quarta-feira, 11 de agosto de 2021

F1 - Os donos da bola

 




Para não reconhecer o talento de Michael Schumacher, um acompanhante assíduo da Fórmula 1 deve estar, segundo descreveu Chico Buarque de Holanda, embriagado ou muito louco. O piloto alemão 7 vezes campeão mundial da principal categoria do automobilismo detém inúmeros recordes, incluindo voltas mais rápidas, maior número de campeonatos conquistados e maior número de corridas vencidas em uma única temporada (2004). No ano de 2002 se tornou o único piloto na história moderna da F1 a terminar entre os três primeiros em todos os GPs do campeonato mundial. Considerado por muitos como o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos, ocupa na história da Fórmula 1 um lugar especial, ao lado de lendas como Juan Manuel Fangio, Jim Clark, Nelson Piquet, Ayrton Senna e Niki Lauda.
 
Dick Vigarista – O vilão da Corrida Maluca


Schumacher foi envolvido em diversos incidentes em sua carreira que lhe renderam o apelido de “Dick Vigarista” (um vilão dos desenhos animados da Hanna-Barbera cuja principal característica era utilizar todos os recursos disponíveis, incluindo antiéticos ou ilegais, para alcançar vitórias). No GP da Austrália em 1994, última prova de uma temporada particularmente disputada, pilotava uma Benetton-Ford e liderava a competição com apenas um ponto de diferença sobre Damon Hill da Williams-Renault. Na iminência de ser ultrapassado pelo concorrente, na volta 35 jogou o carro de forma proposital para cima de Hill tirando ambos da pista e conquistando o título. Tentou repetir a proeza em 1997 no GP da Europa disputado em Jerez. Com uma Ferrari e novamente liderando a contagem geral por 1 ponto na última prova do ano, tentou evitar a ultrapassem da Williams do desafiante Gilles Villeneuve provocando uma colisão entre ambos. Desta vez a trapaça não funcionou, Gilles continuou na pista e ultrapassou o alemão na contagem geral vencendo a temporada. 

Há quem assegure que muito do sucesso de Schumacher deve ser creditado à habilidade de seus advogados. Um repórter italiano que teve  acesso a um de seus contratos com a Ferrari informa que eram extremamente detalhados, contando com mais de 100 páginas de texto, e que o piloto alemão era privilegiado em qualquer circunstância na equipe. A eficiência destes documentos pode ser comprovada por resultados nas provas, o exemplo mais dolorido para os tupiniquins aconteceu no GP da Áustria de 2002. Seu companheiro de equipe Rubens Barrichello marcou a pole e liderou a prova desde o início. Nos metros finais o piloto brasileiro, sob as ordens expressas da Ferrari, diminuiu drasticamente a velocidade do seu carro próximo da linha de chegada, para abrir caminho para Schumacher vencer a corrida. Os espectadores presentes protagonizaram a maior vaia jamais ouvida em um autódromo pela falta de esportividade e respeito com o público.

Seguramente Schumacher não foi o primeiro nem o único sistematicamente beneficiado por ordens de equipe, mas foi um dos exemplos mais acintosos. 


Rivais na Fórmula 3 - Ayrton Senna & Martin Brundle


Um piloto monopolizar os esforços de toda uma equipe não é muito raro. Na Fórmula 3 no início da década de 80 houve uma rivalidade muito grande nas pistas entre Ayrton Senna e Martin Brundle. Ao montar o lineup (relação de pilotos) de 1986 da Fórmula 1, o ídolo tupiniquim teria barrado a contratação do britânico pela John Player Special Lotus, sob a alegação que a equipe não teria condições de manter dois carros na disputa do título A vaga que seria de Brundle foi ocupada pelo inexpressivo Johnny Dumfries.

É complicado administrar uma equipe com dois pilotos de personalidade forte e aspirações ao título. A passagem de Nélson Piquet pela Williams foi marcada pela intensa concorrência com Nigel Mansell. Os desentendimentos entre Alain Prost e Ayrton Senna eram mais que previsíveis quando o brasileiro foi contratado pela McLaren e a rivalidade continuou acirrada até depois que o francês foi para a Ferrari como lembram as colisões entre eles em 1989 e 1990.


 Nélson Piquet e Nigel Mansell
 
Alain Prost & Ayrton Senna



Existem profissionais que não se sentem confortáveis se não tiverem controle total sobre os recursos técnicos das equipes, talvez o exemplo mais significativo seja o do duas vezes campeão do mundo Fernando Alonso. A carreira do piloto espanhol foi marcada quando ele foi desafiado em sua própria equipe por um iniciante da categoria, um jovem piloto chamado Lewis Hamilton. Alonso credita ao britânico a perda de seu 3º mundial, segundo ele a divisão de esforços na McLaren propiciou a vitória da temporada por Kimi Raikkonen da Ferrari em um dos campeonatos mais acirrados de todos os tempos, a pontuação final indicou o finlandês com 110 pontos, seguido de Hamilton e Alonso com 109. A ascendência do espanhol em sua passagem pela equipe Renault era tão grande que seus dirigentes não hesitaram em ordenar que Nélson Piquet Jr. provocasse um acidente em Singapura em 2008, para auxiliar uma estratégia de Alonso para vencer a prova.


 Nelson Piquet Jr no GP de Singapura 2008


Em 2010 Sebastian Vettel comandava a Red Bull Racing e dividia a equipe com Mark Webber. Na 10ª prova da temporada em Silverstone a equipe estava estreando um novo modelo de asa dianteira, porém só havia uma peça disponível e a opção da equipe foi montar a unidade no carro de Vettel. Por um capricho do destino o alemão sofreu um toque na largada que resultou em um pneu furado, Webber liderou a prova de ponta a ponta. Em transmissões de rádio depois da bandeira quadriculada o australiano extravasou toda a sua insatisfação: “Nada mal para um 2º piloto”. Bem mais tarde, passada a euforia da vitória, Webber ainda estava descontente: “Honestamente, não teria assinado um contrato se soubesse que este seria o procedimento da equipe”.

Em 2014 a Red Bull Racing identificou uma oportunidade publicitária rara e contratou Max Verstappen, de apenas 17 anos, para ser piloto reserva da sua equipe associada Toro Rosso. Efetivado no ano seguinte, o piloto belga, que corre com a bandeira holandesa por opção, colecionou bons resultados e em 2016 em meio a temporada a equipe promoveu sua troca de lugar com Daniil Kvyat da equipe principal, Max foi promovido e o piloto russo foi reaproveitado na equipe associada. Curiosidade: a então namorada de Kvyat, Kelly Piquet, é a atual companheira de Max Verstappen.  Desde então tudo na Red Bull Racing, que a emissora do Jardim Botânico insistia em chamar de RBR, gira em torno de Max. Ao anunciar a contratação do mexicano Sergio Pérez para esta temporada, Helmut Marko, consultor da Red Bull Racing foi específico: “Queremos um piloto que ajude o Max a ser campeão do mundo”.


 Max Verstappen& Kelly Piquet


A hierarquia existe em todas as equipes. Quando um equipamento é muito superior aos demais ela pode ser disfarçada ou não ser importante para os dirigentes, porém quando há equilíbrio, é mais complicado fazer dissimulações. Valtteri Bottas tem sido a vários anos um importante apoio para os sucessivos campeonatos de Lewis Hamilton na Mercedes, embora seu papel de coadjuvante não seja tão explícito. Todo o início de temporada o finlandês faz planos, porém as estratégias da equipe sempre priorizam o britânico.

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