segunda-feira, 28 de outubro de 2019

MotoGP – Phillip Island 2019



Última volta em Phillip Island



Tempos atrás havia na mídia impressa um comercial de uma marca de uísque interessante, uma fotografia de uma modelo de costas, ocultando uma garrafa do produto com o seguinte chamada: “O que você pode dar para quem tem tudo é um pouco mais do que ele já tem”.


Quem acompanha o esporte de duas rodas tenta imaginar o que Marc Márquez ainda pode realizar na MotoGP neste final de temporada. O título mundial, sexto na classe e quarto consecutivo, foi conquistado na Tailândia com antecedência de 4 provas. O título de fabricantes para a Honda foi confirmado em Motegi com uma antecipação de 3 provas. A competição por equipes ainda é liderada pela Ducati Team que acumula 409 pontos, 240 de Andrea Dovizioso e 169 de Danilo Petrucci, a Repsol Honda tem 408, 375 dos quais obtidos por Márquez (Jorge Lorenzo contribuiu com 23 e Stefan Bradl com 10), o campeão já declarou que vai atrás também deste título. Antes do GP da Austrália equipe italiana tinha uma vantagem de 17 pontos, os 25 da obtidos em Phillip Island menos os 9 da 7ª colocação de Dovizioso reduziram a diferença para apenas 1, Lorenzo e Petrucci não pontuaram.


A etapa de Phillip Island foi complicada por problemas do clima, chuva e ventos fortes alteraram a rotina dos pilotos e as tomadas de tempo para formação do grid de largada foram postergadas para o dia de realização da prova. Em termos de estratégia Márquez não alterou o seu padrão, utilizou os testes livres para evitar o Q1 e trabalhou na adequação da moto para a prova sem a preocupação de marcar tempos. Uma queda de Quartararo no TL1 obrigou o francês a ausentar-se do TL2 e permitiu os protagonismos de Yamaha de Maverick Vinales e da Ducati de Jack Miller na sexta-feira. Vinales comandou os testes livres no sábado e ficou com a pole no domingo, compartilhando a primeira fila com Quartararo e Márquez.


A largada foi confusa, Valentino Rossi pulou da 6ª posição para a liderança, Danilo Petrucci foi catapultado da moto (highside) na 2ª curva e, na queda, tirou a Yamaha de Quartararo da prova. Cal Crutchlow com uma Honda e Andrea Iannone com uma inesperada Aprilia ocuparam as posições seguintes. Rossi liderou por 3 giros, Iannone por um pequeno trecho e Crutchlow por nove voltas, até a disputa ficar reduzida entre Vinales e Márquez. Os dois livraram alguma diferença do 3º, Crutchlow, que por sua vez abriu sobre os demais.


Existe uma regra não escrita que motores V4 (Honda, Ducati, Aprilia & KTM) entregam maior torque, apresentam maior velocidade final em retas, e propulsores com cilindros em linha (Yamaha & Suzuki) proporcionam melhor desempenho em curvas. Não foi o que aconteceu na prova, nas 16 voltas seguintes Márquez não procurou ultrapassar Vinales na grande reta e o piloto da Yamaha não conseguiu abrir uma distância confortável nos trechos sinuosos. Foi a reedição de um roteiro conhecido, já aconteceu em Silverstone quando Rins ficou na perseguição de Márquez e o venceu na última volta, em Misano e Buriram Márquez não permitiu a fuga de Quartararo e o ultrapassou nos momentos finais de ambas as provas. Até as gaivotas que sobrevoavam o circuito sabiam que o campeão ultrapassaria com a força do motor na última vez que percorresse a longa reta, foi o que aconteceu e, ao tentar retomar a posição no trecho sinuoso, Vinales se excedeu e caiu. Márquez ficou com a pista livre para obter a sua 11ª vitória nesta temporada, Cal Crutchlow herdou a 2ª posição com um atraso de mais de 11 segundos do líder e o australiano Jack Miller (3º) ficou muito feliz em obter um lugar no pódio em seu GP caseiro.


O resultado final apresentou algumas surpresas, Peco Bagnaia conduziu sua Ducati (Pramac) para a 4ª posição, a Suzuki de Joan Mir ficou em 5º, seguido da surpreendente Aprilia de Iannone (6º) e da Ducati de Dovizioso (7º). A Yamaha de Valentino Rossi, que entusiasmou o público no início da prova, ficou com a 8ª colocação, na frente de Rins (Suzuki) e da segunda Aprilia de Aleix Espargaro. Foi a primeira vez em muitas provas que Valentino conduziu a Yamaha melhor colocada na classificação final.


Enquanto o desempenho da Aprilia, duas máquinas entre os 10 primeiros, foi digno de elogios, a ausência da KTM no Top 10 foi a decepção do dia,. Talvez a única alegria para a fábrica austríaca tenha sido Pol Espargaro que, disputando a 12ª posição, bateu Johann Zarco em sua estreia na Honda por 0,1 segundo. Jorge Lorenzo prosseguiu em seu calvário e finalizou a prova com um intervalo superior a 1 minuto do líder.


Este fim de semana foi particularmente ilustrativo porque proporcionou a oportunidade de comparar duas concepções de circuitos para esportes motorizados. Na Austrália foi realizada a etapa da MotoGP em Phillip Island, um cenário paradisíaco onde o traçado é da escola antiga, construído privilegiando competições e não projetado para oferecer espetáculos ao público. No mesmo dia a Fórmula 1 visitou o circuito Hermanos Rodriguez na Cidade do México, uma pista reconstruída com base no antigo autódromo, introduzindo cantos geométricos e criando um desenho adequado para servir de palco para espetáculos com grande número de espectadores. Na reforma o autódromo mexicano perdeu um dos seus pontos mais representativos, a Curva Peraltada, e ganhou uma passagem pelas arquibancadas de um antigo estádio de beisebol para proporcionar um desfile de carros para os espectadores. A Peraltada era uma longa curva de 180º que antecedia a reta principal, de certa forma semelhante a Parabólica do Circuito de Monza. Segundo o projetista Hermann Tilke, responsável pela readequação do Hermanos Rodriguez, a curva foi descaracterizada por motivo de segurança, não haveria espaço do lado externo para área de escape.








segunda-feira, 21 de outubro de 2019

MotoGP – Motegi 2019 – Catch us if you can






Primeira volta em Motegi - 2019

Mesmo com o mundial já decidido, o público japonês lotou as dependências do autódromo da Honda em Motegi para o GP do Japão de 2019. O show das Yamaha nos testes livres que antecedem a prova já não impressiona, todos sabem que a única preocupação de Marc Márquez é obter um tempo suficiente para não participar do Q1. Enquanto outros pilotos utilizam pneus novos e pouco combustível nas últimas voltas de um treino para marcar tempos extraordinários e figurar nas manchetes, Márquez prossegue na sua rotina de melhorar a adequação do equipamento para a prova.



Alguns fatores extra pista acrescentaram atrativos para a legião de espectadores que afluíram ao circuito, durante a vistoria prévia da pista antes das provas, uma coreografia executada pelos auxiliares (voluntários) foi inusitada e criativa. Causou algum espanto quando no alinhamento das motos para a largada, ao contrário de todos os pilotos que equiparam seus protótipos com pneus para pista seca, a moto #93 se apresentou com compostos para a pista molhada. Óbvio que era uma manobra diversionista, ninguém entendeu a razão e os pneus foram trocados antes da largada.








Os presidentes das 3 fábricas nipônicas que participam da MotoGP, Honda, Yamaha e Suzuki, estiveram presentes visitando os boxes das equipes. . A TV oficial mostrou uma visita do presidente da Yamaha aos boxes da satélite Petronas para trocar umas poucas palavras com Franco Morbidelli. Talvez por acaso ou para passar uma mensagem subliminar, a imagem seguinte foi do box de Valentino Rossi, só com o piloto e mecânicos. A TV também flagrou o presidente da Suzuki acompanhando com atenção a luta de Alex Rins na tentativa de ganhar a posição de Cal Crutchlow nas últimas voltas (não conseguiu).



Não existe nenhuma lógica na discussão sobre quem é historicamente o melhor ou o mais importante piloto de todos os tempos. Não tem como comparar carreiras distintas desenvolvidas em tempos e ambientes fundamentalmente diferentes. A avaliação numérica não faz sentido, por exemplo, o formato atual de qualificação para a pole só foi criado em 1974, portanto utilizar o argumento que Marc Márquez detém o recorde de 90 poles na MotoGP implica em ignorar 25 anos de história. Muitos dos resultados de Giacomo Agostini nas pistas foram obtidos em uma época onde a vantagem dos equipamentos que ele utilizava era abissal, houve provas onde ele colocou uma volta inteira sobre o segundo colocado, algo impensável nas condições atuais. Em uma entrevista recente Andrea Dovizioso declarou que o talento de Valentino Rossi era superior ao de Marc Márquez, infelizmente não especificou qual o “talentômetro” que utilizou como métrica para sustentar esta afirmação. A lógica indica que o grid da MotoGP contempla os melhores pilotos em duas rodas do planeta e, portanto, é natural que quem conseguiu os melhores resultados nas últimas temporadas seja o mais comentado, entretanto em qualquer hipótese o título de “Melhor de todos os tempos” é inadequado. Outro exemplo, em um programa de TV na última semana um jornalista esportivo afirmou com convicção que o Brasil nunca produziu um atleta mais importante que Neymar Jr. Este cidadão provavelmente não acompanhou a carreira de Ayrton Senna e nunca ouviu falar que a mais de 30 anos Pelé foi eleito o Atleta do Século, em uma eleição em que participaram jornalistas das 20 mais importantes publicações de esportes (não só de futebol) do mundo.



Se declarar que Valentino Rossi é o melhor piloto da MotoGP que já existiu é controverso, porém não há como negar que o italiano tem amplo domínio dos meios de comunicações. Como nas últimas provas a moto que Rossi comanda é a pior Yamaha classificada, no Japão ele confidenciou que está negociando uma troca de experiências (swap) com Lewis Hamilton. O líder do Mundial de F1 cederia a sua Mercedes para um teste e, em contrapartida, italiano disponibilizaria para o britânico a sua M1. Rossi é ídolo em seu país, já testou uma Ferrari, o fato de mencionar um monoposto de um concorrente já foi suficiente para desviar o foco de atenções de seus resultados.



Se considerar a prova de Motegi como um espetáculo, o máximo que se pode comentar sobre o roteirista é que a criatividade não é o seu forte. A prova não contemplou fortes emoções. Marc Márquez (Honda) decidiu impor seu ritmo desde o início, saiu na frente, abriu vantagem e permaneceu na liderança durante toda a prova, exceto em um pequeno trecho da pista na primeira volta, quando foi ultrapassado por Fábio Quartararo (Yamaha), posição que recuperou em seguida. Quartararo procurou acompanhar o líder e, como não obteve sucesso, acomodou-se na 2ª posição sem ser incomodado. Atrás dele houve alguma disputa entre Dovizioso (Ducati), Vinales (Yamaha) e Morbidelli Yamaha). O italiano conseguiu a 3ª colocação, Vinales ficou em 4º e Morbidelli perdeu o fôlego no final e entregou a 5ª posição para Cal Crutchlow (Honda) nos últimos metros da prova. As duas Suzuki chegaram em 7º (Rins) e 8º (Mir), seguidos pelas Ducati de Petrucci (9º) e Miller (10º). Resumo da ópera: 3 Ducati, 3 Yamaha, 2 Honda e 2 Suzuki no top ten. No GP do Japão houve apenas 2 desistências por quedas, Iannone faltando 16 voltas e Rossi faltando 6. Fato incomum foi a 2ª pane seca do vencedor durante a volta de comemoração nesta temporada, Márquez foi rebocado em seu percurso para o parque fechado pela KTM de Hafizh Syahrin.



Para os anais da história, o GP do Japão vai ficar registrado como a vitória nº 54 de Marc Márquez na classe principal, o 100º pódio de Andrea Dovizioso e o GP nº 200 de Jorge Lorenzo. A Honda conseguiu em seu próprio circuito alcançar o 25º mundial de construtores. Os 350 pontos de Márquez até agora igualam ao número dos obtidos por Jorge Lorenzo na sua temporada dos sonhos em 2012, ano que venceu o mundial com uma Yamaha. Em relação ao piloto espanhol, que apresenta muita dificuldade em controlar a RC213V, o próprio presidente da Honda declarou em Motegi que Lorenzo continua na equipe em 2020.



Algumas decisões de equipes na MotoGP são difíceis de entender, Johann Zarco teve temporadas brilhantes em 2017/2018 com uma Yamaha da Tech3. Depois de uma passagem melancólica pela KTM, Zarco estava acertado para ser piloto de testes da equipe oficial da Yamaha na próxima temporada. A correção de um problema no ombro de Takaaki Nakagami o afastou das 3 últimas provas nesta temporada, a sua equipe (LCR) contratou o francês para suprir a sua ausência. Por ter aceitado pilotar uma Honda em 3 provas, Zarco foi comunicado do rompimento do acordo com a Yamaha para 2020.



A MotoGP está enfrentando nas últimas temporadas um problema que já atingiu outros esportes, sempre com resultados nefastos: previsibilidade. Quando o vencedor é previamente conhecido o espetáculo perde o interesse. Ainda estamos longe de um ponto de saturação e a mídia se esforça para criar novos desafiantes para Marc Márquez. Andrea Dovizioso, que por 3 anos pilotou o melhor equipamento do grid, mostrou fôlego insuficiente. Já houve quem apostasse em Maverick Vinales e Alex Rins, sem resultados práticos. A bola da vez é o francês Fábio Quartararo, que em toda a sua carreira venceu um único GP. Seu desempenho é promissor, especialistas que cobrem o campeonato preferem aguardar a evolução e reavaliar quando a sua equipe estiver disputando em pé de igualdade com as outras, sem as vantagens permitidas pelas concessões do regulamento.



Por enquanto Marc Márquez e sua Repsol-Honda estão representando o papel da banda Dave Clark Five em um filme lançado em 1965: “Catch us if you can”.



Carlos Alberto

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

MotoGP – O paradoxo da Temporada 2019








Em palavras simples, paradoxo é uma contradição lógica, uma situação que contradiz a intuição comum.



Desde a reformulação da MotoGP em 2002, com a introdução dos motores quatro tempos, todos os esforços dos promotores são orientados a buscar o equilíbrio entre o desempenho dos protótipos dos diversos fabricantes. Indicativos claros desta intenção podem ser identificados nas decisões ao longo dos tempos como, por exemplo, o fim da guerra dos pneus em 2009, quando estabeleceu um contrato de exclusividade para a Bridgestone fornecer os componentes para todos os competidores.



As temporadas entre 2011 & 2015 foram caracterizadas pela hegemonia total das fábricas japonesas Yamaha e Honda, superioridade atribuída principalmente aos investimentos no desenvolvimento do software embarcado. A promotora da MotoGP buscou equalizar as condições entre os competidores tornando coercitiva a utilização de uma eletrônica padronizada em 2016, ano em que a Michelin foi escolhida como a nova fornecedora exclusiva de pneus para a competição. Os resultados foram promissores, a temporada apresentou vitórias de 9 pilotos e quatro fabricantes. A cada ano os regulamentos são mais detalhados, inibindo que os protótipos de um fabricante apresentem uma vantagem muito grande sobre as demais.



O cenário no início de 2019 sugeria um campeonato extremamente disputado, com diversos pilotos em tese competindo com motos de desempenho muito semelhante. Depois de 15 GPs disputados, um participante com uma pontuação inalcançável pelos demais, faltando ainda 4 etapas, não se enquadra neste cenário. Entretanto o início foi promissor, no primeiro GP em Losail os 3 primeiros colocados (Dovizioso, Márquez e Crutchlow, nesta ordem) estiveram separados por apenas 0,329 segundos. Diferenças entre os dois primeiros, sempre de fabricantes diferentes, foram menores que 1 segundo em 7 das 15 etapas já realizadas. Dos pilotos que compartilharam o pódio, representantes da Honda estiveram presentes 16 vezes, da Yamaha e Ducati 13 vezes cada e da Suzuki em 3 oportunidades. Abstraindo a pontuação de Márquez, campeão por antecipação, existe alguma lógica na disputa pelo mundial. Apenas 22 pontos separam Rins (Suzuki), Vinales (Yamaha), Petrucci (Ducati) e Rossi (Yamaha) na disputa pela terceira posição. As provas já realizadas apresentaram vitórias de 4 fabricantes, A Honda de Márquez (9) é o ponto fora da curva que caracteriza o paradoxo, Ducati (3), Suzuki (2) e Yamaha (1) de alguma forma indicam que os esforços da promotora estão apresentando resultados.



Regulamentos rigorosos e abrangentes não restringem a criatividade e não uniformizam as características próprias dos equipamentos. Ducati e Honda, com motores V4, buscam potência e velocidade final, Suzuki e Yamaha utilizam propulsores com os cilindros montados em linha e respondem com maior equilíbrio e eficiência em curvas. Em tempo, existem dois modos de percorrer um contorno, mantendo a trajetória em arco ou freando violentamente e trocando rapidamente de direção. Exagerando, contornos tipo um U ou V, Suzuki e Yamaha optam pela primeira opção, Ducati e Honda pela segunda. Todos os fabricantes compartilham comandos de válvulas pneumáticos, mais eficientes que as molas dos motores convencionais, com exceção da Ducati que utiliza um exclusivo sistema desmodrômico. A KTM é fiel aos seus princípios e transporta para os seus protótipos os conceitos já utilizados em suas motos comerciais, chassi de treliça de aço e  suspensão com garfos e amortecedores WP.

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A performance de uma moto em um GP é creditada ao talento do condutor e desempenho do equipamento. O resultado final de um protótipo na pista depende muito da adequação de suas características com as habilidades do piloto. Em busca de uma explicação para o extraordinário sucesso de Marc Márquez na atual temporada, especialistas da Michelin (pneus) e Ohlins (suspensões), que prestam serviços para todos os pilotos do grid, concordam que ele exerce um controle absurdo do pneu dianteiro quando desliza nos contornos. A telemetria indica que ele atrasa a frenagem e é incrivelmente veloz no trecho final da aproximação de uma curva, onde consegue expressiva vantagem sobre os demais. Lógico, o equipamento tem que estar dimensionado para suportar as tensões resultantes desta técnica. Observadores da MotoGP entendem que o resultado nas pistas é dividido em partes iguais entre o piloto e a máquina, no caso específico de Márquez a contribuição do fator humano é quase 70%.



Parte da vantagem de Márquez em 2019 é devida à pulverização de resultados entre os demais pilotos. Andrea Dovizioso (Ducati) e Alex Rins (Suzuki), que se apresentaram como candidatos ao título no início do ano, só tiveram fôlego até a 3ª etapa, a partir da qual enquanto o piloto da Honda manteve sempre a 1ª ou 2ª colocação, seus competidores mesclavam bons resultados com colocações intermediárias. Vitórias efêmeras como a de Rins em Silverstone e performances como a de Quartararo em Misano e Buriram provocaram muitas manchetes na mídia e escassos resultados práticos.



O ano de 2019 não foi apenas um desfile triunfal do hexacampeão. Depois das férias de verão, cresceu a regularidade de Maverick Vinales, que assumiu a quarta colocação no campeonato como a Yamaha melhor classificada, enquanto a performance de Danilo Petrucci caiu muito depois que seu contrato foi renovado para 2020. A estrela de Fábio Quartararo brilhou em algumas provas, sua trajetória guarda alguma semelhança com a carreira de Johann Zarco em 2017/2018, quando comandou uma Yamaha para a equipe Tech3.



A temporada, que tinha tudo para ser a mais disputada de todos os tempos, transformou-se em um samba de uma nota só. A promotora da MotoGP ainda não descobriu um meio de equiparar a genialidade dos pilotos.


MotoGP – Buriram 2019




Buriram 2019 – Fabio Quartararo & Marc Márquez


O circuito de Chang situado nas cercanias de Buriram na Tailândia foi o cenário de mais uma etapa eletrizante da MotoGP. As fortes emoções já começaram nos testes livres da sexta-feira, seguindo sua estratégia habitual, Marc Márquez conseguiu um tempo suficiente para evitar o Q1 no sábado e reservou o resto do teste para ajustar a configuração da moto para a prova. Em uma saída para pista, estava contornando uma curva em baixa velocidade quando sofreu um highside assustador. O piloto foi ejetado da moto, que capotou diversas vezes. Márquez sofreu um grande impacto e ficou atordoado, foi atendido pelos paramédicos e conduzido a um hospital para realizar exames complementares. Não houve registros na TV oficial e o acidente foi capturado exclusivamente por câmeras de segurança, cuja qualidade deixa a desejar. O equipamento ficou seriamente danificado.

Acidente de Márquez na Tailândia



Existem duas versões para explicar o acidente, Márquez assume que foi um erro seu, como estava em velocidade baixa fechou totalmente o acelerador e, como resultado, o freio motor foi acionado e provocou o imprevisto.  Alguns representantes da imprensa especializada, que tiveram acesso aos destroços da moto, acreditam ter identificado indícios de uma falha mecânica (quebra) do braço oscilante.



Instado a comentar o incidente Andrea Dovizioso, até então o único com alguma possibilidade de postergar a decisão do título, explicou que existem dois tipos de pilotos, (1) os que exageram eventuais problemas de saúde para justificar baixa performance e (2) os estoicos que omitem o que sentem. Marc Márquez pertence ao segundo grupo, mesmo que estivesse sentindo algum desconforto em função do acidente, nunca utilizaria o fato como um atenuante para o seu desempenho.



Marc Márquez era a grande atração da prova na Tailândia, bastava abrir dois pontos sobre Andrea Dovizioso para conseguir o seu 6º título mundial na categoria principal. Houve algum tipo de apreensão até as autoridades médicas o liberaram para participar dos eventos de sábado e domingo. Na prova qualificação Márquez voltou a cair, desta vez sem maiores consequências, e conseguiu a última vaga da primeira fila.



Houve ainda uma ocorrência incomum no procedimento de largada, depois da volta de apresentação e antes da bandeira verde liberar o acionamento das luzes, a Ducati de Jack Miller (6º colocado no grid) simplesmente apagou. As máquinas italianas (e de quase todos os fabricantes) têm um modo específico para auxiliar o arranque inicial, que deve ser acionado instantes antes da largada. Miller, provavelmente confuso pelo excesso de adrenalina, acionou o botão errado e desligou o motor.  O australiano largou dos boxes e manteve um excelente ritmo de corrida e, sem o atraso inicial se classificaria no entre os Top Five no final da prova.



Déjà vu é um galicismo que descreve o sentimento que um fato em andamento já aconteceu antes. O termo é uma expressão da língua francesa que significa: "Já visto”.



A prova em Buriram foi um Déjà vu da 13ª etapa realizada nesta temporada em Misano, GP de San Marino. A Yamaha de Fábio Quartararo assumiu a liderança na largada e foi seguida de perto pela Honda de Marc Márquez. O líder na contagem de pontos não tinha a menor necessidade de correr riscos, seu único concorrente ao título estabilizou-se na quarta posição e nunca constituiu uma real ameaça. O espanhol e o francês forçaram o ritmo e não foram acompanhados pelos outros competidores. Enquanto agiam como gato e rato, os dois quebraram o recorde da pista diversas vezes, nos registros finais a volta mais rápida da prova foi realizada por Marc Márquez. Acompanhando os tempos por volta ficou claro que a Honda era mais efetiva nos setores 1 e 2 e a Yamaha utilizava a sua melhor velocidade em curvas para obter vantagem nos trechos mais sinuosos, setores 3 e 4. Márquez estava decidido a comemorar o seu 8º título com uma vitória e ultrapassou Quartararo no início da última volta, o francês tentou o revide avançando por dentro na última curva, mas entrou sem trajetória e abriu demais na saída, permitindo que a Honda aplicasse o X e cruzasse a linha 0,171 segundos à sua frente.  Assim como em Misano, Márquez tirou a vitória de Quartararo a poucos metros do final. A euforia do agora seis vezes campeão do mundo da MotoGP contrastou com a decepção do piloto francês, novato na categoria e que tem uma única vitória em mundiais, obtida em 2018 na Moto2.



O box da Honda não aprovou a decisão de seu principal piloto em perseguir a vitória, a segunda colocação já garantia o título e não fazia o menor sentido entrar em uma disputa intensa que poderia resultar em abandono. A TV conseguiu captar uma imagem de Alberto Puig, chefe da equipe, visivelmente contrariado com os riscos que Márquez corria nas voltas finais.



Além da disputa entre Márquez e Quartararo houve vida inteligente no GP da Tailândia. Depois de umas poucas voltas, as posições de Maverick Vinales (3ª) e Andrea Dovizioso (4º) ficaram estabilizadas, do 5º em diante houve alguma disputa de posições entre as Suzuki de Rins (5º) e Mir (7º) e as Yamaha de Rossi (8º) e Morbidelli (6º). Danilo Petrucci (9º) com a Ducati de fábrica e Cal Crutchlow (12º) com a LCR Honda tiveram um desempenho menor que o esperado, Jorge Lorenzo (18º) com a segunda Honda oficial chegou a quilométricos 54,723 segundos do líder.



A Yamaha decidiu, em atenção ao clamor da imprensa e do público em geral, cancelar a especificação de 500 rpm a menos no motor de Quartararo a partir da etapa da Tailândia e válido até o final da temporada. A medida visa proporcionar aos pilotos da equipe satélite melhores condições de disputa. A performance do francês da equipe Petronas nesta temporada tem algumas similaridades com as realizações de seu conterrâneo Johann Zarco no controle de uma Yamaha da Tech3 em 2017/2018. Em diversas oportunidades pilotos da Petronas conseguiram classificação melhor que os protótipos da equipe oficial. Na Tailândia, Valentino Rossi (8º) foi a pior Yamaha classificada.

Márquez e Honda já conquistaram os títulos de piloto e fabricante com 4 provas de antecedência. Ainda está em aberto o mundial de equipes, atualmente liderado pela Ducati. A fábrica nipônica acredita que ainda tem chances.

MotoGP - Todos contra um









Marc Márquez é a nova variável a ser considerada na programação do calendário da MotoGP. O fim das disputas muito antes da prova final não é bom para os organizadores, para os negócios, para o esporte, para os fabricantes e para os patrocinadores. Faltando ainda 5 etapas, o Campeonato Mundial que iniciou em março na prática já acabou, está decidido em favor do piloto da Honda. Sobraram as disputas por títulos secundários e todas as equipes já trabalham arduamente nos protótipos para a próxima temporada. Não há muito mais o que fazer em 2019.



A atual temporada pode ser considerada como um passeio no parque pelo piloto da Honda #93. Das 14 etapas já realizadas ele venceu 8, chegou 5 vezes em 2º lugar e em uma única oportunidade não pontuou, no GP dos EUA onde foi traído por um mau funcionamento do freio motor. Márquez e a Honda consideraram a falha mecânica como um evento fortuito. Muitos opinaram que sua queda no Circuito das Americas, onde nunca havia perdido um GP, foi provocada por soberba porque já tinha aberto uma lacuna de 4 segundos sobre o perseguidor mais próximo e continuava acelerando. Em nenhum momento o piloto justificou a queda como provocada pelo equipamento, classificou o evento como acidente por razões indeterminadas.



A mídia procura injetar ânimo no campeonato, festejando um novo herói cada vez que um piloto que consegue derrotar o campeão. Foi assim com Dovizioso na Áustria (A Ducati ressurge), com Alex Rins na Inglaterra (Lição de estratégia do piloto da Suzuki), com Petrucci na Itália e com Vinales em Assen, entretanto em todos os casos a presença de Márquez na disputa pela liderança é um fator invariável e, com exceção de Assen, sempre muito próximo.



Uma última tentativa de equilibrar o jogo é tentar tirar Márquez da Honda nas próximas temporadas. Os argumentos variam, ele nunca estará à altura de Valentino Rossi e outras lendas do esporte se competir sempre por uma única marca ou, talvez, com uma oferta financeira mirabolante de uma equipe concorrente.



A primeira hipótese não resiste a uma análise histórica, alguns dos maiores ídolos do motociclismo foram fiéis a um só fabricante. O australiano Mick Doohan pilotou para a Honda na classe 500cc durante toda a sua carreira entre 1989 a 1999, venceu 5 mundiais consecutivos entre 1994 e 1998. O norte americano Kenny Roberts participou de provas de motovelocidade entre 1974 a 1983 nas classes 250cc e 500cc, venceu 3 mundiais sempre com motos Yamaha. Seu compatriota Wayne Rainey competiu exclusivamente com a Yamaha entre 1988 e 1993 na 500cc, conseguiu um tricampeonato mundial.



A segunda incorre em um erro conceitual, embora a vitória sempre dependa da determinação e talento do piloto, há toda uma infraestrutura de apoio que não pode ser desconsiderada. A versão atual da RC213V foi desenvolvida especificamente para dar a Márquez as ferramentas que ele precisa para vencer, segundo suas especificações e adequada à sua técnica de pilotagem. Sua equipe nos boxes é a mesma desde as 250cc.  A Honda ainda tem a amarga lembrança dos tempos de vacas magras entre os títulos de Nick Hayden em 2006 e Casey Stoner em 2011. A gestão da equipe está ciente de que nos títulos mundiais de Márquez a fábrica nunca colocou um equipamento na 2ª posição. No ano passado a melhor Honda classificada depois do campeão foi a de Cal Crutchlow em 7º. Este ano a fábrica tem a liderança do campeonato (Márquez, 300 pontos) e o companheiro mais próximo, o britânico, ocupa a 9ª posição distante inimagináveis 202 pontos.



Para a fábrica nipônica a MotoGP sem Márquez não é uma opção. A fábrica lidera o campeonato de construtores (só pontua a moto melhor classificada) com 306 pontos, Márquez é responsável por 300, 6 foram obtidos por Takaaki Nakagami em Austin. A Ducati tem 241 divididos entre Andrea Dovizioso, Danilo Petrucci e Jack Miller. Valentino Rossi, Maverick Vinales e Fabio Quartararo contribuíram para a os 228 Yamaha.



A disputa por equipes até agora é liderada pela Ducati com 357 pontos obtidos por Dovizioso e Petrucci, a Honda tem 333 somando Márquez, Lorenzo e Bradl (só pontua quando substituiu o titular). Márquez isolado tem mais pontos que as equipes Yamaha (284 marcados por Maverick Vinales e Valentino Rossi) e Suzuki (209 obtidos por Alex Rins e Joan Mir).



Não precisa muito esforço mental para perceber o que Marc Márquez representa para a Honda, portanto é altamente improvável que permita sua saída unicamente por motivos financeiros. A assessoria pessoal de Márquez também está atenta a outros detalhes, a contratação de Valentino Rossi pela Ducati em 2011 foi um desastre total. Anos depois, em 2017, a fábrica italiana investiu uma verdadeira fortuna em Jorge Lorenzo e os resultados começaram a surgir uma temporada e meia depois. Resta conjecturar se Marc Márquez quer se sujeitar a algum tempo de ostracismo ou permanecer no topo da onda. O retumbante fracasso de Johann Zarco, brilhante na Yamaha da Tech3 e uma decepção na KTM oficial é um exemplo recente.



Marc Márquez tem 25 anos, ou seja, talvez mais uns 10 anos para competir em alto nível na categoria mais importante do motociclismo esportivo. Canalizando toda a sua energia para a MotoGP, o espanhol tem plenas condições de bater todos os recordes atualmente existentes nos próximos anos. Seu atual colega de box, o pentacampeão do mundo Jorge Lorenzo, aceita que este é o desenvolvimento natural do esporte, as fábricas sempre privilegiam as solicitações do piloto mais rápido da equipe. Como Marc desenvolveu um estilo de condução especial, muito agressivo, equilibrando a moto em ângulos absurdos nas curvas e com frenagens violentas, a fábrica desenvolveu um produto capaz de trabalhar melhor para ele. Pilotos com outros perfis custam e por vezes não conseguem se adaptar.