A definição de sinistro no léxico português contempla
diversas interpretações, sinônimo de canhoto tem até um dia dedicado, 13 de
agosto. Utilizado como adjetivo qualifica uma pessoa que tem mais desenvoltura
com os membros esquerdos, na gíria significa irado, muito legal, interessante,
moderno, bonito. O termo também pode ser utilizado como substantivo indicando
agourento, capaz de prever ocorrências adversas ou catastróficas, em análise de
comportamento representa algo assustador, uma circunstância que provoca perda
ou dor. No jargão técnico da economia indica um desastre, implica em dano
material.
Os jornalistas que atuam nas coberturas do mundial da FIM
utilizam diversos bordões para justificar a insuficiência de habilidades
premonitórias, o mais comum é afirmar com convicção: “Never say never on
MotoGP”, ou seja, uma previsão genérica que sempre está 100% correta, tudo pode
acontecer. Entretanto não é necessário nenhum dom especial para antever
tendências na temporada atual, uma aposta com grandes chances de ser
bem-sucedida com base em dados históricos é cravar na vitória de Marc Márquez
em provas realizadas em circuitos com orientação anti-horário. A recente etapa
do Grand Prix de Aragon, realizada no circuito de Motorland na Espanha, é um
exemplo típico, a pista é um dos cinco traçados da temporada de 2018 com maior
número de curvas à esquerda (10) do que à direita (7). Antes dela as provas
realizadas no Circuito das Américas (Austin) e Sachsenring compartilham as
mesmas características, Márquez venceu as três.
Os mais brilhantes matemáticos reconhecem que torturando
adequadamente os números qualquer afirmação pode ser comprovada. O sucesso do
atual campeão em pistas com sentido anti-horário poderia ser considerado apenas
uma anomalia, não fosse o fato de existir um inegável predomínio de vitórias
nos traçados que privilegiam contornos à esquerda nas 41 vitórias obtidas desde
que Márquez chegou na MotoGP. O próprio piloto reconhece sua preferência por
curvas com esta orientação, exercitadas à exaustão em treinamentos em pistas
curtas ovais de terra. Antes da prova da Áustria alguns jornalistas solicitaram
aos pilotos para indicar o layout de um circuito ideal, Márquez sugeriu a
figura de um hexágono regular com sentido anti-horário, todas as curvas para a
esquerda. A análise nos registros dos diversos traçados utilizados pela MotoGP
onde venceu revela o perfil descaradamente assimétrico do atual campeão,
enquanto ele é muito bom em pistas com orientação no sentido dos ponteiros do
relógio, é quase imbatível nas anti-horário.
Marc Márquez surgiu na principal categoria do mundial da
FIM em 2013, sendo o único piloto depois de Kenny Roberts a ganhar o título
em seu ano de estreia em 1978, com a óbvia exceção de Leslie Graham no primeiro
Mundial de 500cc em 1949. O espanhol de 25 anos está disputando seu sexto
mundial, venceu 4 e está em contagem decrescente para conquistar o
quinto. Seu histórico de vitórias em todas as participações é
significativo, 41 em 103 GPs disputados ou 39,8%. Considerando 1973 como linha
de corte, só duas outras lendas do motociclismo, já aposentados, tem índices
mais altos, Kenny Roberts com 40% (22 em 55 GPs) e Mick Doohan com 39,4% (54 em
137 provas).
Individualizando as conquistas pela orientação do
sentido das pistas existe uma diferença muito grande para ser qualificada como
coincidência, Márquez até o GP de Aragon 2018 venceu 25,3% das disputas
realizadas no sentido dos ponteiros do relógio e surpreendentes 70,9% nos
circuitos anti-horário.
Uma peculiaridade marcante nas estatísticas do piloto
espanhol é o seu domínio absoluto nas provas realizadas nos EUA. Desde que
iniciou na MotoGP em 2013 venceu as 10 corridas que disputou, seis no Circuito
das Américas, três em Indianápolis e um em Laguna Seca. Nas categorias de
acesso, Moto2 e 125cc, classificou-se em primeiro lugar em duas das quatro
provas realizadas. Em números totais, das catorze competições que participou em
território americano venceu doze, pouco mais de 85%. Detalhe: todas em
circuitos que privilegiam curvas para a esquerda, em consonância com a sua
predileção por este tipo de pista.
A superioridade de Márquez nos EUA não é replicada na
Europa ou na Espanha. Nas etapas realizadas no velho continente venceu 24 de 67
(35,8%) e fora da Europa 17 de 36 (47,2 por cento). Na Espanha, sua terra
natal, venceu 8 das 21 etapas (38,1%).
Como toda a regra tem pelo menos uma exceção, a
temporada de 2014 foi a exceção que confirma a regra, Marquez triunfou nas 10
primeiras provas. Os registros indicam que na temporada venceu treze etapas, 9
pistas no sentido horário e 4 no anti-horário. Foi o último ano em que o
espanhol venceu mais de três vezes em pistas com mais curvas para a direita. A
conclusão é óbvia, o campeão é extremamente rápido em qualquer tipo de pista,
porém significativamente mais bem-sucedido quando há mais curvas para a
esquerda.
Numerologia
A temporada de 2018 está programada para 18 corridas
(seriam 19, mas o clima não permitiu a realização da etapa de Silverstone). O
piloto que completar integralmente todas as provas terá realizado 445 voltas
nos circuitos com 2.883 curvas à esquerda e 3.508 à direita. Nas primeiras doze
provas, do Catar até San Marino, os circuitos contemplaram 75 contornos para a
esquerda e 102 para a direita, resultando respectivamente 1.847 e 2.503 curvas.
Nas duas pistas onde existem mais curvas para a esquerda, Circuito das Américas
e Sachsenring, Márquez tem um registro impecável, venceu todos os GPs
realizados nas últimas 6 temporadas. Nos outros 10 circuitos, com orientação no
sentido dos ponteiros do relógio, conseguiu três vitórias. Uma
preocupação adicional para os pilotos que aspiram o título é que no último
terço da temporada das 147 voltas ainda a serem percorridas 50,8% das curvas
são para a esquerda, pode não parecer muito, mas a competência de Márquez neste
tipo de contorno pode fazer a diferença.
A única maneira do atual campeão perder o título deste
ano é ocorrer um evento catastrófico. A lógica indica que ele pode correr
sossegado, sem se expor a nenhum tipo de risco, porém este decididamente não é
o estilo do espanhol. Ele não costuma aceitar colocações inferiores e busca
sempre a vitória.
Honda ou Márquez
A vitória em uma etapa da MotoGP não é decidida apenas
pela eficiência do equipamento. Márquez com uma Honda lidera o campeonato deste
ano com uma vantagem expressiva, 72 pontos a mais que Dovizioso com uma Ducati
e 87 de Rossi com uma Yamaha. Ele tem o mesmo número de vitórias na temporada
que os dois pilotos da Ducati somados. Também é significativo o fato de que as
duas outras Honda que compartilham o mesmo estágio de desenvolvimento que a sua
estejam bem atrás na classificação. A Ducati tem um equipamento muito equilibrado,
que consegue ser competitivo com dois pilotos que utilizam técnicas de condução
muito diferentes, Dovizioso e Lorenzo dividem igualmente o número de vitórias
obtidas pela fábrica.
A entidade que administra a MotoGP procura equalizar a
competividade dos protótipos via regulamentos que definem características
semelhantes para todos os competidores. Ao todo são seis fabricantes que
desenvolvem os equipamentos que alinham na largada, três japoneses (Yamaha,
Honda e Suzuki), dois italianos (Ducati e Aprilia) e um austríaco (KTM). Apesar
do esforço dos administradores na busca do equilíbrio, os protótipos têm
qualidades distintas e os motores, lacrados no início da temporada, tem
conceitos diferentes. A maior potência não é muita vantagem em uma moto de corrida
a não ser em retas, se não puder ser transformada em torque na roda motriz ou
deteriorar o pneu antes do final da corrida, não tem grande utilidade. A
customização da eletrônica, cujo software e hardware são padronizados,
desempenha um papel fundamental para conseguir maior tração e velocidade ao
longo da pista.
Em um esporte onde a diferença entre competidores é
medida em milésimos de segundo, provas são decididas pela capacidade dos
pilotos em extrair de seus equipamentos o maior desempenho em curvas, frenagens
e retomada de velocidade. A Yamaha YZF-M1, por ter um quadro mais maleável na
parte frontal e rígido no centro, contorna as curvas mais rápido que qualquer
outra moto. A Honda RCV-213V com o quadro mais rígido na parte frontal é mais
contundente na frenagem. A Ducati GP-18 tem na aceleração e retomada de
velocidade os seus pontos fortes. A combinação equilibrada destas três
características, velocidade em curva, permitir frear o mais tarde possível e
retomar a velocidade mais rápido definem um equipamento vencedor. Quando elas
são muito próximas, a técnica do piloto faz a diferença. Desde 2013 a
Repsol-Honda conquistou quatro títulos de construtores (2013, 2014, 2015 &
2016), três de equipes (2013, 2014 & 2017) e quatro de pilotos (2013, 2014,
2016 & 2017). Existe uma forte suspeita que o diferencial da equipe está
centrado no talento de Marc Márquez.
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