Mark Twain foi um escritor,
humorista e palestrante norte-americano que viveu entre 1835 e 1910, autor de
literatura infanto-juvenil e críticas incisivas contra o racismo que era
tolerado na época. A ele é atribuída a frase “existem três tipos de mentiras, o
embuste normal, a mentira acintosa e as estatísticas”. Neste último item podem
ser classificadas as manchetes que noticiam o ocaso da carreira de Valentino
Rossi. No início da atual temporada o desempenho do decano dos pilotos
apresentou bons resultados, sempre classificado entre os top 5, depois vieram
as provas de Mugello, Barcelona e Assen, que resultaram em desistências. Três
retiradas em provas seguidas não aconteciam com ele desde 2011, seu primeiro
ano na Ducati (2011), a pior temporada nos 20 anos que participa da principal
categoria. Foi o suficiente para comparar com os melhores anos de Rossi e
concluir que sua carreira estava se encaminhando inexoravelmente para o final.
Para os que comentam que a idade (40 anos) inviabiliza a performance em alto
nível cabe lembrar que John McGuinness, com
47, ainda compete e obtém vitórias em provas oficiais de Road Racing.
Valentino tem uma longa história na
MotoGP e já passou por momentos piores que o atual. Seus dois anos na Ducati,
2011 e 2012, foram sofríveis e ele conseguiu apenas três pódios, este ano
faltando 9 etapas ele já tem dois segundos lugares. É certo que sua última
vitória foi em Assen, em 2017, mas em 2018 foi o terceiro no mundial, ficando
atrás apenas de Márquez e Dovizioso.
A MotoGP está em constante
evolução. Na época das 500cc, que Giacomo Agostini empilhava recordes e passava
temporadas inteiras vencendo em todas as suas participações em GPs, sua moto
era muito superior à dos concorrentes e a diferença para o segundo colocado não
raro chegavam a casa dos minutos. Os tempos são outros, na atual temporada a
maior diferença entre os dois primeiros foi de 9,81 segundos, uma eternidade,
na prova de Rio Hondo. Nas nove etapas já realizadas em três oportunidades a
diferença foi menor de 1 segundo, em duas menores que 2 segundos e em outras
três entre 2 e 5 segundos. Só no GP da Argentina foi mais de 5 segundos. Nesta
temporada cinco pilotos diferentes pilotando equipamentos de quatro fabricantes
já galgaram o degrau mais alto do pódio, dois (Rins e Petrucci) pela primeira
vez. Dos componentes do grid neste ano Marc Márquez é o único ponto fora da
curva. Neste ambiente altamente competitivo ainda brilha a estrela de Valentino
Rossi.
O cantor e compositor sertanejo
Sérgio Reis imortalizou em versos uma assertiva que pode ser aplicada ao piloto
da Yamaha #46: “Não interessa se ele é coroa, panela velha é que faz comida
boa”.
O intervalo para as férias de verão
(na Europa) previsto no calendario da MotoGP é um terreno fértil para a
exploração de assuntos que durante a competição dificilmente mereceriam a
atenção da imprensa. Recentemente Paolo Ciabatti, diretor esportivo da
Ducati, comentou para a mídia italiana que, sem Marc Márquez, a equipe Honda
estaria disputando provas no bloco intermediário. Foi uma declaração voltada
para o público interno, justificando que os italianos desenvolvem equipamentos
para serem vitoriosos com qualquer piloto, enquanto a equipe nipônica trabalha
exclusivamente para o seu campeão. Em resposta, Alberto Puig que tem um
posto equivalente na Repsol Honda, citou que a sua equipe tem um longo
histórico de pilotos que venceram diversos mundiais, enquanto a concorrente
italiana tem um único, Casey Stoner em 2007. Ciabatti coleciona declarações
infelizes, na temporada passada inviabilizou precocemente a permanência de
Jorge Lorenzo na Ducati para esta temporada, contrariando o desejo do diretor
da equipe Gigi Dall’Igna.
O italiano tem razão em parte.
Desde que foi promovido para a vaga aberta por Casey Stoner na categoria
principal em 2013 Márquez venceu 49 GPs, os pilotos que mais se aproximaram
desta marca no mesmo período foram Jorge Lorenzo com 24 vitórias e Valentino
Rossi com 10. Nos campeonatos paralelos patrocinados pela MotoGP a
superioridade da Repsol-Honda é mais expressiva, no mundial de construtores
venceu em cinco oportunidades, 2013, 2014, 2016, 2017 e 2018. Na disputa entre
equipes obteve os títulos de 2013, 1014, 2017 e 2018. Marc Márquez venceu o
mundial de pilotos em 2013, 2014, 2016, 2017 e 2018. Durante este período
houveram 117 GPs e uma Honda cruzou a linha de chegada em primeiro lugar em 62
oportunidades, 49 com Márquez, 9 com Dani Pedrosa, 3 com Cal Crutchlow e uma
com Jack Miller.
A Ducati assumiu o posto de
protagonista no mundial de motociclismo favorecida pela obrigatoriedade do uso
da eletrônica padronizada a partir de 2016, que eliminou uma vantagem
expressiva que a Honda e a Yamaha tinham com o software proprietário. Houve
quem dissesse na ocasião que a eletrônica retrocedeu em mais de uma década e
nivelou a disputa por baixo. A Ducati de Dovizioso levou a decisão do título de
pilotos até a última etapa de 2017, embora com chances mínimas. A inconstância
e infelicidade dos pilotos da equipe oficial permitiu que em 2018 a temporada
fosse decidida em favor de Márquez faltando 3 etapas para o encerramento. Ainda
assim, mesmo contando com 3 desistências, Andrea Dovizioso conseguiu a segunda
colocação com uma margem de 47 pontos sobre Valentino Rossi, o terceiro
classificado.
Durante os dois últimos anos a
Desmosedici foi considerada por muitos a melhor moto que participa do mundial,
entretanto no final das temporadas o vencedor foi sempre um equipamento Honda.