Existem duas estratégias para vencer um mundial da MotoGP. Casey Stoner acredita que conquistou dois títulos, em 2007 com Ducati e em 2011 com Honda, buscando sempre a vitória, filosofia que era utilizada por Ayrton Senna na F1, lutar sempre pela primeira colocação independente dos adversários disporem de equipamentos melhores.
Outro modo de pensar é que a chave do sucesso é a consistência, não correr riscos e obter sempre o melhor resultado possível. O melhor exemplo de sucesso desta tática é o espanhol Emilio Alzamora, que foi campeão mundial da classe 125cc da temporada de 1999 sem vencer uma única etapa.
Os pilotos que disputam o título da MotoGP em 2018 têm opiniões conflitantes sobre a melhor maneira de vencer um campeonato. Em tempos anteriores Marc Márquez tentava vencer todas as corridas, estratégia que provou ser desastrosa em 2015 quando sua RC213V não tinha condições de acompanhar as Yamaha, o excesso de risco assumido e os erros consequentes o alijaram da disputa. Desde então ele mudou de postura, domesticou sua abordagem tentando vencer sempre, mas entendendo que às vezes tem se contentar com o que for possível.
Martin Fierro, um poema argentino diz que “O diabo sabe porque é o diabo, mas sabe bem mais por ser velho”. Valentino Rossi é um veterano astuto que segue sempre a mesma lógica, acumular o que é possível e ver o que acontece. Seguindo este raciocínio ele esteve próximo do seu décimo mundial em 2015, e sempre foi candidato ao título desde o seu regresso à Yamaha em 2013.
No domingo à noite, ao explicar a sua queda durante a prova da Catalunha, Andrea Dovizioso negou que estivesse correndo riscos para tentar acompanhar Lorenzo e Márquez. “Minha abordagem nas provas é sempre pensando no mundial”, disse o piloto da Ducati. “Entre garantir pontos ou tentar melhorar a posição, corro sempre pensando no campeonato”.
Estava claro desde os primeiros treinos oficiais que a etapa de Barcelona seria diferenciada. A pista recapada estava bem mais lisa, o asfalto recente tem muito grip, porém contém mais óleo que leva algum tempo para evaporar. Asfalto novo também é mais escuro, absorve mais calor com a incidência direta do sol. Neste cenário a escolha de pneus é fundamental, complicando o trabalho dos pilotos e equipes. Os treinos da Moto3 e Moto2 também contribuíram para deixar o piso mais emborrachado.
Um piloto ficou imperturbável com todas estas dificuldades: Jorge Lorenzo. Além da recente vitória em Mugello, sua primeira com a Ducati, estava correndo em casa e em um dos seus circuitos favoritos. O maiorquino teve um fim de semana quase perfeito. O que pareceu ser uma ligeira regressão no FP3 foi apenas uma mudança de objetivo, enquanto todos tentavam tempos que garantir uma passagem segura para o Q2, Lorenzo passou a manhã fazendo uma simulação de corrida com pneus macios. Também foi vencido por Andrea Ianonne no FP4 quando todos os pilotos, com exceção dos que pretendem provar alguma coisa, se preocupam apenas em preparar o equipamento para a corrida e não em fazer voltas rápidas.
A conquista da pole, a primeira de Lorenzo na Ducati, não foi uma mera formalidade. Houve uma disputa acirrada com Marc Márquez, que só foi decidida na última volta da classificação quando o campeão do mundo encontrou muito tráfego.
Largada do GP da Catalunha em Barcelona - 2018 |
No grid de largada Márquez sabia que a única chance que tinha era chegar na frente na primeira curva e tentar desestabilizar o ritmo de Lorenzo durante a corrida. Era improvável, desde a prova de Jerez o piloto da Ducati chegou na primeira curva na frente, mesmo largando na segunda fila. Até então a liderança não durava muito e Lorenzo reclamou da ergonomia da moto em Jerez e Le Mans, que o obrigava a fazer muito esforço com os braços. Em Mugello a Ducati finalmente instalou em seu equipamento um espaçador montado no tanque de combustível e ele liderou da primeira à última volta, o chamado “Modo Lorenzo”. Um indicador que os tempos difíceis para Lorenzo eram coisas do passado foi o comportamento das casas de apostas, para a prova de Barcelona já havia muita gente arriscando em sua vitória.
Depois de perder a pole, Márquez tinha mais uma chance. Chegar antes de Lorenzo na curva 1, ter tempo para aquecer seus pneus hard e aumentar seu ritmo, quebrando a confiança dos concorrentes. A primeira etapa do plano foi realizada com sucesso, a segunda era ficar na frente da Ducati #99 e ele até contou com um pequeno auxílio de Andrea Ianonne. O piloto da Suzuki foi muito bem na largada e posicionou-se atrás do líder, manobra que proporcionou a Márquez uma pequena trégua, logo substituída por preocupação. O “Maniac” largou com pneus macios, que aquecem mais rápido que os hard, para tentar a liderança no início. Ele fez uma tentativa precoce de ultrapassar o líder na curva 10, seu entusiasmo excedeu sua capacidade de frear e fazer o contorno da curva, perdeu a linha ideal e abriu demais. A manobra entretanto atrasou Márquez o tempo suficiente para Lorenzo se aproximar grudar na sua traseira. Com o rival colado, Márquez entendeu que seu plano estava fazendo água. “Foi difícil alcançar a janela de temperatura dos compostos hard na primeira volta. Estava esperando pela pressão da Ducati e já na primeira reta ele me ultrapassou”. Com o pneu traseiro ainda fora da temperatura ideal a RC213V não conseguiu conter a potência da GP18 e a técnica de Lorenzo em contornar curvas. Como a linha de chegada é próxima da última curva, Márquez fechou a primeira volta na liderança, mas no final da reta o #99 já estava na frente.
Márquez e Lorenzo se conhecem de longa data, o campeão sabia que nas condições do momento não teria chance de retomar a liderança, então pôs em funcionamento o seu plano B, se não for possível vencer, acumular o maior número de pontos possível. Ele acelerou para acompanhar Lorenzo de perto e abrir alguma diferença sobre os outros. Contava em colocar pressão sobre Valentino Rossi, Andrea Dovizioso e Maverick Vinales. Em termos de campeonato Lorenzo (ainda) não era uma preocupação.
Com Jorge Lorenzo reeditando seu estilo metrônomo, ritmo constante volta após volta, Márquez o acompanhou perdendo décimos de segundo para o líder, mas afastando-se cada vez mais da Ducati de Andrea Dovizioso. Nesta altura a preocupação do italiano não era a vitória, ele não queria perder ainda mais pontos para o campeão do mundo depois de duas desistências nesta temporada. Com Márquez tentando acompanhar Lorenzo e Dovizioso atrás vendo a RCV213V do piloto da Repsol Honda se afastar lentamente, algo tinha que acontecer.
Sobrou para Dovizioso. Na volta 9, muito pressionado para acompanhar o ritmo dos líderes, o italiano caiu na curva 5. Dovi foi honesto ao explicar o acidente: “Cheguei na curva uns 5 a 6km/h mais rápido do que devia e freei demais. Estava no limite e errei”. Sua queda não foi em função de uma disputa interna com o companheiro de equipe, estava concentrado na batalha do campeonato com Márquez. Incomodado porque perdia 1 ou 2 décimos por volta decidiu acelerar e correr mais riscos, voltou para casa com zero pontos.
O acidente do Dovizioso foi um alívio para Marc Márquez. “Quase perdi a frente na mesma volta que Dovi caiu” ele disse que a conferência de imprensa. “Então comecei a ver muitas bandeiras amarelas no circuito, na MotoGP bandeiras amarelas são sinônimos de queda de alguém. Depois de Mugello não estava tão confiante e tive duas quedas neste no final de semana. Quase perdi a moto na última curva, decidi então que 20 pontos eram melhor que zero. Nas últimas voltas tentei me aproximar de Lorenzo acreditando que ele devia estar com os pneus no fim, mas os meus não estavam muito melhores. Então resolvi só manter a distância do Valentino e terminar a corrida em segundo lugar”.
Com Dovizioso fora, Márquez reduziu o seu ritmo em três décimos e deixou Lorenzo finalmente escapar. Na conferência de imprensa ele negou que a queda do italiano tenha alterado a sua estratégia. “Não mudou, estava focado apenas na minha pilotagem, esqueço os outros”. Entretanto, terminar em segundo não é algo proporcione prazer para Márquez. “Quando termino em segundo, fica faltando alguma coisa”. Ayrton Senna explicou de modo didático este sentimento: “Segundo é o primeiro que perde”.
O recapeamento da pista de Barcelona deu aos pilotos uma falsa confiança, explicou Márquez. “Talvez seja porque era muito difícil de parar a moto em linha reta, a traseira desliza muito. Asfalto novo transmite confiança para acelerar, mas os avisos de pequenos excessos são muito agressivos. É muito difícil encontrar o limite”.
Em uma pista com menos aderência os pneus começam a deslizar mais cedo, mas é um processo gradual, mais fácil de controlar. Em uma pista com asfalto novo o grip é maior, mas também implica em estar muito perto da máxima aderência dos pneus. Se o limite for ultrapassado a queda é quase inevitável. Andrea Dovizioso não foi o único piloto a perder essa batalha em Barcelona, nove outros pilotos também não terminaram a prova por causa de quedas. Apenas 14 pilotos se habilitaram a pontuar no GP de Barcelona, onze dos que largaram não cumpriram os requisitos mínimos na prova.
Valentino Rossi cruzou a linha em terceiro lugar, perdeu o contato com os líderes no início e nunca foi ameaçado. Foi seu terceiro pódio consecutivo, consolidando a segunda posição no campeonato. Ele perdeu mais 4 pontos para o líder, mas estendeu sua vantagem sobre Maverick Vinales, seu companheiro na equipe oficial da Yamaha para 11 pontos. Rossi estava feliz em ser competitivo, mas sabia que não teria nenhuma chance contra os homens que estavam na sua frente. “Ficou claro durante a prática que as duas Ducati e Marquez eram mais rápidos que eu”.
Depois da queda de Dovizioso a prova ficou monótona sem uma disputa real pela liderança. Toda a excitação ficou concentrada na disputa pela quarta colocação. Cal Crutchlow (4º) ficou frustrado por não ter tido a chance de ir ao pódio. Ele escolheu mal o pneu dianteiro e perdeu muito tempo nas primeiras voltas com o tanque cheio.
Para Pedrosa (5º) a batalha com Crutchlow, Danilo Petrucci, e Maverick Vinales foi instrutiva. Foram lições para as futuras corridas, o ritmo de prova é bom e seu calcanhar de Aquiles tem sido a qualificação. Em Barcelona partiu da quarta fila e foi envolvido no bolo da largada. O grupo de jornalistas reunido para ouvir suas explicações no final da prova, uns vinte, contrastou com a multidão que compareceu na unidade de hospitalidade da HRC no dia anterior esperando o anuncio da sua aposentadoria.
Maverick Vinales (6º) era um homem infeliz. O piloto da Yamaha tentou um novo procedimento para ser mais competitivo nas primeiras voltas e o resultado foi o mesmo: Ficar lento no início e terminar a prova fazendo tempos por volta que o colocariam no pódio. Vinales rejeitou a ideia que o seu resultado era devido as condições de uma pista em particular. "Não existes circuitos bons ou ruins. Se a moto funciona, então, funciona em todos os lugares. Os líderes são sempre os mesmos independente das pistas, quero um equipamento para poder estar lá”.
Outro com cara de poucos amigos nos boxes depois da prova foi Johann Zarco. A causa da sua sétima colocação foi simplesmente a sua equipe não conseguir progredir na adequação da moto. Parte do problema, de acordo com Zarco, é que a diferença entre as motos e pilotos é cada ano menor. "Desde o Texas, podemos sentir que as corridas são diferentes do ano passado, parece muito mais difícil, porque os pneus são constantes e todos os pilotos na pista são mais fortes, eles estão controlando melhor, trabalham melhor para a corrida”.
A segunda vitória de Jorge Lorenzo afastou de vez as críticas diretas dos jornalistas e indiretas dos principais membros da administração da Ducati, em especialmente de Claudio Domenicali. A diferença mais evidente entre as provas com baixo desempenho e fase vencedora de Lorenzo é um espaçador montado no tanque, que ele estava solicitando a tempos. Duas fotos divulgadas via twitter pelo jornalista Simon Patterson mostram que a versão padrão mais estreita oferece menos sustentação, mas permite maior liberdade de movimentos. A peça modificada é mais ampla, a parte traseira volumosa permite que o piloto possa apoiar melhor as pernas durante as frenagens.
Lorenzo salientou que as melhores condições de competitividade não estão relacionadas apenas ao novo desenho do tanque, esta foi apenas a última etapa que faltava. Os resultados são devidos a um somatório de pequenos ajustes que foram realizados nos últimos meses, em Jerez estreou um chassis mais flexível, que facilita o equilíbrio no contorno de curvas, o motor deste ano é menos agressivo e durante o inverno (europeu) o sistema eletrônico foi ajustado para deixar a moto mais fácil de pilotar. O tanque de combustível foi a parte final de um complexo quebra-cabeça para permitir o seu melhor desempenho nas pistas.
Detalhe importante, Mugello e Barcelona são duas faixas em que Lorenzo sempre apresentou bons resultados e as condições de clima trabalharam em seu favor. Como vai se comportar em Assen e Sachsenring ou que vai acontecer em uma pista fria e úmida são questões ainda em aberto.
A vitória de Lorenzo evidenciou que feridas geradas em uma temporada e meia sem resultados são difíceis de cicatrizar. No parque fechado em Barcelona Lorenzo ignorou o CEO da Ducati Claudio Domenicali, como já havia feito em Mugello. Na conferência de imprensa, respondendo a uma pergunta sobre a comparação entre a sua atual moto e a que Valentino Rossi utilizou quando pilotou para a Ducati, o espanhol encontrou uma oportunidade para extravasar a sua mágoa: “Acho que a Ducati de Vale era mais complicada. Como já afirmei, esta é a Ducati mais completa. Vale é um grande piloto, o fato dele ser muito bom não foi suficiente”. Ficou cristalina a associação com Domenicali que o classificou como um grande piloto. Na ocasião Lorenzo respondeu que não era só um grande piloto, era um campeão.
As tensões entre Ducati e Lorenzo eram óbvias para Marc Márquez. Falando para a imprensa espanhola ele afirmou que “A Ducati é uma equipe de profissionais, para uma fábrica não importa se é um ou outro piloto, a equipe quer vencer todas as corridas e todos os campeonatos. Quando se trata de paixão a sentimento é diferente, já vi a equipe comemorando vitórias de Dovi e hoje comemorando uma de Jorge. São climas diferentes”.
Jorge Lorenzo, Marc Márquez e Valentino Rossi formaram um dos pódios mais condecorados de todos os tempos. Juntos compartilham 20 títulos mundiais (9 de Rossi, 6 de Márquez e 5 de Lorenzo), 246 vitórias, 488 pódios e 205 poles.
A conferência de imprensa depois da prova também esclareceu algumas dúvidas dos jornalistas. Rossi e Lorenzo foram questionados se o relacionamento entre eles havia evoluído nos últimos anos, se a inimizade anterior tinha arrefecido e se ambos agora se consideravam amigos. As respostas foram reveladoras sobre a verdadeira natureza da amizade entre atletas profissionais competindo no mesmo esporte. "Não acho que somos amigos, é complicado ser amigo de um rival", respondeu o espanhol. "Duas personalidades fortes e dois pilotos que querem vencer. O mais importante é ter respeito e tenho grande respeito por Vale, acredito que ele também tenha por mim. Aqui estão três competidores (Lorenzo, Rossi e Márquez) que acumulam muitos campeonatos, estamos escrevendo juntos a história da MotoGP, é uma coisa boa para o esporte”. Rossi seguiu pela mesma linha, “Enfrentamos períodos difíceis e também compartilhamos bons momentos. A vida é assim. É difícil quando se luta pelo mesmo resultado, Jorge é um dos rivais mais fortes e duros que enfrentei na minha carreira. Ficamos muito tempo juntos na mesma equipe, o que só tornou as coisas mais complicadas. Mas eu acho que é normal, o importante é, com certeza, manter o respeito”.
Para um atleta profissional vencer é o mais importante, talvez mais que o amor e a amizade. A intensidade da ambição é a única emoção forte suficiente para sustentar o nível do sacrifício que atletas e pilotos de MotoGP tem que fazer. Há apenas um campeão por ano e os pilotos que almejam este título não podem sentir piedade dos rivais que estão no seu caminho.
Não significa que não possa haver amizade entre pilotos. Entretanto é necessário que suas aspirações no esporte não tenham trajetórias conflitantes. Cal Crutchlow tem sido um grande amigo de Jack Miller, colabora com a sua carreira e o aconselha como proceder para obter melhores resultados. Embora alinhem no mesmo grid, as ambições de ambos são diferentes, Crutchlow busca vitórias e Miller por enquanto se satisfaz com o pódio. Ainda não houve uma disputa direta entre ambos.
No momento Marc Márquez é o único candidato óbvio para vencer obter o mundial. Fez a melhor corrida possível dadas as circunstâncias, não tinha condições de vencer e decidiu pontuar o máximo possível. Valentino Rossi, com uma pequena ajuda involuntária de Dovizioso, consolidou seu segundo lugar na classificação com mais um pódio.
O terceiro lugar de Rossi escancarou o fato que a Yamaha tem problemas. Completa um ano sem vitórias, fato que só ocorreu antes de contratar Valentino Rossi para correr em 2004 com um projeto de moto radicalmente novo. A última vitória foi com Rossi em Assen, local do próximo GP. A Yamaha acredita que a história possa se repetir.
Carlos Alberto
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