Marc Márquez - Curva 11 em Motegi |
A situação dos três postulantes ao título do MotoGP de
2016 na largada para a prova do Japão era previsível, Valentino Rossi teria de
vencer a prova e esperar que a competitividade de seu companheiro de equipe e
das Ducati e Suzuki colocasse pelo menos três motos entre ele e Marc Márquez.
Jorge Lorenzo antevia uma situação mais complicada, vencer e rezar por algum
tipo de milagre, talvez uma desistência do líder do campeonato. Márquez era o
menos pressionado, bastava controlar os concorrentes, manter a escrita de
pontuar em todas as provas e limitar os possíveis danos, procrastinando a
decisão para Philip Island. O título em Motegi era improvável, uma vitória na
casa da Honda, entretanto, poderia ser considerada.
O piloto da Honda não só venceu a prova como alcançou uma
pontuação que lhe garantiu o título de 2016 antecipado. Vencer a prova foi
mérito exclusivamente seu, o título faltando três provas para o encerramento da
temporada foi consequência de uma série de outros fatores.
Márquez largou excepcionalmente bem, mas o crônico
problema de retomada de velocidade da RC213V permitiu que Lorenzo o
ultrapassasse na segunda curva. O campeão de 2015 manteve a liderança nas
primeiras voltas, enquanto Márquez e Rossi travaram uma verdadeira batalha pela
segunda colocação. O espanhol da Honda assumiu a liderança na terceira volta e
deixou Rossi em uma situação complicada. O único resultado que interessava ao
italiano era a vitória e ficar atrás do seu companheiro de equipe não era
aceitável, então o multicampeão foi obrigado a aceitar riscos maiores,
conseguiu ultrapassar Lorenzo na sexta volta e, no processo de aproximação com
o líder, perdeu o controle da M1 e caiu.
Rossi não tem justificativa para sua queda. Ele estava
buscando alcançar Márquez gradativamente, consciente que seriam necessárias
algumas voltas para permitir uma tentativa de ultrapassagem. O acidente
aconteceu sem aviso prévio, ele aproximou-se da curva com o mesmo trajeto e a
mesma pressão no acelerador das voltas anteriores, a frente simplesmente fugiu.
A única explicação possível é o comportamento do pneu dianteiro, ele havia
encontrado um ajuste adequado com o componente intermediário, que tem como
característica uma faixa muito estreita de tolerância a erros. A esperança de
seguir na disputa pelo campeonato acabou na brita, em meio a uma nuvem de
poeira. Rossi ainda conseguiu conduzir sua moto até os boxes, mas desistiu
alegando que, não havendo possibilidade de vitória, não havia sentido em voltar
à pista.
Lorenzo conseguiu manter a segunda colocação até a décima
nona volta, quando perdeu a frente e caiu. O campeão de 2015 também debitou seu
infortúnio para a Michelin, alegando vibração no pneu dianteiro. A Yamaha não
está conseguindo equacionar a combinação da M1, o estilo de condução de seus pilotos
e o comportamento dos pneus Michelin. A equipe obteve a última vitória no
início de junho, com Rossi em Barcelona. Nas primeiras sete provas da temporada
a Yamaha venceu cinco, nas oito seguintes obteve cinco pódios, nenhuma vitória.
A queda de dois pilotos da equipe em uma mesma prova é extremamente rara.
A informação na justa medida é útil, em excesso
atrapalha. Quando o box da Honda sinalizou “ROSSI OUT”, para Márquez
significava um concorrente a menos, a conveniência de abrir uma maior vantagem
em pontos sobre Lorenzo, entretanto, persistia. A placa indicando “LORENZO OUT”
exibida a poucas voltas do final teve um significado diferente, a possibilidade
de confirmar o campeonato era real e o piloto sentiu. O que os comentaristas da
TV presumiram que era uma administração do resultado, Márquez explicou na
entrevista após a prova: “Honestamente, quando soube que Lorenzo estava fora,
fiquei eufórico e perdi o foco. Errei a troca de marchas quatro ou cinco vezes
nas últimas voltas, não conseguia mais mentalizar o circuito”. Sua confusão foi
traduzida nos tempos por volta, muitos décimos mais lentos. Sua diferença para
a Ducati de Dovizioso, entretanto, era grande o suficiente para permitir-lhe o
luxo da descontração.
Motegi é a única pista do mundial de MotoGP onde os
discos de freios expandidos são obrigatórios, seu traçado exige o uso intenso
dos freios e essa particularidade serviu para mostrar didaticamente diferenças
no estilo de pilotagem. Também ajuda a entender porque com uma moto que não tem
a maior velocidade em retas (Desmosedici), nem é a mais equilibrada (M1),
Márquez consegue superar todos os outros pilotos. Rossi e Lorenzo utilizam o
recurso de realizar o contorno das curvas em velocidade, com uma trajetória
ampla. Márquez freia absurdamente tarde, sua roda traseira descola vários
centímetros do piso e retoma o contato muito próximo do apex antes de mudar
rapidamente a direção da moto, um estilo que Cal Crutchlow uma vez definiu como
uma “queda controlada”, e que rende preciosos milissegundos.
Conta a lenda que um pracinha brasileiro servindo nas
forças de paz no Haiti recebeu uma carta da namorada rompendo a relação, sob a
alegação que era difícil manter-se fiel com a distância que os separava, e
solicitou a devolução de sua fotografia. Magoado, ele pediu emprestadas fotos
das namoradas e irmãs de seus colegas, colocou todas em um envelope e mandou
para a “ex” com um recado. “Desculpa, não consegui associar seu nome com a
foto, por favor pegue a sua e devolva as outras. Ah, espero que seja muito
feliz”. Moral da história: É necessário manter a classe até quando se perde.
Não é o que acontece com a Yamaha. A equipe não soube administrar o ego de suas
estrelas, minimizou a perda do então campeão do mundo para a Ducati, fez uma
oferta hostil para contratar um piloto da Suzuki e debitou na conta da Honda o
banimento das winglets para a próxima temporada, além de seu dirigente buscar
muita visibilidade nos meios de comunicações a ponto sugerir a sua participação
em uma das conferências dos pilotos com a imprensa, evento obrigatório que
antecede os GPs. A Honda lidera o mundial dos construtores (316 a 288 pontos),
de equipes (429 a 378 pontos) e Cal Crutchlow com uma RC213V é o melhor
classificado entre os independentes.
O título antecipado de 2016 para o piloto da Repsol Honda
foi conseguido, em grande parte, pelas falhas dos pilotos Movistar Yamaha.
Valentino Rossi caiu em Austin, Assen e no Japão, também foi penalizado com uma
falha de motor em Mugello. Lorenzo administrou um campeonato complicado, sua
falta de sintonia com a equipe desde o final da temporada passada justifica seu
já lendário mau humor e o ambiente carregado nos boxes. Ele não se acertou com
o pneu dianteiro na maioria das corridas, ponto fundamental para o seu estilo
de condução preciso e milimétrico.
Márquez já tem um lugar de honra no livro de recordes da
MotoGP. É o mais jovem piloto a vencer três títulos mundiais (em quatro
disputados) e já é o sexto maior vencedor de todos os tempos. Perde para
Agostini, Rossi, Nieto, Hailwood e Lorenzo. Detalhe, ele participou de apenas
146 provas, contra 246 de Lorenzo e 344 de Rossi. Marc Márquez tem apenas 23
anos.
Carlos Alberto Goldani
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