quarta-feira, 20 de junho de 2018

MotoGP - O protagonismo espanhol



Márquez, Pedrosa & Lorenzo



 Circulou no Brasil entre o final da década de 60 e início dos anos 70 uma publicação mensal chamada Realidade. O periódico apresentava características inovadoras para a época, matérias escritas na primeira pessoa, fotos que deixavam perceber a existência do fotógrafo e design gráfico pouco tradicional. Era uma forma de escrita chamada de “New Journalism” que combinava clareza e objetividade em uma estrutura com foco narrativo. O mote publicitário da revista era: “ Nos jornais, rádios e TV você encontra a notícia, em Realidade você descobre porque o fato foi notícia.

A notícia atual é que Jorge Lorenzo voltou a vencer, agora com uma Ducati. Não foi fato episódico, já foram duas etapas consecutivas na atual temporada. A vitória do piloto nascido em Palma de Mallorca na pista de Barcelona e a segunda colocação do atual líder do mundial Marc Márquez na mesma prova confirmaram a superioridade dos ibéricos nas competições motorizadas sobrede duas rodas. 


Pilotos espanhóis dominam a MotoGP, já fazem isso a algum tempo. Desde 2010, com exceção de Casey Stoner, todos os mundiais da principal categoria foram vencidos por espanhóis (na verdade só por dois deles, Marc Márquez e Jorge Lorenzo). A dominação dos ibéricos, porém, é mais ampla e se estende às classes Moto2 e Moto3. Nos últimos 15 anos mais da metade dos títulos das categorias de acesso foram vencidas por pilotos espanhóis que competem atualmente na MotoGP, incluindo o atual campeão Marc Márquez, Jorge Lorenzo, Maverick Vinales e Dani Pedrosa.


Qual a gênese deste protagonismo?


A hegemonia espanhola na motovelocidade não é obra do acaso. A atual supremacia tem raízes difusas que incluem conjuntura política, protecionismo, desenvolvimento industrial, condições financeiras, localização geográfica e o clima mediterrâneo. Nos anos pós-guerra o General Franco governava uma Espanha isolada do resto da Europa. Enquanto o continente combateu o fascismo com um custo altíssimo em perdas materiais e de vidas humanas, Franco e a Espanha mantiveram uma omissa neutralidade. Por esta razão o país foi isolado e a única reação possível foi apelar para o patriotismo, autossuficiência econômica e o proteger seu mercado, impedindo a invasão de artigos estrangeiros. A incipiente indústria de fabricação de motos foi blindada da concorrência externa, principalmente dos produtos japoneses. Surgiram empresas como Bultaco, Derbi e outras que prosperaram com a fabricação de motos de baixo custo com motores de dois tempos, sem muito agregado tecnológico. Inevitavelmente moradores começaram a usar esses veículos em disputas de rua, que passaram a ser organizadas em vilas e cidades em todo o país.


No final da década de 60 as fábricas, principalmente Bultaco e Derbi, já haviam desenvolvido tecnologia suficiente para construir equipamentos para competir em GPs. As diversas competições locais formaram pilotos que estavam adquirindo alguma notoriedade. O nome mais relevante deste tempo foi Angel Nieto, que iniciou sua carreira disputando provas em Madrid e migrou para Barcelona, onde se concentravam as indústrias, em busca de melhores oportunidades. Nieto conseguiu uma vaga para trabalhar e competir na Derbi.


A parceria de Nieto com a Derbi durou uma década, com grande sucesso nas categorias 50cc e 125cc, e prosseguiu em alta depois da sua transferência para a Bultaco. Angel Nieto venceu 90 GPs oficiais da FIM e é terceiro piloto mais laureado de todos os tempos, perdendo apenas para Giacomo Agostini e Valentino Rossi.


Angel Nieto foi primeiro herói nacional da história recente da Espanha, venerado por todo o país. O poder político tentou apropriar-se da sua popularidade e ele participou de diversas audiências com o ditador Franco, que acreditava no motociclismo para promover a Espanha como uma nação tecnicamente avançada. Nieto mais tarde tornou-se amigo íntimo do rei Juan Carlos, um apaixonado por provas de motos.


O sucesso de Angel Nieto nas competições internacionais foi o marco inicial da paixão dos espanhóis pelas motos, que resultou na atual hegemonia dos ibéricos na MotoGP. Quando Nieto se aposentou no início da década de 1980, a indústria e os promotores de competições buscaram um novo ídolo para manter acesa a chama do esporte. A Bultaco e a RFME (Real Federação Espanhola de Motociclismo) organizaram uma série de competições para descobrir a próxima geração de campeões do mundo. O vencedor da primeira Copa Bultaco foi um jovem catalão pelo nome de Alfonso Pons, abreviado para Sito Pons, o primeiro espanhol a conquistar um título mundial da categoria 250cc em 1988. Angel Nieto e Sito Pons iniciaram uma longa trilha de sucesso de pilotos espanhóis nas classes 50cc, 125cc e 250cc, culminando nas 500cc, a então maior capacidade cúbica do motociclismo esportivo.


Já em final de carreira, Angel Nieto tentou participar de uma prova com uma 500cc. Na época as industrias nativas não produziam motos com esta cilindrada e políticas protecionistas impediam a importação de máquinas japonesas, então não tinha como uma equipe genuinamente espanhola disputar a categoria. Nieto era amigo pessoal do rei Juan Carlos, que fez um contato com o CEO Soichiro Honda e conseguiu uma NS500 para o piloto disputar o GP de Espanha em Jarama. Não foi uma ideia feliz, o equipamento era muito mais potente e veloz que as máquinas que Nieto estava habituado, houve um acidente que resultou em várias costelas quebradas.


A Espanha buscava gradativamente o reconhecimento como protagonista do mundial do motociclismo e para alcançar este objetivo era necessário vencer nas classes com maior cilindrada. Os sucessos de Nieto foram muito festejados em casa, porém no resto do mundo as classes menores não eram muito consideradas. Uma história da época foi registrada pelo jornalista e corredor americano Dennis Noyes, que se mudou para na Espanha em 1970. Ele propôs reativar com um reporter britânico uma parceria dos tempos que cobria a AMA, ele faria a cobertura das provas de Angel Nieto e Victor Paloma e, em retribuição, receberia notícias sobre Barry Sheene e Phil Read. O britânico concordou em parte, enviaria matérias sobre os pilotos citados, porém não tinha o menor interesse sobre os espanhóis, não eram significativos para os seus leitores. Nenhuma surpresa que este tipo de comportamento não agradava a elite de motociclismo espanhol, numa época em que estavam tentando atrair GPs alavancados por um patriotismo fervoroso e a crescente admiração por pilotos vitoriosos. 





Uma análise nos registros da MotoGP indica que pilotos britânicos ganharam 43 mundiais entre 1949 e 1976, os espanhóis venceram 48, todos eles a partir de 1969. A prevalência de impérios acontece nos esportes assim como na economia do mundo real. Nos primeiros anos da Moto GP britânicos e italianos dominaram, sua indústria desenvolvida apoiava o crescimento de talentos locais.


Geralmente os pilotos tem êxito por serem apoiados por uma indústria, porém nem sempre foi assim. Entre o final dos anos 1970 até a década de 1990 a MotoGP foi palco de espetáculos para americanos e australianos, pilotos que não eram respaldados por nenhuma associação com fábricas. A razão destes resultados foi a técnica de pilotagem. Americanos como Kenny Roberts e australianos como Mick Doohan cresceram disputando provas em pistas de terra e desenvolveram invulgar habilidade de controle do pneu traseiro. Durante estas duas décadas as motos 500cc de dois tempos entregavam muita potência para a roda motriz e seu domínio exigia uma técnica diferenciada. Esta característica do comportamento dos equipamentos explica porque, com duas exceções, americanos e australianos venceram todos mundiais de 500cc entre 1978 e 1998.



O comportamento nervoso do ‘dois tempos’ 500cc também explica a falta de conquistas espanholas na categoria até o final da década de 1990, quando significativos avanços na tecnologia de motor, chassis e pneus domaram o seu desempenho e permitiram o sucesso de técnicas de condução semelhantes às utilizadas nas classes 250cc e 125cc.


Alex Crivillé foi o primeiro espanhol a conseguir um título mundial na 500cc em 1999. Sua carreira desenvolvida nas categorias de menor cilindrada o capacitou como um herói nacional, em uma terra onde o esporte da velocidade em duas rodas rivaliza com o futebol em termos de popularidade e cobertura da mídia. Crivillé conseguiu seus primeiros pódios com uma Derbi em 1987 e venceu o Campeonato Mundial de 125cc em 1989 com uma moto Cobas equipada com motor Rotax. Cobas foi uma das muitas pequenas equipes espanholas com administração competente e apoiada por patrocinadores locais a obter algum sucesso.


A associação de Crivillé com a 500cc em 1992 foi oportuna, neste ano a Honda introduziu a versão do motor “big bang” (temporização assimétrica de disparos dos cilindros), que facilitou muito o trabalho dos pilotos. O ex-campeão 250cc Alfonso (Sito) Pons tinha sido promovido para as 500cc em 1990 e durante a temporada sofreu um sério acidente, que resultou em catorze costelas quebradas e um hemopneumotórax grave no pulmão esquerdo. A recuperação produziu um declínio em seu desempenho no ano seguinte (1991), então decidiu se afastar e cedeu sua equipe e moto para Alex Crivillé, que conseguiu a primeira vitória de um piloto espanhol na 500cc na sua temporada de estreia.


Além da qualidade e talento dos pilotos, as condições econômicas, leia-se disponibilidade de recursos, foram importantes para os ibéricos. Três anos depois da vitória isolada de Crivillé na 500cc a empresa de petróleo Repsol assinou um contrato como principal patrocinadora da Honda. Mesmo com o respaldo financeiro da petrolífera, Crivillé levou mais de cinco anos para conquistar o título da principal categoria. A Repsol ainda está associada a Honda, nos dias atuais cinco das doze equipes que alinham no grid de largada da MotoGP têm patrocínios de empresas espanholas como, por exemplo, o grupo Telefônica (Movistar) e a cervejaria Estrella Galicia.


Boas notícias costumam vir acompanhadas de boas notícias e foi o que aconteceu com os espanhóis. A vitória de Crivillé veio poucos meses depois que a Dorna, uma empresa de marketing esportivo vencer a empresa de Bernie Ecclestone e conseguir a administração e direitos exclusivos de transmissões de TV do mundial de motociclismo da FIM. A ocupação espanhola foi quase completa: pilotos espanhóis, equipes espanholas, patrocinadores espanhóis e uma empresa espanhola como titular dos direitos.


Dizem que quando se atinge o cume de uma montanha o passo seguinte necessariamente é para baixo, como aconteceu com os britânicos quando conseguiram o protagonismo no esporte. A Grã-Bretanha desperdiçou sua posição dominante. O colapso da indústria de motocicletas do país não ajudou, mas a Auto-Cycle Union (ACU), entidade dirigente do moto esporte na Grã-Bretanha, que abrange as ilhas anglo-normandas e a ilha de Man, excluindo a Irlanda do Norte, não conseguiu fortalecer um campeonato nacional para formar pilotos com capacidade de enfrentar disputas internacionais. 


Este é um ponto onde os espanhóis são particularmente eficazes. Conseguem notoriedade a nível mundial porque desenvolvem fundamentos básicos em casa criando campeonatos nacionais altamente competitivos e promovendo seus melhores pilotos para competições internacionais e GPs.


O FIM World Championship Grand Prix é promovido pela FIM (Federation Internationale de Motocyclisme), administrado pela Dorna Sports e com a colaboração da IRTA (International Racing Teams Associatrion) e da MSMA (Motorcycle Sports Manufacturers Association). A Dorna conseguiu obter o controle sobre o motociclismo esportivo e como resultado a Espanha tornou-se o centro global de competições sobre duas rodas. Existem no país diversos campeonatos, desde minimotos até as categorias de maior cilindrada, fornecendo uma curva de aprendizado crescente. 


Para ressaltar como as coisas mudaram desde a década de 1970, Kenny Roberts levou seu filho Kenny Junior para disputar a série de Ducados Open da Espanha. Ele venceu o título mundial de 500cc em 2000. Dois dos três britânicos que disputam o mundial deste ano fizeram estágio na Espanha antes de migrar para a MotoGP. Scott Redding, que pilota para a Aprilia italiana ganhou o título de MiniGP 80cc espanhola em 2005 e tornou-se um piloto da principal categoria três anos mais tarde. Bradley Smith, que conduz uma KTM austríaca, foi convidado em 2005 pela Dorna para competir no campeonato espanhol de como parte da Academia de MotoGP da empresa. A direção da Dorna sempre soube que para o campeonato ser verdadeiramente mundial precisava de criar novas estrelas de outros países, não só na Espanha, até porque vendem os direitos de TV para todo o globo.

Três pilotos espanhóis fizeram história em 2010 ao vencer todas as três categorias de MotoGP: Márquez venceu o título da 125cc, Toni Elias Moto2 e Lorenzo MotoGP. Foi o primeiro registro de campeões das três categorias serem de um único país. A Espanha repetiu a tríplice coroa em 2013 e 2014, conseguindo três vezes em cinco anos, feito inédito que nenhum outro país já alcançou.


De alguma forma a Espanha mantém tipo uma linha de produção, formando mais jovens pilotos do que em qualquer outro lugar. A Itália está neste páreo, embora quase exclusivamente pelos esforços de Valentino Rossi e sua academia VR46. Franco Morbidelli foi, em 2017 na Moto2, o primeiro campeão mundial formado na VR46.


Embora compartilhando a pista com o italiano Valentino Rossi, o segundo maior vencedor da história do motociclismo esportivo e ainda em atividade, o espanhol Marc Márquez é atualmente o homem a ser batido nas pistas. Ele ganhou o seu primeiro mundial da MotoGP em 2013, o primeiro campeão estreante desde Kenny Roberts em 1978. Foi o campeão mais jovem, título que pertencia a outro americano, Freddie Spencer. Também desbancou Mike Hailwood como piloto mais jovem a vencer quatro títulos de MotoGP.


Marc Márquez
   

Márquez conquistou seu mais recente título na última etapa do ano passado, em Valência. Garantiu o título utilizando o que ele próprio chamou de "estilo Márquez", lutar pela vitória mesmo que não há necessidade e arriscar tudo na tentativa. Em algum momento o piloto de apenas 24 anos perdeu o tempo da freada e a frente da moto na curva 1 do circuito, a mais de 100mph (160,92km/h), evitando a queda com seu cotovelo esquerdo e joelho arrastando no asfalto. “Quando perdi a frente”, - explicou – “Decidi ficar com minha moto até o fim. Não sei se vamos terminar no cascalho, na parede, ou.... Não sei, mas vou ficar com ela”. Os espectadores prenderam a respiração e acompanharam o seu esforço, afinal recompensado, para permanecer na prova. Márquez é como um Deus na Espanha, ele é mais do que apenas um espanhol muito especial, como explica seu colega e também piloto da Honda Cal Crutchlow: “Há 7 bilhões de pessoas neste planeta, apenas uma delas poderia ter salvo aquela queda”.


Desde a primeira prova em 1949 até os dias atuais [junho de 2018] já foram disputados 3063 GPs oficiais em todas as classes. A Itália continua a ser nação mais vencedora da principal categoria com 788 vitórias, contra 589 da Espanha. A Itália registra vitórias desde o primeiro mundial, a primeira foi no GP de Berna, na Suíça, em julho de 1949, 19 anos antes do primeiro espanhol a subir o degrau mais alto do pódio de um GP no parque Montjuic, em Barcelona.


Talvez haja uma outra razão para Itália e Espanha dominarem os registros oficiais do mundial de motociclismo. Os verdadeiros motivos podem estar ligados a paixão que estes dois povos dedicam ao esporte.




terça-feira, 19 de junho de 2018

MotoGP - Barcelona 2018



Existem duas estratégias para vencer um mundial da MotoGP. Casey Stoner acredita que conquistou dois títulos, em 2007 com Ducati e em 2011 com Honda, buscando sempre a vitória, filosofia que era utilizada por Ayrton Senna na F1, lutar sempre pela primeira colocação independente dos adversários disporem de equipamentos melhores.

Outro modo de pensar é que a chave do sucesso é a consistência, não correr riscos e obter sempre o melhor resultado possível. O melhor exemplo de sucesso desta tática é o espanhol Emilio Alzamora, que foi campeão mundial da classe 125cc da temporada de 1999 sem vencer uma única etapa. 

Os pilotos que disputam o título da MotoGP em 2018 têm opiniões conflitantes sobre a melhor maneira de vencer um campeonato. Em tempos anteriores Marc Márquez tentava vencer todas as corridas, estratégia que provou ser desastrosa em 2015 quando sua RC213V não tinha condições de acompanhar as Yamaha, o excesso de risco assumido e os erros consequentes o alijaram da disputa. Desde então ele mudou de postura, domesticou sua abordagem tentando vencer sempre, mas entendendo que às vezes tem se contentar com o que for possível.

Martin Fierro, um poema argentino diz que “O diabo sabe porque é o diabo, mas sabe bem mais por ser velho”. Valentino Rossi é um veterano astuto que segue sempre a mesma lógica, acumular o que é possível e ver o que acontece.  Seguindo este raciocínio ele esteve próximo do seu décimo mundial em 2015, e sempre foi candidato ao título desde o seu regresso à Yamaha em 2013.

No domingo à noite, ao explicar a sua queda durante a prova da Catalunha, Andrea Dovizioso negou que estivesse correndo riscos para tentar acompanhar Lorenzo e Márquez. “Minha abordagem nas provas é sempre pensando no mundial”, disse o piloto da Ducati. “Entre garantir pontos ou tentar melhorar a posição, corro sempre pensando no campeonato”.

Estava claro desde os primeiros treinos oficiais que a etapa de Barcelona seria diferenciada. A pista recapada estava bem mais lisa, o asfalto recente tem muito grip, porém contém mais óleo que leva algum tempo para evaporar. Asfalto novo também é mais escuro, absorve mais calor com a incidência direta do sol. Neste cenário a escolha de pneus é fundamental, complicando o trabalho dos pilotos e equipes. Os treinos da Moto3 e Moto2 também contribuíram para deixar o piso mais emborrachado.
Um piloto ficou imperturbável com todas estas dificuldades: Jorge Lorenzo. Além da recente vitória em Mugello, sua primeira com a Ducati, estava correndo em casa e em um dos seus circuitos favoritos. O maiorquino teve um fim de semana quase perfeito. O que pareceu ser uma ligeira regressão no FP3 foi apenas uma mudança de objetivo, enquanto todos tentavam tempos que garantir uma passagem segura para o Q2, Lorenzo passou a manhã fazendo uma simulação de corrida com pneus macios. Também foi vencido por Andrea Ianonne no FP4 quando todos os pilotos, com exceção dos que pretendem provar alguma coisa, se preocupam apenas em preparar o equipamento para a corrida e não em fazer voltas rápidas.

A conquista da pole, a primeira de Lorenzo na Ducati, não foi uma mera formalidade. Houve uma disputa acirrada com Marc Márquez, que só foi decidida na última volta da classificação quando o campeão do mundo encontrou muito tráfego.


Largada do GP da Catalunha em Barcelona - 2018

No grid de largada Márquez sabia que a única chance que tinha era chegar na frente na primeira curva e tentar desestabilizar o ritmo de Lorenzo durante a corrida. Era improvável, desde a prova de Jerez o piloto da Ducati chegou na primeira curva na frente, mesmo largando na segunda fila. Até então a liderança não durava muito e Lorenzo reclamou da ergonomia da moto em Jerez e Le Mans, que o obrigava a fazer muito  esforço com os braços. Em Mugello a Ducati finalmente instalou em seu equipamento um espaçador montado no tanque de combustível e ele liderou da primeira à última volta, o chamado “Modo Lorenzo”. Um indicador que os tempos difíceis para Lorenzo eram coisas do passado foi o comportamento das casas de apostas, para a prova de Barcelona já havia muita gente arriscando em sua vitória. 

Depois de perder a pole, Márquez tinha mais uma chance. Chegar antes de Lorenzo na curva 1, ter tempo para aquecer seus pneus hard e aumentar seu ritmo, quebrando a confiança dos concorrentes. A primeira etapa do plano foi realizada com sucesso, a segunda era ficar na frente da Ducati #99 e ele até contou com um pequeno auxílio de Andrea Ianonne. O piloto da Suzuki foi muito bem na largada e posicionou-se atrás do líder, manobra que proporcionou a Márquez uma pequena trégua, logo substituída por preocupação. O “Maniac” largou com pneus macios, que aquecem mais rápido que os hard, para tentar a liderança no início. Ele fez uma tentativa precoce de ultrapassar o líder na curva 10, seu entusiasmo excedeu sua capacidade de frear e fazer o contorno da curva, perdeu a linha ideal e abriu demais. A manobra entretanto atrasou Márquez o tempo suficiente para Lorenzo se aproximar grudar na sua traseira. Com o rival colado, Márquez entendeu que seu plano estava fazendo água. “Foi difícil alcançar a janela de temperatura dos compostos hard na primeira volta. Estava esperando pela pressão da Ducati e já na primeira reta ele me ultrapassou”. Com o pneu traseiro ainda fora da temperatura ideal a RC213V não conseguiu conter a potência da GP18 e a técnica de Lorenzo em contornar curvas. Como a linha de chegada é próxima da última curva, Márquez fechou a primeira volta na liderança, mas no final da reta o #99 já estava na frente.

Márquez e Lorenzo se conhecem de longa data, o campeão sabia que nas condições do momento não teria chance de retomar a liderança, então pôs em funcionamento o seu plano B, se não for possível vencer, acumular o maior número de pontos possível. Ele acelerou para acompanhar Lorenzo de perto e abrir alguma diferença sobre os outros. Contava em colocar pressão sobre Valentino Rossi, Andrea Dovizioso e Maverick Vinales. Em termos de campeonato Lorenzo (ainda) não era uma preocupação.

Com Jorge Lorenzo reeditando seu estilo metrônomo, ritmo constante volta após volta, Márquez o acompanhou perdendo décimos de segundo para o líder, mas afastando-se cada vez mais da Ducati de Andrea Dovizioso. Nesta altura a preocupação do italiano não era a vitória, ele não queria perder ainda mais pontos para o campeão do mundo depois de duas desistências nesta temporada. Com Márquez tentando acompanhar Lorenzo e Dovizioso atrás vendo a RCV213V do piloto da Repsol Honda se afastar lentamente, algo tinha que acontecer.

Sobrou para Dovizioso. Na volta 9, muito pressionado para acompanhar o ritmo dos líderes, o italiano caiu na curva 5. Dovi foi honesto ao explicar o acidente: “Cheguei na curva uns 5 a 6km/h mais rápido do que devia e freei demais. Estava no limite e errei”. Sua queda não foi em função de uma disputa interna com o companheiro de equipe, estava concentrado na batalha do campeonato com Márquez. Incomodado porque perdia 1 ou 2 décimos por volta decidiu acelerar e correr mais riscos, voltou para casa com zero pontos.

O acidente do Dovizioso foi um alívio para Marc Márquez. “Quase perdi a frente na mesma volta que Dovi caiu” ele disse que a conferência de imprensa. “Então comecei a ver muitas bandeiras amarelas no circuito, na MotoGP bandeiras amarelas são sinônimos de queda de alguém. Depois de Mugello não estava tão confiante e tive duas quedas neste no final de semana. Quase perdi a moto na última curva,  decidi então que 20 pontos eram melhor que zero. Nas últimas voltas tentei me aproximar de Lorenzo acreditando que ele devia estar com os pneus no fim, mas os meus não estavam muito melhores. Então resolvi só manter a distância do Valentino e terminar a corrida em segundo lugar”.

Com Dovizioso fora, Márquez reduziu o seu ritmo em três décimos e deixou Lorenzo finalmente escapar. Na conferência de imprensa ele negou que a queda do italiano tenha alterado a sua estratégia. “Não mudou, estava focado apenas na minha pilotagem, esqueço os outros”. Entretanto, terminar em segundo não é algo proporcione prazer para Márquez. “Quando termino em segundo, fica faltando alguma coisa”. Ayrton Senna explicou de modo didático este sentimento: “Segundo é o primeiro que perde”.

O recapeamento da pista de Barcelona deu aos pilotos uma falsa confiança, explicou Márquez. “Talvez seja porque era muito difícil de parar a moto em linha reta, a traseira desliza muito. Asfalto novo transmite confiança para acelerar, mas os avisos de pequenos excessos são muito agressivos. É muito difícil encontrar o limite”.

Em uma pista com menos aderência os pneus começam a deslizar mais cedo, mas é um processo gradual, mais fácil de controlar. Em uma pista com asfalto novo o grip é maior, mas também implica em estar muito perto da máxima aderência dos pneus. Se o limite for ultrapassado a queda é quase inevitável. Andrea Dovizioso não foi o único piloto a perder essa batalha em Barcelona, nove outros pilotos também não terminaram a prova por causa de quedas. Apenas 14 pilotos se habilitaram a pontuar no GP de Barcelona, onze dos que largaram não cumpriram os requisitos mínimos na prova.

Valentino Rossi cruzou a linha em terceiro lugar, perdeu o contato com os líderes no início e nunca foi ameaçado. Foi seu terceiro pódio consecutivo, consolidando a segunda posição no campeonato. Ele perdeu mais 4 pontos para o líder, mas estendeu sua vantagem sobre Maverick Vinales, seu companheiro na equipe oficial da Yamaha para 11 pontos. Rossi estava feliz em ser competitivo, mas sabia que não teria nenhuma chance contra os homens que estavam na sua frente. “Ficou claro durante a prática que as duas Ducati e Marquez eram mais rápidos que eu”. 

Depois da queda de Dovizioso a prova ficou monótona sem uma disputa real pela liderança. Toda a excitação ficou concentrada na disputa pela quarta colocação. Cal Crutchlow (4º) ficou frustrado por não ter tido a chance de ir ao pódio. Ele escolheu mal o pneu dianteiro e perdeu muito tempo nas primeiras voltas com o tanque cheio. 

Para Pedrosa (5º) a batalha com Crutchlow, Danilo Petrucci, e Maverick Vinales foi instrutiva. Foram lições para as futuras corridas, o ritmo de prova é bom e seu calcanhar de Aquiles tem sido a qualificação. Em Barcelona partiu da quarta fila e foi envolvido no bolo da largada. O grupo de jornalistas reunido para ouvir suas explicações no final da prova, uns vinte, contrastou com a multidão que compareceu na unidade de hospitalidade da HRC no dia anterior esperando o anuncio da sua aposentadoria.

Maverick Vinales (6º) era um homem infeliz. O piloto da Yamaha tentou um novo procedimento para ser mais competitivo nas primeiras voltas e o resultado foi o mesmo: Ficar lento no início e terminar a prova fazendo tempos por volta que o colocariam no pódio. Vinales rejeitou a ideia que o seu resultado era devido as condições de uma pista em particular. "Não existes circuitos bons ou ruins. Se a moto funciona, então, funciona em todos os lugares. Os líderes são sempre os mesmos independente das pistas, quero um equipamento para poder estar lá”.

Outro com cara de poucos amigos nos boxes depois da prova foi Johann Zarco. A causa da sua sétima colocação foi simplesmente a sua equipe não conseguir progredir na adequação da moto. Parte do problema, de acordo com Zarco, é que a diferença entre as motos e pilotos é cada ano menor. "Desde o Texas, podemos sentir que as corridas são diferentes do ano passado, parece muito mais difícil, porque os pneus são constantes e todos os pilotos na pista são mais fortes, eles estão controlando melhor, trabalham melhor para a corrida”.

A segunda vitória de Jorge Lorenzo afastou de vez as críticas diretas dos jornalistas e indiretas dos principais membros da administração da Ducati, em especialmente de Claudio Domenicali. A diferença mais evidente entre as provas com baixo desempenho e fase vencedora de Lorenzo é um espaçador montado no tanque, que ele estava solicitando a tempos. Duas fotos divulgadas via twitter pelo jornalista Simon Patterson mostram que a versão padrão mais estreita oferece menos sustentação, mas permite maior liberdade de movimentos. A peça modificada é mais ampla, a parte traseira volumosa permite que o piloto possa apoiar melhor as pernas durante as frenagens. 

Lorenzo salientou que as melhores condições de competitividade não estão relacionadas apenas ao novo desenho do tanque, esta foi apenas a última etapa que faltava. Os resultados são devidos a um somatório de pequenos ajustes que foram realizados nos últimos meses, em Jerez estreou um chassis mais flexível, que facilita o equilíbrio no contorno de curvas, o motor deste ano é menos agressivo e durante o inverno (europeu) o sistema eletrônico foi ajustado para deixar a moto mais fácil de pilotar. O tanque de combustível foi a parte final de um complexo quebra-cabeça para permitir o seu melhor desempenho nas pistas.

Detalhe importante, Mugello e Barcelona são duas faixas em que Lorenzo sempre apresentou bons resultados e as condições de clima trabalharam em seu favor. Como vai se comportar em Assen e Sachsenring ou que vai acontecer em uma pista fria e úmida são questões ainda em aberto.

A vitória de Lorenzo evidenciou que feridas geradas em uma temporada e meia sem resultados são difíceis de cicatrizar. No parque fechado em Barcelona Lorenzo ignorou o CEO da Ducati Claudio Domenicali, como já havia feito em Mugello. Na conferência de imprensa, respondendo a uma pergunta sobre a comparação entre a sua atual moto e a que Valentino Rossi utilizou quando pilotou para a Ducati, o espanhol encontrou uma oportunidade para extravasar a sua mágoa: “Acho que a Ducati de Vale era mais complicada. Como já afirmei, esta é a Ducati mais completa. Vale é um grande piloto, o fato dele ser muito bom não foi suficiente”. Ficou cristalina a associação com Domenicali que o classificou como um grande piloto. Na ocasião Lorenzo respondeu que não era só um grande piloto, era um campeão.

As tensões entre Ducati e Lorenzo eram óbvias para Marc Márquez. Falando para a imprensa espanhola ele afirmou que “A Ducati é uma equipe de profissionais, para uma fábrica não importa se é um ou outro piloto, a equipe quer vencer todas as corridas e todos os campeonatos. Quando se trata de paixão a sentimento é diferente, já vi a equipe comemorando vitórias de Dovi e hoje comemorando uma de Jorge. São climas diferentes”.

Jorge Lorenzo, Marc Márquez e Valentino Rossi formaram um dos pódios mais condecorados de todos os tempos. Juntos compartilham 20 títulos mundiais (9 de Rossi, 6 de Márquez e 5 de Lorenzo), 246 vitórias, 488 pódios e 205 poles.

A conferência de imprensa depois da prova também esclareceu algumas dúvidas dos jornalistas. Rossi e Lorenzo foram questionados se o relacionamento entre eles havia evoluído nos últimos anos, se a inimizade anterior tinha arrefecido e se ambos agora se consideravam amigos. As respostas foram reveladoras sobre a verdadeira natureza da amizade entre atletas profissionais competindo no mesmo esporte. "Não acho que somos amigos, é complicado ser amigo de um rival", respondeu o espanhol. "Duas personalidades fortes e dois pilotos que querem vencer. O mais importante é ter respeito e tenho grande respeito por Vale, acredito que ele também tenha por mim. Aqui estão três competidores (Lorenzo, Rossi e Márquez) que acumulam muitos campeonatos, estamos escrevendo juntos a história da MotoGP, é uma coisa boa para o esporte”. Rossi seguiu pela mesma linha, “Enfrentamos períodos difíceis e também compartilhamos bons momentos. A vida é assim. É difícil quando se luta pelo mesmo resultado, Jorge é um dos rivais mais fortes e duros que enfrentei na minha carreira. Ficamos muito tempo juntos na mesma equipe, o que só tornou as coisas mais complicadas. Mas eu acho que é normal, o importante é, com certeza, manter o respeito”.

Para um atleta profissional vencer é o mais importante, talvez mais que o amor e a amizade. A intensidade da ambição é a única emoção forte suficiente para sustentar o nível do sacrifício que atletas e pilotos de MotoGP tem que fazer. Há apenas um campeão por ano e os pilotos que almejam este título não podem sentir piedade dos rivais que estão no seu caminho. 

Não significa que não possa haver amizade entre pilotos. Entretanto é necessário que suas aspirações no esporte não tenham trajetórias conflitantes. Cal Crutchlow tem sido um grande amigo de Jack Miller, colabora com a sua carreira e o aconselha como proceder para obter melhores resultados. Embora alinhem no mesmo grid, as ambições de ambos são diferentes, Crutchlow busca vitórias e Miller por enquanto se satisfaz com o pódio. Ainda não houve uma disputa direta entre ambos.

No momento Marc Márquez é o único candidato óbvio para vencer obter o mundial. Fez a melhor corrida possível dadas as circunstâncias, não tinha condições de vencer e decidiu pontuar o máximo possível. Valentino Rossi, com uma pequena ajuda involuntária de Dovizioso, consolidou seu segundo lugar na classificação com mais um pódio.

O terceiro lugar de Rossi escancarou o fato que a Yamaha tem problemas. Completa um ano sem vitórias, fato que só ocorreu antes de contratar Valentino Rossi para correr em 2004 com um projeto de moto radicalmente novo. A última vitória foi com Rossi em Assen, local do próximo GP. A Yamaha acredita que a história possa se repetir.

Carlos Alberto

segunda-feira, 11 de junho de 2018

IOM TT - Resumo da edição de 2018 da Isle of Man TT

O Isle of Man TT é disputado desde 1907 e comemorou a sua edição número 100 em 2018. A prova não foi realizada nos períodos de 1915-1919 e 1040-1945, anos em que os britânicos estiveram envolvidos nas duas guerras mundiais. A ausência de um piloto foi sentida este ano, John McGuinness, o segundo maior vencedor da prova. McGuinnes anda está em processo de recuperação de traumatismos em uma perna e algumas vertebras, resultantes de um acidente durante a North West 200 de 2017.Este ano foram resgistrados recordes de velocidade em todas as classes: Superbike, Superstock, Supersport, Lightweight, Elétrica e Side-car.


Os registros mais impressionantes foram obtidos por Dean Harrison com uma Kawasaki que quebrou o recorde de volta com a 134,432 mph (216,328 km/h) durante a prova de Superbike RST, a proeza foi superada pelo piloto Peter Hickman com uma BMW S 1000 RR da classe Senior TT que alcançou 135,452 mph (237,969mkm/h).
Durante a competição Michael Dunlop, sobrinho da lenda do IoM TT Joey Dunlop, venceu três provas, RST Superbike, Monster Energy Supersport 1, e Lightweight TT. Com estas vitórias o piloto soma 18 e passa a ser o terceiro com mais sucessos na prova, atrás apenas de Joey Dunlop com 24 e John McGuinness com 23, ultrapassando Dave Molyneux com 17 e Ian Hutchinson com 16.

Duas fatalidades ocorreram no IoM TT 2018, Dan Kneen, 30, acidentou-se em alta velocidade com sua BMW em sua primeira volta de qualificação da SuperBike, o piloto morreu no local. O segundo óbito ocorreu quando o escocês Adam Lyon de 26 anos perdeu o controle da sua BMW S 1000 R na terceira das quatro voltas da primeira corrida de classe Monster Energy Supersport.


domingo, 10 de junho de 2018

MotoGP – Dream team




Jorge Lorenzo &  Marc Márquez


 “Não é razoável esperar que dois touros dividam o mesmo lote de vacas e sejam amigos”. Pelo que lembro uma frase semelhante a esta foi citada em uma entrevista de Ron Dennis sobre os desencontros de Senna e Prost na McLaren em 1988, ano em que a equipe venceu 15 das 16 provas da temporada e Senna conquistou seu primeiro mundial. Este é o desafio da HRC para as próximas temporadas da MotoGP.


Uma grande expectativa tomou conta do ambiente da motovelocidade com a decisão da HRC em não renovar com Dani Pedrosa e contratar Jorge Lorenzo para ser parceiro de Marc Márquez no biênio de 2019/2020. Com certeza não foi apenas para ajudar o atual campeão a manter a sua hegemonia, Lorenzo espera com este movimento a oportunidade de voltar a pilotar uma moto competitiva e ter condições de ser protagonista. Há algum tempo a MotoGP não utiliza o recurso de identificar nas pistas o campeão da temporada anterior com o número 1, a medida atendeu uma solicitação de patrocinadores para aproveitar material publicitário já existente. Valentino Rossi foi o segundo campeão a manter seu próprio número na temporada seguinte, para valorizar o apelo comercial e a sua identificação pessoal com o #46. Este detalhe também evita que o parceiro de equipe do campeão seja automaticamente rotulado como segundo piloto, o que seria certamente inaceitável para alguém com grandes aspirações.

O contrato com a HRC foi surpreendente. A saída da Ducati era inevitável desde que o piloto afrontou a gestão da equipe e a torcida italiana ao recusar, apesar de insistentemente solicitado, ceder a posição na pista para Andrea Dovizioso em Valência na última prova do ano passado. Os resultados medíocres na atual temporada, até o GP de Mugello a sua melhor colocação foi um sexto lugar, serviram de mote para diversas declarações de desagrado da direção da Ducati. Paolo Ciabatti, diretor esportivo, divulgou para jornalistas italianos que não achava uma boa ideia continuar com Lorenzo se a química não funcionasse no nível esperado, pódios e vitórias. Gigi Dall'Igna, o homem forte da marca de Borgo Panigale e responsável pela contratação do espanhol, sublinhou a jornalistas que não estava contente com os resultados obtidos. Declarações atribuídas ao pessoal de apoio na pista que trabalham para Andrea Dovizioso reportam que o entendimento entre os parceiros não era o ideal.

O espanhol nascido em Palma de Mallorca reeditou no GP da Itália o chamado “Modo Lorenzo”, fez uma corrida impecável, assumiu a liderança na largada e venceu de ponta a ponta. Os espectadores que lotaram o circuito de Mugello, grande maioria fãs de Valentino Rossi, na comemoração do parque fechado mostraram que o piloto espanhol não estava entre suas prioridades, ensaiaram um coro saudando a dobradinha da Ducati gritando o nome de Dovizioso. Nas entrevistas obrigatórias depois da prova Lorenzo discorreu sobre a importância da autoconfiança e determinação para superar tempos difíceis, e foi específico ao afirmar que participaria das temporadas seguintes pilotando outra moto.

Tudo indicava que o caminho de Lorenzo seria um retorno para a Yamaha via uma equipe satélite, com apoio expresso da fábrica. Lin Jarvis já havia se pronunciado que esta seria uma solução aceitável e, dependendo de negociações, poderia fornecer um equipamento atualizado igual ao da equipe oficial. Com a migração da Tech3 para a KTM e as dificuldades da Marc VDS para manter a sua participação na categoria, os direitos dos slots no grid de largada da MotoGP pertencem ao sócio que se desligou da equipe, o potencial de Lorenzo alavancaria os recursos necessários para a formação de uma nova equipe. 

O que teria motivado o espanhol a abrir mão da suavidade da M1 para aceitar o desafio o de pilotar uma RC213V, talvez a moto mais nervosa do grid? Esta decisão amadureceu enquanto ele amargava maus resultados e suas solicitações de alterar a ergonomia da GP18 não eram atendidas, antes de Mugello. Sobre a sua escolha, Gigi Dall’Igna resumiu as dificuldades que ele irá enfrentar na nova equipe: “Mudar de uma Ducati para uma Honda ou vice-versa é mais fácil do que mudar de uma Yamaha para uma Ducati. São motos com conceitos diferentes, que influenciam muito o estilo de condução”.

Lorenzo com certeza sabe que seu futuro colega de equipe tem um talento único. Uma opinião generalizada é que a RC213V é complicada, a escolha de pneus de Márquez para as provas sempre é diferenciada, ele é um piloto que registra um número enorme de quedas nos treinos livres em busca dos limites do equipamento e seus cotovelos e joelhos são considerados extensões da moto. A Honda alinha seis máquinas no grid, duas oficiais, duas na LCR e duas na Marc VDS, nenhuma consegue o acompanhar na pista. Na prova vencida na França o segundo equipamento Honda melhor colocado ficou em sexto (Crutchlow), em Jerez em nono (Morbidelli) e nos EUA em sexto (Pedrosa). Só a incrível autoconfiança de Lorenzo, talvez misturada com algum sentimento de orgulho, o fez recusar a oportunidade mais segura de retorno para um equipamento que o projetou no esporte. Ele ganhou 44 corridas e três títulos na Yamaha, a M1 parece ter perdido o seu caminho desde que ele saiu e a fábrica não tem sequer uma equipe de satélite contratada para 2019. Rossi reconstruiu sua carreira voltando da Ducati para a Yamaha em 2013, provavelmente não teria feito este movimento se não tivesse sido para a equipe oficial.

Para a HRC a contratação de Lorenzo é o chamado “Gol de Placa”. A equipe garante os serviços de simplesmente todos os campeões mundiais desde Casey Stoner em 2011. Márquez, Lorenzo e Rossi são os únicos campeões que ainda alinham no grid, Márquez é o atual, a última temporada vencida por Lorenzo foi em 2015 e a de Valentino no longínquo 2009. Utilizando como referência inicial a temporada de 2013, a primeira de Márquez no mundial, os dois pilotos (Márquez e Lorenzo) venceram 60 das 96 provas disputadas, Márquez 38 e Lorenzo 22. Sete pilotos dividiram as 36 restantes, Rossi 10, Pedrosa 9, Dovizioso 8, Vinales 4, Crutchlow 3, Miller e Ianonne 1 cada.

Muitas vezes as proezas de um piloto nas pistas eclipsam outras características igualmente notáveis das pessoas, Jorge Lorenzo é, além um talentoso de piloto, um entusiasta dos esportes motorizados. Ele mantém em Andorra o “Museu World Champions by 99”, uma fantástica exposição de peças que ele reuniu durante o passar dos anos. Os visitantes encontram objetos que foram utilizados por 32 campeões da história da F1, incluindo pilotos como Jim Clark, Gilles Villeneuve, Emerson Fittipaldi, Niki Lauda, Nélson Piquet, Alain Prost, Ayrton Senna, Michael Schumacher, Fernando Alonso, Sebastian Vettel e Lewis Hamilton, entre outros. Na seção dedicada a duas rodas estão expostos macacões e capacetes de 17 dos 26 campeões de MotoGP e da antiga categoria de 500cc, expoentes como Barry Sheene, Kenny Roberts, Fredie Spencer, Eddie Lawson, Wayne Rainey, Kevin Schwantz, Michael Doohan, Àlex Crivillé e peças de Valentino Rossi, Casey Stoner, Marc Marquez e dele próprio. O local é um ponto de visita obrigatório em
Andorra Velha para os visitantes que curtem o esporte de alto nível em duas ou quatro rodas.




Ainda faltam 14 etapas este ano e o grid de 2019 já está praticamente formado. Os poucos assentos que ainda não estão ocupados são de equipes satélite com orçamentos limitados. Valentino Rossi, sempre ele, é um crítico do acerto dos pilotos com outras equipes muito no início da temporada. Ele argumenta que pode prejudicar a troca interna de informações em caso de novos desenvolvimentos e, eventualmente, facilitar resultados para a futura equipe.

Todos reconhecem em Dani Pedrosa além de ser um excelente piloto, um caráter excepcional. Pedrosa desenvolveu toda a sua carreira, iniciada em 2001, no comando de equipamentos Honda nas classes 125cc, 250cc e MotoGP. Ele contabiliza 3 títulos mundiais nas classes de acesso e pelo menos uma vitória por temporada em GPs oficiais desde 2002. É o sétimo piloto melhor sucedido de toda a história dos mundiais da FIM Road Racing World Championship. Sua carreira só não é mais exitosa que as de (1º) Giacomo Agostini, (2º) Valentino Rossi, (3º) Angel Nieto, (4º) Mike Hailwood, (5º) Jorge Lorenzo e (6º) Marc Márquez. Contra o espanhol vale uma colocação importada do futebol e atribuída ao saudoso João Saldanha: “Seleção não é o lugar para goleiro azarado”.

Carlos Alberto


domingo, 3 de junho de 2018

MotoGP - A Navalha de Occam

Jorge Lorenzo em Mugello 2018


Existe um princípio lógico, creditado aos Frade Franciscano britânico William Ockham que viveu no Século XIV. Conhecido como Navalha de Occam, o princípio define que a justificativa para qualquer fenômeno deve assumir apenas as premissas estritamente necessárias à sua explicação, e eliminar todas as que não causam qualquer diferença aparente na hipótese ou teoria.

O princípio tem explicações acadêmicas e simplificadas. A acadêmica é baseada na expressão latina "Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem" (entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade) e recomenda que se escolha sempre teoria que implique o menor número de premissas para elucidar um fato. O princípio é reconhecido como uma das máximas heurísticas (regra geral) que aconselham economia, parcimônia e simplicidade, especialmente para explicar teorias científicas. Uma definição simplificada é que: "Se existirem várias possíveis explicações para um acontecimento, a mais simples é a melhor".

Depois de 23 GPs disputados com uma Ducati, o Jorge Lorenzo finalmente entrou no restrito clube dos pilotos que conquistaram vitórias pilotando equipamentos produzidos em Borgo Panigale. Dos 3.060 GPs já disputados do FIM Road Racing World Championship desde 1949, em todas as categorias, a Ducati conseguiu apenas 45 vitórias, 4 na classe 125cc nos anos de 1958/1959 e 41 na classe principal a partir de 2006. São só 6 os sócios deste clube exclusivo, o recordista e único a conquistar o título de campeão do mundo pela equipe italiana foi Casey Stoner com um total de 23 vitórias entre 2007 e 2010. Os outros são Andrea Dovizioso com 8, Loris Capirossi com 7, Troy Bayliss, Andrea Iannone e agora Jorge Lorenzo com uma cada. 

A Navalha de Occam pode ser utilizada para explicar a vitória de Jorge Lorenzo no GP da Itália disputado em Mugello: A melhor moto da pista, conduzida por um ótimo piloto. Após um ano de intenso aprendizado, as características da Ducati GP18 são muito diferentes da Yamaha M1 que lhe deu 3 mundiais, a equipe finalmente atendeu a sua mais candente solicitação e alterou a ergometria da moto. O modelo anterior não fornecia apoio suficiente para seu corpo nas frenagens, exigindo muita força muscular nos braços, a fadiga prejudicava seu desempenho com a prova em andamento. Com este detalhe corrigido, aliado à potência e ao equilíbrio da GP18, os espectadores e telespectadores de Mugello puderam testemunhar a reedição do “Modo Lorenzo”, uma técnica desenvolvida nos bons tempos da Yamaha quando ele assumia a liderança na largada e vencia a prova de ponta a ponta.

O início do GP da Itália foi muito acidentado, com menos de 5 voltas 7 pilotos caíram, incluindo 4 das 6 motos Honda (Marc Márquez, Thomas Luthi, Takaaki Nakagami e Dani Pedrosa), além das Ducati de Karel Abraham e Jack Miller e da Aprilia de Scott Redding. O desenrolar da prova não foi muito excitante e as únicas emoções das voltas finais foi o assédio de Andrea Iannone a Valentino Rossi pelo terceiro degrau do pódio. 

Fair Play não é o forte da torcida italiana, que comemorou quando os esforços de Marc Márquez foram insuficientes para evitar a queda na quarta volta. O piloto não estranhou a manifestação, lembrou que no ano passado em Misano uma queda no warm-up também foi aplaudida, e que na corrida evitou a vitória de um italiano com uma Ducati ao ultrapassar Danilo Petrucci com um ataque devastador na última volta. Ele já havia sido vaiado em Mugello depois da queda que tirou Michele Pirro da prova na tarde de sexta-feira. “Comemorar a queda de um piloto é triste porque estamos correndo riscos na pista. É curioso que celebram a queda de um piloto mais do que uma vitória de outro”. O #93 disse que sua queda foi em um trecho de descida e com a brita muito próxima da pista, ele e o pneu dianteiro já não estavam se entendendo, entretanto tinha que arriscar para não perder o contato com os líderes”.

As declarações pós-prova do vencedor também foram previsíveis. A imprensa italiana e até altos dirigentes da Ducati haviam passado as duas semanas anteriores exteriorizando o seu desagrado com os resultados do piloto e praticamente descartando sua permanência na equipe. Jorge Lorenzo diz que sua primeira vitória Ducati é a resposta perfeita às críticas que recebeu depois de um tempo frustrante com o fabricante italiano, mas admite que o resultado vem acompanhado de emoções confusas. Houve empenho da equipe para atender suas solicitações, porem as modificações chegaram tarde demais. A versão mais intensa na “Radio Paddock” indica um retorno potencial para Yamaha com uma equipe independente. Houve até uma declaração de Lin Jarviz, antigo chefe, dizendo que Lorenzo era bem-vindo na Yamaha, desde que aceitasse pilotar para uma equipe satélite. A Yamaha acusou a perda de Johann Zarco para a KTM e está à procura de um piloto de ponta para substituir francês. 

Em uma avaliação honesta e franca sobre sua situação na Ducati, Lorenzo imagina que a vitória deve marcar uma mudança nas percepções dos seus críticos, mas chegou tarde demais para continuar sua carreira na fábrica italiana. “Vou pilotar outra moto nos próximos dois anos”. Jorge evitou se expressar em público, seus mecânicos disseram que comemorar uma vitória com uma moto italiana em Mugello é um sonho que muito piloto consagrado não conseguiu. 

O piloto reputa esta como uma das três vitórias mais significativas de sua carreira, junto com o GP Brasil de 2003 e no Estoril em Estoril em 2008.


Em tempo: Valentino registra um novo recorde!
A terceira colocação, pole e melhor volta não foram as únicas conquistas de Valentino Rossi no GP da Itália. Ao registrar a melhor volta na qualificação ele se tornou o piloto mais velho (39 anos, 3 meses e 17 dias) a largar na primeira posição de um GP oficial desde Jack Findlay no Isle of Man TT em 1974. A idade não aparenta ter influência em sua velocidade na pista.
Rossi passou 595 dias sem a felicidade de largar um GP na primeira posição. Sua última pole havia sido em Motegi em 2016.