O conceito de aderência
pode ser definido como o valor máximo da força tangencial que um pneu pode
transmitir à pista em resposta a uma aceleração, frenagem ou solicitações
extremas em uma curva. Quando a força tangencial ultrapassa esse valor máximo,
a aderência diminui drasticamente e a roda gira em falso (patina). Um pneu
parado ou em movimento de rotação possui uma aderência disponível que permite a
moto acelerar e frear (aderência longitudinal) ou contornar curvas (aderência transversal).
Para aproveitar ao máximo o torque entregue pelo motor, a situação ideal é que a
força exercida pelo pneu seja muito próxima ao limite de aderência. Forças
longitudinais e transversais são complementares, por isto os pilotos procuram frear
sempre em linha reta para obter a máxima aderência longitudinal e aliviar os
freios ao iniciar uma curva, para dispor de toda aderência transversal.
A importância dos pneus
em provas de motovelocidade transcende ao fato de ser o meio de contato do
equipamento com a pista. O perfil é arredondado, diferente dos utilizados em
automóveis, pela necessidade de fornecer aderência contínua enquanto a moto inclina
para contornar curvas. Mesmo com a máquina na vertical e em andando em linha
reta, a área de contato do pneu com a pista é muito pequena, do tamanho aproximado
de um cartão de crédito. Nos modelos para circulação urbana esta superfície
reduzida não é problema, porém com motores mais potentes, existe a possibilidade
de a área ser insuficiente para proporcionar a aderência necessária quando a
entrega de torque para a roda traseira é muito alta, como acontece durante os
processos de retomada de velocidade. Pode ser um grande inconveniente
especialmente em curvas, quando o piloto necessita da aderência do pneu enquanto
inclina a moto. Se não houver condições de tração a roda desliza e o
equipamento fica difícil de controlar.
Este é o ambiente de
trabalho do Controle de Tração (Traction Control System ou TCS). O sistema
utiliza sensores nas rodas para verificar se o pneu traseiro está girando como
deveria em contato com a pista ou iniciando um processo de deslizamento. Em
palavras mais simples, o TCS identifica se a roda tem a aderência adequada ou
se está excedendo a capacidade de atrito com a pista e girando em falso
(patinando).
A eletrônica embarcada é
a principal responsável pelo desenvolvimento de vários sistemas de apoio ao
piloto nos últimos anos. O chamado “Ride by Wire” permite aos engenheiros
programarem as reações da moto sob certas condições, substituindo a necessidade
da intervenção do piloto. A ECU (Unidade de Controle Eletrônico) administra
todo o processo coletando em tempo real informações de diversos sensores
distribuídos no equipamento. As vantagens do “Ride By Wire” são mais evidentes
quando opera em conjunto com outros controles, para permitir uma moto explorar
todo o seu potencial.
TCS é um sistema de
segurança ativa, que impede a roda motriz de perder a tração reduzindo o torque
entregue pelo motor. A ECU monitora a velocidade do veículo em relação a pista
por um sensor montado na roda dianteira e analisa as velocidades de rotação das
duas rodas. Se a traseira começar a girar mais rápido do que a dianteira, o TCS
envia um sinal para a ECU reduzir a potência do motor e evitar que a roda
escorregue. Quando a roda gira em falso e a moto não está ganhando velocidade tão
rápido como poderia, a entrega de torque deve ser reduzida para recuperar a
aderência do pneu. O TCS otimiza o fornecimento de energia para a roda motriz permitindo
a melhor aceleração em qualquer situação, frenagens ou retomadas de velocidade,
curvas rápidas ou lentas, pista seca ou molhada. A ECU, que administra toda a
eletrônica da moto, utiliza mapas desenvolvidos para o TCS com as
características da pista e dados coletados por sensores para balizar o seu
procedimento, processa leituras da velocidade de cada roda e ângulo de
inclinação, entre outras informações, para decidir a sua ação.
Existem três técnicas de
redução de torque, todas centradas no controle eletrônico da aceleração, cancelar
um cilindro, alterar a temporização da ignição ou controlar a abertura do
acelerador. Para cancelar um cilindro, a alimentação (injeção de combustível) é
interrompida, provocando uma queda no valor do torque entregue para a roda.
Esta técnica, em um motor de quatro cilindros, reduz a potência em até 25%. Quando identifica uma condição de perda de aderência,
o TCS pode comandar uma modificação nos tempos de ignição, que resulta em perda
imediata do torque da ordem de até 20%, o problema deste procedimento é que
pode inundar uma câmara de combustão e causar queima incompleta. Aliviar o
acelerador é a reação instintiva de pilotos que não utilizam o TCS quando
sentem que estão perdendo aderência, com a eletrônica este procedimento é possível
porque o comando de injeção de combustível é controlado pela ECU. Com o fluxo
de alimentação limitado há uma queda do torque entregue e a tração da moto pode
ser retomada.
Quando em um contorno de
uma curva ou em uma retomada de velocidade a roda traseira escorrega, o piloto
pode ter acelerado demais ou muito cedo, neste caso o TCS utiliza um ou uma
combinação dos métodos acima descritos para obrigar a moto a desacelerar e
possibilitar a administração da situação. Cada fabricante desenvolve seu
próprio conjunto de métodos e algoritmos, mas basicamente as técnicas
utilizadas são composições ou variantes das descritas acima.
A maneira como o TCS interfere na condução da
moto depende do mapeamento desenvolvido pelo fabricante, e pode ser individualizado
de acordo com as características do piloto. Alguns utilizam técnicas de pilotagem
que obtém melhores resultados se algum tipo de escorregamento da roda traseira
for permitido, outros preferem uma condução mais fluida e consistente, com
ambas as rodas girando sempre com a mesma velocidade. Evidente que o TCS
compartilha com o piloto algumas decisões, substituindo em alguns casos a
sensibilidade humana pela eficiência da eletrônica. Há quem diga que alguns
pilotos adotam só duas posições no acelerador, fechado ou totalmente aberto, o
TCS se encarrega de calibrar a aceleração no ponto mais adequado.
Eventualmente esta
maravilha da tecnologia também pode em algumas ocasiões ser classificada como
vilã. No GP da Itália em Mugello esse ano, uma disputa acirrada entre Jorge
Lorenzo e Marc Márquez foi definida na reta de chegada antes da bandeirada
final, por escassos 0,019 segundos. A Honda #93 contornou a última curva na
liderança, entretanto acionou o TCS e foi ultrapassada pela Yamaha #99 na
retomada de velocidade.
Carlos Alberto Goldani