segunda-feira, 31 de outubro de 2016

MotoGP – Game Over


RC213V com Freio de Carbono na Chuva
Sobrou pouca coisa para ser decidida em Valência, última prova do calendário da MotoGP em 2016. Os dois primeiros lugares já estão matematicamente definidos e há uma pequena possibilidade que Jorge Lorenzo (Yamaha) perca a terceira posição para Maverick Vinales (Suzuki), a diferença entre eles é de oito pontos.  Pelo mundial de construtores a Honda lidera com uma margem de 21 pontos sobre a Yamaha, diferença cômoda considerando que está previsto o retorno de Dani Pedrosa. No mundial de equipes a Movistar Yamaha lidera com dez pontos de vantagem sobre a Repsol Honda. Falta também decidir qual o melhor piloto de equipe independente, Cal Crutchlow entra na pista somando dezessete pontos a mais que Pol Espargaró. 

A história da MotoGP vai considerar a temporada de 2016 como um ponto fora da curva, nove pilotos vencedores no ano, oito diferentes em oito corridas consecutivas, são fatos inéditos na história do mundial de motociclismo. Neste ano já houve a queima geral da largada na Moto2 na primeira corrida no Catar, o imbróglio dos pneus na Argentina que forçou a troca compulsória de motos, o temporal em Assen, o clima maluco em Sachsering e o drama do composto fornecido pela Michelin em Brno. Com este histórico, qualquer ocorrência em Sepang poderia ser considerada normal.  

Uma enquete realizada entre os pilotos antes da prova de Aragon apontou Andrea Dovizioso como o mais provável a ser o nono piloto a vencer na temporada. O italiano, uma pessoa com trânsito fácil em todo o paddock, estava sob os holofotes da mídia desde que foi confirmado como o companheiro de Lorenzo na Ducati para a próxima temporada. Muitos questionaram a escolha sugerindo que, por ser mais novo e mais atrevido, Andrea Iannone seria uma escolha mais adequada. Iannone estava à frente na pontuação do campeonato e seu estilo afoito, quase (?) irresponsável, encanta os torcedores italianos. Já Dovizioso sempre foi um eterno número dois, inteligente, analítico, mas sem o instinto assassino necessário para obter vitórias. 

A conquista da pole em Sepang proporcionou a melhor chance de quebrar esta imagem, porém o clima instável da Malásia sempre foi um fator desconfiança. Em uma corrida no molhado Dovizioso teria uma chance real de vitória, com a pista seca a balança penderia para os favoritos de sempre, a dupla de fábrica da Yamaha e o campeão antecipado da temporada. Houve um complicador a mais, o retorno de Andrea Iannone, afastado das últimas provas por uma costela fraturada. 

A chuva esteve presente no horário da corrida, o início foi protelado por quinze minutos, seguidos de mais cinco até o clima melhorar e o início da prova ser autorizado. Logo nas primeiras voltas formaram-se dois grupos, Iannone, Rossi, Dovizioso, Márquez, Espargaró (Pol), Crutchlow e Lorenzo distanciando-se dos demais.  

As Honda não se adaptaram ao piso recapado de Sepang, cujo grip agravou seu crônico problema de retomada de velocidade. Quando isto acontece a única opção dos pilotos é compensar na frenagem a falta de aceleração, e o equipamento de Márquez foi equipado com discos de carbono, 320mm, mais eficientes que os de aço, com um tipo de carenagem protetora para manter a temperatura adequada. Funcionou enquanto a pista estava molhada. Na décima segunda volta aconteceu uma destas coincidências que dificilmente se repetem, as duas Honda do bloco dianteiro perderam a frente na mesma volta, Crutchlow caiu na curva 2 e Márquez nove curvas depois. A queda do campeão da temporada não foi relacionada com a sua escolha de freios, ele estava acelerando quando perdeu o controle. Assim como aconteceu na França, o piloto recuperou a moto e voltou para a prova, ultrapassando vários retardatários para classificar-se em décimo primeiro lugar.

Sem as Honda, Lorenzo foi promovido para quarto, que rapidamente mudou para terceiro com a queda, mais uma, de Iannone. Foi o décimo “zero” de Iannone nas dezessete provas da temporada, face a este histórico, nos dias atuais ninguém mais questiona a opção da Ducati em manter Dovizioso na equipe. 

Com Lorenzo acomodado, a corrida limitou-se à disputa entre Rossi e Dovizioso, e o piloto da Ducati percebeu que o desempenho da Yamaha estava deteriorando.  Valentino errou o ponto de frenagem na curva 1 da décima quinta volta, foi obrigado a fazer uma trajetória aberta, permitindo a ultrapassagem da Ducati pela linha interna. Rossi estava pagando o preço de exigir demais de seu pneu dianteiro, que resultou em uma perda gradativa da eficiência, sentiu que a vitória era improvável e sequer tentou recuperar a posição, limitou-se a administrar a segunda posição para garantir o vice-campeonato antecipado. Recompensa amarga para quem disputou uma dura batalha pela liderança com Iannone, ao ultrapassar o conterrâneo começou a acreditar que a vitória era possível, entretanto a pista começou a secar seu pneu dianteiro (sempre ele) aqueceu demais. 

A colocação de Rossi no campeonato foi importante para a disputa interna que mantém com Lorenzo na Yamaha, os dois compartilharam os boxes em sete dos últimos nove anos (em 2011 e 2012 Rossi pilotou para a Ducati), cada qual contabiliza dois campeonatos neste período, Rossi chegou na frente do companheiro em quatro temporadas, Lorenzo em três. É uma comparação malandra, Rossi conquistou o bicampeonato quando Lorenzo foi promovido da Moto2, em 2008/2009, a partir de 2010 o espanhol foi campeão três vezes (em uma delas enquanto o italiano estava na equipe italiana), Rossi nenhuma.  

A prova de Sepang também proporcionou uma emocionante disputa pelo quarto lugar entre os pilotos da Avintia, o espanhol Hector Barberá e o francês Loriz Baz. Com o quarto lugar, sua melhor colocação em sete anos de MotoGP, Barberá com uma GP 14.2 acumula 97 pontos no ano, um a mais que Andrea Iannone, da equipe oficial de fábrica.  

A vitória de Andrea Dovizioso em Sepang é um prêmio justo para um piloto tranquilo, que não tem desafetos em todo o paddock. Não é um piloto de exceção, mas sua condução é correta e, quando as condições permitem, é candidato a vitórias. Nos planos da Ducati para a próxima temporada, Jorge Lorenzo está escalado para vencer etapas, a posição esperada de Dovizioso está centrada no desenvolvimento da moto.  

 

PS:  O canal britânico BT Sports veiculou, para ocupar o espaço de tempo em que a largada da prova foi retardada, uma matéria sobre o incidente entre Marc Márquez e Valentino Rossi na corrida de 2015, que resultou na penalização do italiano e, praticamente, decidiu o campeão da temporada. Segundo o comentarista da emissora, Valentino Rossi, intencionalmente, manobrou para tirar Márquez da pista conforme comprovam as fotos anexas e a penalidade foi bem aplicada. Não houve comentário sobre um possível contato físico entre o italiano e a moto do espanhol.
 
 

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

SIC - Circuito Internacional de Sepang


Sepang International Circuit


Uma entrevista recente do ministro de esportes indica que a Malásia pode solicitar o cancelamento das provas de Fórmula 1 no Circuito Internacional de Sepang. Os custos crescentes e a queda da receita na venda de ingressos e audiência de TV estão entre as razões alegadas.
Sepang foi o primeiro circuito a receber a Fórmula 1 na Ásia, além do Japão, e consta no calendário do mundial desde 1999. Os organizadores e representantes do governo marcaram uma reunião esta semana para discutir o futuro de sua participação, cujo contrato está em vigor até 2018.
“Quando hospedamos a corrida pela primeira vez a Fórmula 1 foi um grande negócio, Sepang era o único circuito da Ásia. Agora existem diversos, a vantagem da novidade desapareceu”, escreveu Khairy Jamaluddin, ministro dos esportes, em uma série de posts no Twitter. “A venda de ingressos está em declínio, a audiência de TV caindo e o espetáculo já não atrai um número expressivo de visitantes, porque existem outras opções como Cingapura, China e Oriente Médio. A relação de custo/benefício está comprometida”.
A data de realização do evento neste ano passou de março/abril para setembro/outubro para facilitar a logística das equipes, porém criou uma concorrência direta com o GP da vizinha Cingapura, criando a expectativa de queda do número de espectadores para 45.000 e dificuldades em garantir a presença de personalidades no autódromo. A previsibilidade do espetáculo com amplo domínio da Mercedes também contribui para reduzir a excitação do evento. "Cingapura tem o atrativo de ser uma corrida noturna, além da novidade, o horário para transmissões de TV para a Europa é mais adequado. As opções para um visitante são uma corrida com tempo quente durante a tarde em um circuito ou uma prova durante a noite nas principais ruas da cidade, não há como competir. Houve a sugestão de iluminar Sepang, mas o custo é proibitivo”. O parecer do ministro do Esporte é significativo, dado que a corrida na Malásia, como muitas outras no calendário da F1, é parcialmente financiada pelo governo.
A saída da Malásia pode ser mais uma consequência da queda de preços de petróleo e gás. O GP de Sepang é bancado pela gigante petrolífera Petronas, que patrocina o evento, assim como a Mercedes, equipe líder do campeonato.
Uma saída precoce poderia ser negociada com a nova administração da F1, que já manifestou desejo de expandir a sua presença nos Estados Unidos, sem estender o cronograma temporada.
O circuito de Sepang vai sediar Moto GP deste fim de semana, e venda de ingressos para o evento têm sido consistentemente muito maior do que para a F1.
Jamaluddin disse Sepang deve continuar a acolher Moto GP e adicionar outras competições que não tenham as enormes taxas de hospedagem cobradas pela Fórmula 1.
O GP F1 da Malásia foi incluído calendário provisório de 2017 divulgado no mês passado.



terça-feira, 25 de outubro de 2016

MotoGP - Depois de Phillip Island


Queda de Marc Márquez (Phillip Island, 2016)




Em 2009 Colin Edwards autoproclamou-se campeão da MotoGP. Na verdade ele ficou em quinto na temporada, mas segundo seu raciocínio, os desempenhos de Rossi, Lorenzo, Pedrosa e Stoner eram tão superiores que eles competiam em uma outra categoria. Desde 2008, quando Lorenzo fez a sua estreia na MotoGP, as vitórias foram divididas exclusivamente entre os “Top Four”, com Marc Márquez assumindo o lugar de Stoner em 2013. Dovizioso em Donington, 2009, e Spies em Assen, 2011, foram as únicas exceções, ambas em provas realizadas com condições de pista incomuns.



A vitória de Cal Crutchlow na Austrália, a terceira do ano de um piloto independente, identifica 2016 como uma temporada diferente, não necessariamente mais competitiva. Não há como caracterizar um campeonato que tem seu vencedor assegurado faltando três etapas como muito disputado.



Oito pilotos diferentes já venceram este ano, a rigor, entre os pilotos de fábrica da Yamaha e Honda, só Márquez alcançou um número expressivo de vitórias, cinco ao todo, o mesmo que Rossi e Lorenzo somados. Nas outras provas sempre houve algum fato atípico, Jack Miller ganhou com muita chuva, onde qualquer ousadia era penalizada por queda, Iannone obteve seu sucesso em uma pista que parece ter sido desenhada à régua especialmente para as Ducati, a primeira vitória de Crutchlow foi mais por uma escolha feliz na loteria de pneus. Maverick Vinales, com a Suzuki, destoa deste script, venceu em Silverstone com bom tempo e pista seca.



Na Austrália mais uma vez o protagonista foi o clima, e a escolha errada da hora de entrar na pista durante os treinos livres jogou Crutchlow, Lorenzo, Rossi e Vinales para o Q1. Rossi ainda obteve um ótimo tempo, mas não foi validado porque o piloto excedeu o limite de segurança do número de voltas com um composto macio. Crutchlow e Lorenzo passaram para o Q2, Rossi foi relegado para a décima quinta posição no grid.



Márquez conseguiu a pole, a número 65 de sua carreira em 148 provas, ultrapassando Rossi e Lorenzo com 64 cada. O início da prova foi caracterizado pela brilhante performance de Rossi, que na décima volta, ajudado pela queda do até então líder Márquez, já estava em segundo lugar. O esperado, um ataque de Valentino à Honda de Crutchlow não existiu, o britânico impôs um ritmo de corrida alucinante e até a volta 23 abriu 6,5 segundos.



A vitória do britânico Crutchlow em pista seca da Austrália é para ser comemorada. Cal, um piloto não fábrica, iguala o número de vitórias de Rossi na temporada, ele e Márquez foram os únicos que optaram pelo pneu dianteiro duro, a queda de Marc, juntamente com a placa dos boxes indicando que Rossi estava em sua caça não o intranquilizou, o piloto da LCR Honda manteve seu ritmo inalterado.



O campeonato conquistado na prova anterior do Japão coroou a estratégia de Márquez, escolher provas em que poderia ganhar e marcar pontos nas outras. Escolher um circuito para correr por só por pontos é uma opção difícil para o espanhol de 23 anos, que já venceu em todas as pistas de MotoGP do atual campeonato, com exceção da Áustria. Para Rossi faltam Austin, Aragon e Áustria, Lorenzo ganhou em todos os lugares, exceto Argentina, Austin, Sachsenring e Sepang, Pedrosa já venceu em 11 dos 18 palcos do mundial de MotoGP.



Vencer duas corridas no mesmo ano, com piso seco ou molhado, além de comprovar o incrível talento de Crutchlow, também confirma que as regras restritivas de desenvolvimento de tecnologia dos organizadores (FIM & Dorna), o pacote eletrônico único e o novo fornecedor de pneus abrem oportunidades para o progresso das equipes independentes. Apenas para efeitos de comparação, se o campeonato tivesse começado em Sachsenring, Marc Márquez teria 128 pontos, Valentino Rossi 113, Jorge Lorenzo 71 e Cal Crutchlow 121 pontos. Traduzindo, considerando a prova da Alemanha como ponto de partida, o campeão antecipado da temporada e piloto da equipe de fábrica da Honda conquistou sete pontos mais que o da equipe satélite. Crutchlow estaria em segundo lugar, apenas sete pontos atrás Márquez.



Com o pódio de Vinales em Phillip Island, a Suzuki já conseguiu uma vitória e três terceiros lugares em 2016, pontuação suficiente para a fábrica perder seus privilégios de concessões na próxima temporada. Em 2017 a fábrica terá a limitação de sete em vez de nove motores no ano, concepção do propulsor congelada a partir da primeira corrida e cinco dias de testes privados com os pilotos de fábrica. Embora a ausência de concessões possa ser considerado um passaporte para as grandes equipes, é uma má notícia para Andrea Iannone e Alex Rins, os novos contratados, afinal mais testes ajudam a conhecer melhor a moto.



A MotoGP é um negócio com muitos interesses envolvidos, é um absurdo imaginar que uma equipe deliberadamente boicote um de seus pilotos, portanto deve haver uma explicação para os crônicos problemas enfrentados por Jorge Lorenzo depois do recesso de verão. Enquanto na Austrália Rossi pilotou com segurança e classificou-se em segundo lugar, o espartano cruzou a linha em sexto, 20 segundos - uma eternidade - atrás de Crutchlow, um final medíocre para um fim de semana sombrio. Lorenzo havia feito uma pré-temporada perfeita, então, em função dos problemas com Baz e Redding, a Michelin mudou o pneu traseiro para um composto mais rígido. Houve uma curva de aprendizado e, quando as coisas estavam entrando nos eixos, a fábrica trocou a consistência do componente em Brno, na República Tcheca.



O estilo de pilotagem de Lorenzo exige mais aderência dianteira e traseira, em pistas com maior grip como Motegi ele foi muito competitivo. Por causa de seu modo de condução suave, ele não consegue gerar calor no pneu dianteiro como outros pilotos, um problema que divide com Dani Pedrosa, e sem a temperatura adequada, não há como exigir o máximo do equipamento.



Os problemas de Lorenzo, por extensão também de Rossi, são agravados pela falta de progresso da Yamaha com a eletrônica. Os recursos de hardware e software são os mesmos, mas Honda e Suzuki conseguem mapear melhor as pistas e obter vantagens. O campeão do ano passado indica que falta confiança na entrada de curvas velozes porque o freio motor não tem a eficiência necessária. Lorenzo espera não ter tantos problemas nas provas de Sepang e Valência, em pleno verão tropical. Com pneus aquecidos, os problemas da eletrônica podem ser contornados.



A Ducati está esperançosa que em 2017 a Michelin ofereça pneus mais maleáveis, que aqueçam mais fácil e proporcionem maior aderência, condições necessárias para Lorenzo exercer toda a sua capacidade na moto italiana.



Um último rescaldo da prova da Austrália, Scott Redding cruzou a linha de chegada na frente de seu companheiro da Pramac Ducati, Danilo Petrucci. Os dois estão envolvidos em uma disputa pela única GP17 que deve ser utilizada pela equipe no próximo ano.



Carlos Alberto Goldani


terça-feira, 18 de outubro de 2016

MotoGP - Motegi 2016



Marc Márquez - Curva 11 em Motegi

A situação dos três postulantes ao título do MotoGP de 2016 na largada para a prova do Japão era previsível, Valentino Rossi teria de vencer a prova e esperar que a competitividade de seu companheiro de equipe e das Ducati e Suzuki colocasse pelo menos três motos entre ele e Marc Márquez. Jorge Lorenzo antevia uma situação mais complicada, vencer e rezar por algum tipo de milagre, talvez uma desistência do líder do campeonato. Márquez era o menos pressionado, bastava controlar os concorrentes, manter a escrita de pontuar em todas as provas e limitar os possíveis danos, procrastinando a decisão para Philip Island. O título em Motegi era improvável, uma vitória na casa da Honda, entretanto, poderia ser considerada.

O piloto da Honda não só venceu a prova como alcançou uma pontuação que lhe garantiu o título de 2016 antecipado. Vencer a prova foi mérito exclusivamente seu, o título faltando três provas para o encerramento da temporada foi consequência de uma série de outros fatores.

Márquez largou excepcionalmente bem, mas o crônico problema de retomada de velocidade da RC213V permitiu que Lorenzo o ultrapassasse na segunda curva. O campeão de 2015 manteve a liderança nas primeiras voltas, enquanto Márquez e Rossi travaram uma verdadeira batalha pela segunda colocação. O espanhol da Honda assumiu a liderança na terceira volta e deixou Rossi em uma situação complicada. O único resultado que interessava ao italiano era a vitória e ficar atrás do seu companheiro de equipe não era aceitável, então o multicampeão foi obrigado a aceitar riscos maiores, conseguiu ultrapassar Lorenzo na sexta volta e, no processo de aproximação com o líder, perdeu o controle da M1 e caiu.

Rossi não tem justificativa para sua queda. Ele estava buscando alcançar Márquez gradativamente, consciente que seriam necessárias algumas voltas para permitir uma tentativa de ultrapassagem. O acidente aconteceu sem aviso prévio, ele aproximou-se da curva com o mesmo trajeto e a mesma pressão no acelerador das voltas anteriores, a frente simplesmente fugiu. A única explicação possível é o comportamento do pneu dianteiro, ele havia encontrado um ajuste adequado com o componente intermediário, que tem como característica uma faixa muito estreita de tolerância a erros. A esperança de seguir na disputa pelo campeonato acabou na brita, em meio a uma nuvem de poeira. Rossi ainda conseguiu conduzir sua moto até os boxes, mas desistiu alegando que, não havendo possibilidade de vitória, não havia sentido em voltar à pista.

Lorenzo conseguiu manter a segunda colocação até a décima nona volta, quando perdeu a frente e caiu. O campeão de 2015 também debitou seu infortúnio para a Michelin, alegando vibração no pneu dianteiro. A Yamaha não está conseguindo equacionar a combinação da M1, o estilo de condução de seus pilotos e o comportamento dos pneus Michelin. A equipe obteve a última vitória no início de junho, com Rossi em Barcelona. Nas primeiras sete provas da temporada a Yamaha venceu cinco, nas oito seguintes obteve cinco pódios, nenhuma vitória. A queda de dois pilotos da equipe em uma mesma prova é extremamente rara.

A informação na justa medida é útil, em excesso atrapalha. Quando o box da Honda sinalizou “ROSSI OUT”, para Márquez significava um concorrente a menos, a conveniência de abrir uma maior vantagem em pontos sobre Lorenzo, entretanto, persistia. A placa indicando “LORENZO OUT” exibida a poucas voltas do final teve um significado diferente, a possibilidade de confirmar o campeonato era real e o piloto sentiu. O que os comentaristas da TV presumiram que era uma administração do resultado, Márquez explicou na entrevista após a prova: “Honestamente, quando soube que Lorenzo estava fora, fiquei eufórico e perdi o foco. Errei a troca de marchas quatro ou cinco vezes nas últimas voltas, não conseguia mais mentalizar o circuito”. Sua confusão foi traduzida nos tempos por volta, muitos décimos mais lentos. Sua diferença para a Ducati de Dovizioso, entretanto, era grande o suficiente para permitir-lhe o luxo da descontração.

Motegi é a única pista do mundial de MotoGP onde os discos de freios expandidos são obrigatórios, seu traçado exige o uso intenso dos freios e essa particularidade serviu para mostrar didaticamente diferenças no estilo de pilotagem. Também ajuda a entender porque com uma moto que não tem a maior velocidade em retas (Desmosedici), nem é a mais equilibrada (M1), Márquez consegue superar todos os outros pilotos. Rossi e Lorenzo utilizam o recurso de realizar o contorno das curvas em velocidade, com uma trajetória ampla. Márquez freia absurdamente tarde, sua roda traseira descola vários centímetros do piso e retoma o contato muito próximo do apex antes de mudar rapidamente a direção da moto, um estilo que Cal Crutchlow uma vez definiu como uma “queda controlada”, e que rende preciosos milissegundos.  

Conta a lenda que um pracinha brasileiro servindo nas forças de paz no Haiti recebeu uma carta da namorada rompendo a relação, sob a alegação que era difícil manter-se fiel com a distância que os separava, e solicitou a devolução de sua fotografia. Magoado, ele pediu emprestadas fotos das namoradas e irmãs de seus colegas, colocou todas em um envelope e mandou para a “ex” com um recado. “Desculpa, não consegui associar seu nome com a foto, por favor pegue a sua e devolva as outras. Ah, espero que seja muito feliz”. Moral da história: É necessário manter a classe até quando se perde. Não é o que acontece com a Yamaha. A equipe não soube administrar o ego de suas estrelas, minimizou a perda do então campeão do mundo para a Ducati, fez uma oferta hostil para contratar um piloto da Suzuki e debitou na conta da Honda o banimento das winglets para a próxima temporada, além de seu dirigente buscar muita visibilidade nos meios de comunicações a ponto sugerir a sua participação em uma das conferências dos pilotos com a imprensa, evento obrigatório que antecede os GPs. A Honda lidera o mundial dos construtores (316 a 288 pontos), de equipes (429 a 378 pontos) e Cal Crutchlow com uma RC213V é o melhor classificado entre os independentes.

O título antecipado de 2016 para o piloto da Repsol Honda foi conseguido, em grande parte, pelas falhas dos pilotos Movistar Yamaha. Valentino Rossi caiu em Austin, Assen e no Japão, também foi penalizado com uma falha de motor em Mugello. Lorenzo administrou um campeonato complicado, sua falta de sintonia com a equipe desde o final da temporada passada justifica seu já lendário mau humor e o ambiente carregado nos boxes. Ele não se acertou com o pneu dianteiro na maioria das corridas, ponto fundamental para o seu estilo de condução preciso e milimétrico.

 Márquez já tem um lugar de honra no livro de recordes da MotoGP. É o mais jovem piloto a vencer três títulos mundiais (em quatro disputados) e já é o sexto maior vencedor de todos os tempos. Perde para Agostini, Rossi, Nieto, Hailwood e Lorenzo. Detalhe, ele participou de apenas 146 provas, contra 246 de Lorenzo e 344 de Rossi. Marc Márquez tem apenas 23 anos.


 Carlos Alberto Goldani