Ducati Desmosedici GP-19 |
No século XIII os fidalgos de linhagem na
Península Ibérica podiam requerer indenização de qualquer injúria, sendo o
agressor condenado a pagar 500 soldos ou ser preso. O agressor poderia incorrer
na mesma pena caso voltasse a insultar a vítima. A legislação entendia que
qualquer outra vilta, vitupério sem razão, posterior à multa cobrada, não seria
incluída na primeira. Era matéria para novo julgamento, outra culpa, outro
dever. Seriam, evidentemente, outros quinhentos.
A expressão "outros quinhentos
significa algo diferente, outra história, outro elemento e é usada para
enfatizar que, apesar de eventuais similaridades, os objetos da comparação são
independentes.
A MotoGP conviveu na última década
trocando o protagonismo de pilotos e fabricantes. Em 2010 A Yamaha com Jorge
Lorenzo reinou absoluta, abrindo 138 pontos de vantagem sobre a Honda de Dani
Pedrosa, o segundo classificado. Em 2011 a Honda deu o troco com Casey Stoner e
venceu o campeonato com larga margem, 90 pontos. As temporadas de 2012 e 2013
foram equilibradas entre Yamaha e Honda, com o campeonato sendo decidido na
última prova. A RC213V da Honda deu um salto de qualidade em 2014 e Márquez
venceu com folga, 67 pontos. O ano de 2015 presenciou uma disputa interna entre
os pilotos Lorenzo e Rossi da Yamaha, caso raro entre pilotos com o mesmo
equipamento.
A temporada de 2016 foi diferente, em tese
os regulamentos extinguiram o gap de tecnologia existente entre os fabricantes
e equalizaram as condições entre as fábricas, nivelando por baixo com a
eletrônica padronizada e a mudança do fornecedor de pneus. Foi o primeiro ano
em que a francesa Michelin substituiu a nipônica Bridgestone. A engenharia da
Honda foi mais eficiente na adaptação e Márquez venceu o mundial com
antecedência abrindo 49 pontos sobre a Yamaha de Rossi. Em 2017 a Ducati
recuperou os bons tempos de 2007 de Casey Stoner, e Andrea Dovizioso se
apresentou na última prova da temporada ainda com chances (muito remotas) ao
título.
Os prognósticos de 2018 eram de uma
temporada com disputas acirradas, terceiro ano da eletrônica padrão, restrições
relacionadas a aerodinâmica e sem nenhum fabricante apresentando grande
vantagem sobre os demais. A Michelin implementou alterações no comportamento
dos compostos que algumas equipes custaram a encontrar um ajuste aceitável. O
talento de Marc Márquez frustrou as esperanças dos organizadores vencendo 9, a
metade das provas, a equipe da Ducati ficou com 7 etapas, porém com a pontuação
pulverizada entre seus pilotos (4 vitórias de Dovizioso e 3 de Lorenzo). A
Yamaha de Vinales e a Honda da independente LCR ficaram com as duas restantes. Para
a alegria dos promotores, os três primeiros colocados no campeonato foram
pilotos de fábricas diferentes, Honda, Ducati e Yamaha.
Todo este prólogo foi necessário para
tentar antever a temporada de 2019. Já está evidente que Honda e Ducati optaram
por estratégias distintas, a Repsol-Honda aposta em dois campeões do mundo e
assume o compromisso de adequar os equipamentos ao gosto de seus pilotos, ou
seja, ajustes distintos. A Ducati, com um novo patrocínio, já deixou claro que
aposta todas as suas fichas em Andrea Dovizioso. Seu companheiro, Danilo
Petrucci, sabe que é apenas um auxiliar, mudou-se para perto da residência do colega
e trocou seu pessoal de apoio, médico e psicólogo, para os indicados pelo
piloto principal da equipe. Na Yamaha
ainda persiste uma atenção maior para Valentino Rossi, que ainda batalha para
ser o maior vencedor na história da MotoGP. Maverick Vinales está
gradativamente tendo uma voz mais ativa na equipe e tem a seu favor a única
vitória da fábrica na temporada passada.
A Suzuki, que passou sabática na temporada
passada, acredita nos jovens pilotos Alex Rins e Joan Mir, entusiasmada com o
desempenho dos equipamentos no final de 2018. A austríaca KTM acredita que pode
lutar pelo pódio em algumas provas, investiu pesado na contratação de Johann
Zarco para fazer companhia a Pol Espargaró. A KTM decidiu equipar uma equipe independente,
mais motos disputando nas pistas significa mais feedbacks para a engenharia, a divisão
de competições da fábrica tem pressa. Andrea Iannone e Aleix Espargaró vão
comandar as duas Aprilia sem muitas aspirações além de ficar entre os top ten.
Existem algumas novidades entre as
independentes, a Monster Yamaha
Tech 3 muda para Red Bull KTM Tech 3 e surge a Petronas Yamaha SRT, o nome da
equipe satélite da Yamaha. LCR continua com a Honda, Pramac e Avintia continuam
a competir com equipamentos Ducati.
Tudo
acontece como se as disputas da nova temporada serão equilibradas, com as
Ducati, Yamaha, Honda e Suzuki em iguais condições de disputar vitórias, KTM e
Aprilia podem eventualmente aparecer nos pódios. No início da temporada todos
os holofotes estarão centrados nos boxes da Repsol-Honda para acompanhar o
trabalho conjunto de dois pilotos multi-campeões, com características
distintas, Márquez com sua impetuosidade peculiar e uma capacidade imensa de
improvisação, Lorenzo com uma técnica suave e refinada, que parece estar pilotando
sobre trilhos.
Na
apresentação da Ducati, as novidades ficaram por conta de um novo patrocinador
e um grafismo com muito mais vermelho que a temporada passada. Gigi Dall’Igna,
gestor da equipe oficial disse que a Desmosedici GP19 é uma evolução do modelo
anterior, não uma revolução. A equipe de engenharia tenta aprimorar o
comportamento do protótipo nas curvas, mantendo o desempenho em frenagens e
acelerações. A GP19 também trabalha na aerodinâmica e apresentou nos testes uma
haste de torque visando conseguir mais aderência na roda traseira.
A Yamaha
também trocou o principal patrocinador. A Movistar foi substituída pela Monster
Energy e é esperado um novo visual da carenagem, com o tradicional azul cedendo
espaço para o verde fluorescente habitual da gigante dos
energéticos. Por enquanto a nova identidade visual é só especulação, que deve
permanecer oculta até a apresentação oficial em 4 de fevereiro.
Poucos se
animam a fazer previsões para a próxima temporada, além de esperar mais
disputas. Tudo indica que, no jargão popular, a temporada da MotoGP em 2019
tenha um resultado mais imprevisível, afinal são “outros 500”.