para realizar o contorno e foi ultrapassado quando Dovizioso utilizou a maior capacidade de retomada de velocidade da Ducati e cortou por dentro.



O GP da Tailândia

Uma das tarefas dos publicitários é criar frases que sejam adotadas pelo público como uma definição de produtos específicos. Algumas se perpetuam como, por exemplo, “Mil e uma utilidades”. Em outras ocasiões pela forma como é apresentada a criação permanece na memória das pessoas, embora a maioria não lembre qual o produto relacionado, por exemplo, “Pôneis malditos”. Há ainda os casos em que a criação é extremamente feliz e adotada como referência genérica, o objetivo original foi promover uma marca de sutiã, a ideia foi adotada para praticamente todas as atividades. “A primeira vez a gente nunca esquece”, uma definição apropriada para o GP da Tailândia.

A gestão da MotoGP atendeu às solicitações dos fabricantes para realizar provas localizadas no mercado em expansão do Sudeste Asiático, como a recente etapa realizada em Buriram, na Tailândia. A iniciativa foi um sucesso, nos dias que antecederam ao evento os pilotos receberam tratamento de Pop Stars pela população local. Em dia quente com baixa umidade mais de 100 mil pessoas assistiram a prova ao vivo.

Em termos esportivos o circuito internacional de Chang é uma pista que agradou aos pilotos, o asfalto tem uma composição que responde de forma adequada para altas temperaturas, existem amplas áreas de escape e o acesso e saída da pit lane estão bem localizados. O desenho lembra um pouco o Red Bull Ring, com uma parte extremamente veloz e um trecho lento e complicado. Por sua semelhança com o traçado da Áustria chegou a ser considerado um circuito Ducati, ou seja, mais apropriado para as características dos protótipos da fábrica italiana, suposição não se concretizou.

Uma métrica para dimensionar a qualidade da prova pode ser o gap de tempo entre o primeiro e o décimo quinto colocado, menos de 24 segundos, o quarto mais próximo nos 15 anos recentes dada história da MotoGP. As três últimas voltas da corrida MotoGP foram uma guerra total, com a liderança trocando várias vezes como resultado de ultrapassagens quase impossíveis. A Michelin preparou um composto especial para um clima de monção, mais fresco, não para o inusitado calor do ambiente com a temperatura da pista 10° C acima do previsto. Como resultado, a última curva provou ser um ponto ideal para ultrapassagens e sua proximidade com a linha de chegada criou a receita ideal para um fim de corrida fantástico na Tailândia.

O calor excepcional significou que todos os pilotos tiveram uma preocupação extra em gerenciar seus pneus. Para a estratégia da corrida existe mais de uma maneira de esfolar um gato: uma das possíveis é acelerar no início e abrir uma distância confortável, outra é preservar o máximo desempenho possível para o final da corrida. Uma variável importante é que, por falta de antecedentes histórico, ninguém sabia se seria possível ultrapassagens a não ser nas óbvias curvas 1, 3 e 12.

Partindo da pole, Marc Márquez optou pela estratégia mais segura, o chamado “Modo Lorenzo”, porém seu projeto foi abortado pelo excepcional desempenho de Valentino Rossi nas voltas iniciais, que comandou um número compacto de competidores. O multicampeão italiano liderou até a volta 11 quando sua moto começou a apresentar instabilidade na traseira e foi ultrapassado por Dovizioso e Márquez. Dovi optou por um ritmo mais conservador e resultou na aproximação dos primeiros colocados. Até quase o final da prova a diferença entre os três primeiros nunca cresceu mais que mais de um segundo. No último giro Márquez ultrapassou por dentro na curva 5 e impediu o revide na 6. Na 12, curva imediatamente anterior a linha de chegada, Dovizioso atacou pela parte interna da pista e freou forte, conseguindo a liderança, mas abriu demais, Márquez cortou por dentro e cruzou a linha em primeiro lugar. Dovi e Vinales chegaram décimos de segundo atrás.




Márquez, Dovizioso, Vinales e Rossi na última curva do GP da Tailândia



Reedição de Kevin Schwantz versus Wayne Rainey

Foi a quarta vez nas duas últimas temporadas que Marc Márquez e Andrea Dovizioso se encontram na última curva de uma prova, além de outros GPs onde protagonizam grandes batalhas. A mídia começa a formar o quadro de uma rivalidade histórica, semelhante a que existiu entre Kevin Schwantz e Wayne Rainey, dois gigantes da idade de ouro do motociclismo esportivo. A disputa atual é potencializada pelo fato de que Honda e Ducati são motos muito diferentes. Talvez seja mais apropriado comparar o estilo de Márquez com Freddie Spencer, que foi abençoado com um talento sobrenatural a ponto de muitos não acreditarem que ele era capaz de fazer com uma moto. Dovizioso é a encarnação do espírito de Eddie Lawson, que fez história com sua condução suave e inteligente.



Yamaha, finalmente

Atrás da épica disputa entre Honda & Ducati, as duas Yamaha de fábrica terminaram em 3º e 4º, primeiro pódio da equipe nas últimas 5 provas. Em 5º, sem aparecer na foto, um desanimado Johann Zarco com uma Yamaha satélite. Apesar do bom resultado, Vinales não ficou otimista, como não houve nenhuma mudança na moto que justificasse, sua confiança está abalada.



Conclusões

A madrugada do último domingo proporcionou uma rara oportunidade de colocar lado a lado duas competições que dividem a atenção dos apreciadores de esportes motorizados, o GP do Japão de Fórmula 1 e o GP da Tailândia de MotoGP. A comparação entre os dois foi inevitável. Em Suzuka, no Japão, o provável vencedor foi definido segundos depois da largada, quando Lewis Hamilton confirmou a pole e largou na frente. No circuito Chang, em Buriram, a definição só aconteceu literalmente nos últimos metros, em uma disputa eletrizante que envolveu Márquez, Dovizioso, Vinales e Rossi. Hamilton venceu com quase 13 segundos de diferença para o segundo colocado, Márquez chegou 0,115 segundos à frente de Dovizioso. O comportamento dos competidores e equipes também é muito diferente. Jorge Lorenzo, que não pode correr em função de um acidente nos treinos livres, mandou felicitações aos dois primeiros colocados pelo espetáculo apresentado. No parque fechado, antes da premiação do pódio, a confraternização entre pilotos e equipes era de satisfação pelo dever cumprido, independente do resultado.



segunda-feira, 1 de outubro de 2018

MotoGP - Sinistro





A definição de sinistro no léxico português contempla diversas interpretações, sinônimo de canhoto tem até um dia dedicado, 13 de agosto. Utilizado como adjetivo qualifica uma pessoa que tem mais desenvoltura com os membros esquerdos, na gíria significa irado, muito legal, interessante, moderno, bonito. O termo também pode ser utilizado como substantivo indicando agourento, capaz de prever ocorrências adversas ou catastróficas, em análise de comportamento representa algo assustador, uma circunstância que provoca perda ou dor. No jargão técnico da economia indica um desastre, implica em dano material.



Os jornalistas que atuam nas coberturas do mundial da FIM utilizam diversos bordões para justificar a insuficiência de habilidades premonitórias, o mais comum é afirmar com convicção: “Never say never on MotoGP”, ou seja, uma previsão genérica que sempre está 100% correta, tudo pode acontecer. Entretanto não é necessário nenhum dom especial para antever tendências na temporada atual, uma aposta com grandes chances de ser bem-sucedida com base em dados históricos é cravar na vitória de Marc Márquez em provas realizadas em circuitos com orientação anti-horário. A recente etapa do Grand Prix de Aragon, realizada no circuito de Motorland na Espanha, é um exemplo típico, a pista é um dos cinco traçados da temporada de 2018 com maior número de curvas à esquerda (10) do que à direita (7). Antes dela as provas realizadas no Circuito das Américas (Austin) e Sachsenring compartilham as mesmas características, Márquez venceu as três.



Os mais brilhantes matemáticos reconhecem que torturando adequadamente os números qualquer afirmação pode ser comprovada. O sucesso do atual campeão em pistas com sentido anti-horário poderia ser considerado apenas uma anomalia, não fosse o fato de existir um inegável predomínio de vitórias nos traçados que privilegiam contornos à esquerda nas 41 vitórias obtidas desde que Márquez chegou na MotoGP. O próprio piloto reconhece sua preferência por curvas com esta orientação, exercitadas à exaustão em treinamentos em pistas curtas ovais de terra. Antes da prova da Áustria alguns jornalistas solicitaram aos pilotos para indicar o layout de um circuito ideal, Márquez sugeriu a figura de um hexágono regular com sentido anti-horário, todas as curvas para a esquerda. A análise nos registros dos diversos traçados utilizados pela MotoGP onde venceu revela o perfil descaradamente assimétrico do atual campeão, enquanto ele é muito bom em pistas com orientação no sentido dos ponteiros do relógio, é quase imbatível nas anti-horário.



Marc Márquez surgiu na principal categoria do mundial da FIM em 2013, sendo o único piloto depois de Kenny Roberts  a ganhar o título em seu ano de estreia em 1978, com a óbvia exceção de Leslie Graham no primeiro Mundial de 500cc em 1949. O espanhol de 25 anos está disputando seu sexto mundial, venceu 4 e está em contagem decrescente para conquistar o quinto.  Seu histórico de vitórias em todas as participações é significativo, 41 em 103 GPs disputados ou 39,8%. Considerando 1973 como linha de corte, só duas outras lendas do motociclismo, já aposentados, tem índices mais altos, Kenny Roberts com 40% (22 em 55 GPs) e Mick Doohan com 39,4% (54 em 137 provas).



Individualizando as conquistas pela orientação do sentido das pistas existe uma diferença muito grande para ser qualificada como coincidência, Márquez até o GP de Aragon 2018 venceu 25,3% das disputas realizadas no sentido dos ponteiros do relógio e surpreendentes 70,9% nos circuitos anti-horário.

Uma peculiaridade marcante nas estatísticas do piloto espanhol é o seu domínio absoluto nas provas realizadas nos EUA. Desde que iniciou na MotoGP em 2013 venceu as 10 corridas que disputou, seis no Circuito das Américas, três em Indianápolis e um em Laguna Seca. Nas categorias de acesso, Moto2 e 125cc, classificou-se em primeiro lugar em duas das quatro provas realizadas. Em números totais, das catorze competições que participou em território americano venceu doze, pouco mais de 85%. Detalhe: todas em circuitos que privilegiam curvas para a esquerda, em consonância com a sua predileção por este tipo de pista.



A superioridade de Márquez nos EUA não é replicada na Europa ou na Espanha. Nas etapas realizadas no velho continente venceu 24 de 67 (35,8%) e fora da Europa 17 de 36 (47,2 por cento). Na Espanha, sua terra natal, venceu 8 das 21 etapas (38,1%).



Como toda a regra tem pelo menos uma exceção, a temporada de 2014 foi a exceção que confirma a regra, Marquez triunfou nas 10 primeiras provas. Os registros indicam que na temporada venceu treze etapas, 9 pistas no sentido horário e 4 no anti-horário. Foi o último ano em que o espanhol venceu mais de três vezes em pistas com mais curvas para a direita. A conclusão é óbvia, o campeão é extremamente rápido em qualquer tipo de pista, porém significativamente mais bem-sucedido quando há mais curvas para a esquerda.



Numerologia

A temporada de 2018 está programada para 18 corridas (seriam 19, mas o clima não permitiu a realização da etapa de Silverstone). O piloto que completar integralmente todas as provas terá realizado 445 voltas nos circuitos com 2.883 curvas à esquerda e 3.508 à direita. Nas primeiras doze provas, do Catar até San Marino, os circuitos contemplaram 75 contornos para a esquerda e 102 para a direita, resultando respectivamente 1.847 e 2.503 curvas. Nas duas pistas onde existem mais curvas para a esquerda, Circuito das Américas e Sachsenring, Márquez tem um registro impecável, venceu todos os GPs realizados nas últimas 6 temporadas. Nos outros 10 circuitos, com orientação no sentido dos ponteiros do relógio, conseguiu três vitórias.  Uma preocupação adicional para os pilotos que aspiram o título é que no último terço da temporada das 147 voltas ainda a serem percorridas 50,8% das curvas são para a esquerda, pode não parecer muito, mas a competência de Márquez neste tipo de contorno pode fazer a diferença.



A única maneira do atual campeão perder o título deste ano é ocorrer um evento catastrófico. A lógica indica que ele pode correr sossegado, sem se expor a nenhum tipo de risco, porém este decididamente não é o estilo do espanhol. Ele não costuma aceitar colocações inferiores e busca sempre a vitória.



Honda ou Márquez

A vitória em uma etapa da MotoGP não é decidida apenas pela eficiência do equipamento. Márquez com uma Honda lidera o campeonato deste ano com uma vantagem expressiva, 72 pontos a mais que Dovizioso com uma Ducati e 87 de Rossi com uma Yamaha. Ele tem o mesmo número de vitórias na temporada que os dois pilotos da Ducati somados. Também é significativo o fato de que as duas outras Honda que compartilham o mesmo estágio de desenvolvimento que a sua estejam bem atrás na classificação. A Ducati tem um equipamento muito equilibrado, que consegue ser competitivo com dois pilotos que utilizam técnicas de condução muito diferentes, Dovizioso e Lorenzo dividem igualmente o número de vitórias obtidas pela fábrica.



A entidade que administra a MotoGP procura equalizar a competividade dos protótipos via regulamentos que definem características semelhantes para todos os competidores. Ao todo são seis fabricantes que desenvolvem os equipamentos que alinham na largada, três japoneses (Yamaha, Honda e Suzuki), dois italianos (Ducati e Aprilia) e um austríaco (KTM). Apesar do esforço dos administradores na busca do equilíbrio, os protótipos têm qualidades distintas e os motores, lacrados no início da temporada, tem conceitos diferentes. A maior potência não é muita vantagem em uma moto de corrida a não ser em retas, se não puder ser transformada em torque na roda motriz ou deteriorar o pneu antes do final da corrida, não tem grande utilidade. A customização da eletrônica, cujo software e hardware são padronizados, desempenha um papel fundamental para conseguir maior tração e velocidade ao longo da pista.



Em um esporte onde a diferença entre competidores é medida em milésimos de segundo, provas são decididas pela capacidade dos pilotos em extrair de seus equipamentos o maior desempenho em curvas, frenagens e retomada de velocidade. A Yamaha YZF-M1, por ter um quadro mais maleável na parte frontal e rígido no centro, contorna as curvas mais rápido que qualquer outra moto. A Honda RCV-213V com o quadro mais rígido na parte frontal é mais contundente na frenagem. A Ducati GP-18 tem na aceleração e retomada de velocidade os seus pontos fortes. A combinação equilibrada destas três características, velocidade em curva, permitir frear o mais tarde possível e retomar a velocidade mais rápido definem um equipamento vencedor. Quando elas são muito próximas, a técnica do piloto faz a diferença. Desde 2013 a Repsol-Honda conquistou quatro títulos de construtores (2013, 2014, 2015 & 2016), três de equipes (2013, 2014 & 2017) e quatro de pilotos (2013, 2014, 2016 & 2017). Existe uma forte suspeita que o diferencial da equipe está centrado no talento de Marc Márquez.