Vinales, Márquez & Rossi |
Pelé havia decidido encerrar a
sua carreira e disputava seus últimos compromissos pelo Santos. A equipe venceu
um jogo complicado na Vila Belmiro pelo placar mínimo, com um gol
extraordinário de um rapaz chamado Lairton. Uma bola foi alçada e, a uns cinco metros
da linha da grande área, o atacante conseguiu um voleio com ela ainda no ar
acertando o ângulo da meta adversária, lá onde os locutores mais estilosos
costumam dizer que “a coruja dorme”. Depois do jogo encerrado um repórter mais
afoito aproximou-se para entrevistar o jogador e fez a seguinte colocação:
“Belo gol, você deu muita sorte no lance”. Decepcionado, Lairton respondeu:
“Veja como são as coisas, se fosse o crioulo com a número dez (na época não era
crime racial chamar um afrodescendente de crioulo) vocês diriam ter sido um
golaço do rei, como foi o Lairton, deu sorte”. Assim é a vida, é complicado
para uma pessoa ter o seu talento reconhecido em um esporte onde existe um
ídolo consolidado, reconhecido e adorado pelas massas.
Além se suas inegáveis
qualidades, a evolução das comunicações transformou Valentino Rossi em um dos
pilotos com maior sucesso em todos os tempos. Rossi é um multicampeão mundial,
com sete títulos na classe principal e dois conquistados nas categorias
menores. Sua carreira sempre foi vitoriosa, começou a correr no mundial da FIM com
uma Aprilia 125cc em 1966, conquistou seu primeiro título mundial já em 1997.
Evoluiu para a 250cc ainda com a Aprilia em 1998 e venceu a temporada do ano
seguinte. No início da década de 2000 enfileirou títulos em série na classe de
elite, 500cc com Honda em 2001, MotoGP em 2002 e 2003 com Honda e em 2004 e
2005 com Yamaha. Depois de perder os títulos de 2006 (Nicky Hayden - Honda) e
2007 (Casey Stoner - Ducati), Valentino retomou o protagonismo em 2008 e 2009,
seus últimos mundiais. Depois de 5 anos sem sucesso, Rossi esteve próximo de
vencer em 2015, liderando a maior parte do campeonato e sendo ultrapassado no
número de pontos por Jorge Lorenzo na última prova da temporada, depois de ter
sido penalizado para largar do fim do grid por uma manobra controversa envolvendo
Marc Márquez na etapa anterior na Malásia.
Integrante da restrita elite de pilotos
desde 2000, este ano ao vencer em Assen no GP da Holanda Valentino agregou mais
um recorde em sua já extensa coleção, aos 38 anos de idade é o piloto mais
velho a vencer um GP na classe principal, superando a antiga marca do
australiano Troy Bayliss.
Um currículo com tanta densidade
criou rivalidades históricas, talvez a mais acirrada tenha sido com Max Biaggi
que se iniciou na década de 90 atingiu o seu ponto máximo em 2001 durante a etapa
do GP do Japão, na prova Biaggi realizou uma manobra arriscada que poderia ter
tirado Rossi da pista. Voltas depois ao ultrapassar o desafeto, a TV mostrou
para todo o mundo Rossi mostrando o dedo médio na vertical para o rival. Na
mesma temporada na Catalunha, ambos os pilotos partiram para o que o jargão
policial chama de “vias de fato” durante a cerimônia de premiação no final da
prova de 500cc, conflito que incluiu alguns participantes das equipes.
Rossi arregimentou uma legião de
torcedores por todo o planeta ao personificar um atleta vitorioso, um homem de
negócios de sucesso e uma pessoa sociável, como se costuma exemplificar, o
genro que toda a mãe gostaria de ter. Herdou o número 46 da moto utilizada por
seu pai em uma curta carreira e foi o segundo piloto a recusar a honra de utilizar
o número 1, exclusiva do vencedor da temporada anterior (Barry Sheene foi o
primeiro). O ídolo italiano percebeu que conservar o seu número habitual como
campeão fortalece o apelo comercial de sua marca registrada (VR46).
Valentino tem algumas excentricidades, o seu macacão
de competições ostenta um adesivo com as letras WLF sem uma explicação oficial,
à boca pequena comenta-se que seja o acrônimo de uma referência chula (“ViVa
La Figa” – uma expressão italiana que pode ser traduzida como “longa
vida à vagina”). O piloto não foi enquadrado pelos rígidos regulamentos da
MotoGP porque a primeira letra é um W e não dois “V”s, o que desautoriza a
associação com a frase. Rossi é supersticioso e cumpre alguns rituais como, por
exemplo, o alongamento antes de montar na moto, a meditação agachado junto ao
equipamento e um último ajuste em seu macacão em pé com a moto já no pit lane.
Ele utiliza sempre a mesma ordem de sequência para calçar luvas e botas, só monta
no equipamento por seu lado direito. Desde o início de sua carreira Rossi
utiliza exclusivamente vestuário e dispositivos de proteção produzidos pela
Dainese. Entre 1996 e 1997 a concorrente Alpinestars foi patrocinadora de sua
equipe, porém forneceu para ele somente as botas, a Yamaha onde esteve entre
2003 e 2010 e deste 2013 até os dias atuais utiliza oficialmente os produtos Alpinestars,
a Ducati (2011 e 2012) tinha contrato com a Puma, em todo este tempo Rossi
honrou a sua associação com a com o fabricante italiano e sempre usou produtos Dainese.
O reconhecimento de Valentino no mundo do
motociclismo esportivo atual é semelhante ao de Pelé no futebol em anos passados.
Assim como aconteceu com o Rei do Futebol, o ocaso do ídolo fatalmente vai
acontecer, sua ascendência no esporte já é questionada e existem pilotos que
apresentam capacidade igual ou superior a do italiano. Na atual safra de
espanhóis, por exemplo, o talento precoce de Marc Márquez e a eficiência
espartana de Jorge Lorenzo colecionam vitórias sobre Rossi nos últimos anos,
embora nenhum deles seja páreo para seu carisma. Nesta temporada, os resultados
do seu “padawan” Maverick Vinales superam os obtidos pelo velho mestre.
As transmissões do mundial de MotoGP para o Brasil
estão atreladas a uma única emissora de TV, centradas em um locutor e um
comentarista. Ambos são entusiastas, preparados e desempenham bem as suas
funções, embora por vezes não disfarcem a simpatia por Valentino Rossi. As
coberturas oficiais da MotoGP (streaming pela Internet) e da BT Sports (parabólicas)
são mais ricas em informações e não privilegiam qualquer piloto.
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