segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

MotoGP – Temporada de 2018




Em todo o início de novo ano o fenômeno se repete. Videntes e adivinhos são convocados pela grande mídia para anunciarem os principais acontecimentos que devem ocorrer no próximo intervalo em que a Terra realizar um giro completo em torno do sol. A maioria das previsões são obviedades do tipo “Um novo escândalo vai abalar a classe política no Brasil” ou “Um jogador vai ser vendido por uma fortuna para um clube europeu”, talvez “um artista famoso vai sair do armário”, nada que não aconteça todos os anos. Há inclusive quem diga que os resultados da temporada de 2018 da MotoGP estão detalhados nas profecias realizadas por Nostradamus no Século XVI. 
A MotoGP tem uma característica própria, os contratos de suas grandes estrelas costumam ter a duração de 2 anos e muitos se encerram no fim de 2018. Os meses onde as renovações e/ou contratações são realizadas foram definidos por Lin Jarvis, gestor da equipe de fábrica da Yamaha, como “temporada maluca” e tendem a ser repletos de surpresas. No início de 2016 Valentino Rossi realizou uma manobra classificada como jogada de mestre, ainda com um ano de contrato fechou com a Yamaha por mais duas temporadas, 2017 e 2018, dificultando a renovação de seu colega e desafeto Jorge Lorenzo com a equipe. Este ano o cenário pouco mudou, o foco das notícias tende a se concentrar na possível, não provável, aposentadoria do gênio italiano.  O grande sonho de ser o recordista em vitórias (faltam 7 para igualar o número de Agostini) e em mundiais (falta 1 na classe principal) está cada vez mais complicado.
As declarações recentes do piloto italiano repetem a estratégia utilizada em 2016, enquanto estiver motivado, com boas condições físicas e com um equipamento competitivo continua nas pistas. Suas ligações com a Yamaha limitam suas escolhas futuras, todo o planejamento pós-aposentadoria nas pistas está vinculado à fábrica japonesa. A Academia de Pilotos VR46 é apoiada pela marca e os pilotos da sua equipe Sky VR46 que disputam a Moto2 e Moto3 estão sendo preparados para pilotar as M1 na MotoGP. O leque de opções de Rossi também não é amplo, as declarações enquanto piloto da Ducati desagradaram a fábrica e inviabilizam um retorno e a HRC não perdoa o que classifica como traição em 2003. Suzuki, KTM e Aprilia ainda não são opções para quem necessita de excelentes resultados a curto prazo.
Com um risco mínimo de errar, a não ser que a primeira metade de 2018 seja desastrosa, Valentino Rossi renova com a Yamaha, a única questão em aberto é a duração do contrato, um ou dois anos.
Talvez a única unanimidade dos profissionais da mídia que acompanham a MotoGP é que o sucesso da Honda nas últimas temporadas tem nome e sobrenome: Marc Márquez. Na relação piloto/equipamento que define um perfil vencedor o talento do piloto espanhol desequilibra e compensa eventuais desacertos do projeto da moto. Sua habilidade no comando da RC213V afronta conceitos básicos da física, sua capacidade de manter o controle do equipamento em situações consideradas como quedas inevitáveis já é lendária. Márquez é um exemplo de piloto que extrai de um equipamento bem mais do que ele pode fornecer.
Nas temporadas de 2016 e 2017 a Honda utilizou motores com mudanças conceituais, em 2016 inverteu a rotação do eixo de manivelas para equilibrar o efeito giroscópio e em 2017 alterou a temporização dos pistões de Screamer para Big-Bang. O início das duas temporadas foi complicado, porém Márquez conquistou ambos os campeonatos com cinco e seis vitórias respectivamente, literalmente quilômetros à frente de qualquer outra das 4 Honda do grid. A recuperação nas últimas etapas do ano passado é compartilhada com o pragmatismo do então gestor da equipe, o italiano Livio Suppo. Ciente que os engenheiros da fábrica estavam com dificuldades para explorar o software desenvolvido pela Marelli, Suppo contratou um dos responsáveis pelo projeto no desenvolvedor italiano para colaborar com os japoneses. Os resultados foram quase imediatos, com o software melhor calibrado, Márquez venceu cinco das dez últimas etapas.
Se nos dois últimos anos a Honda disputou as primeiras provas com desempenho inferior aos seus competidores, a temporada de 2018 promete uma história diferente. Os testes realizados logo após a prova de Valência evidenciaram que a RC213V modelo 2018 está muito bem ajustado, com quase a totalidade dos defeitos do modelo anterior endereçados com sucesso. A Michelin também encontrou uma linha consistente de desenvolvimento de pneus e, com condições mais previsíveis, é lícito antecipar que Márquez é, desde já, um forte candidato a colecionar várias vitórias na próxima temporada.
Embora existam pilotos com contratos que não se encerram em 2018, tudo indica que não é esperada nenhuma notícia de impacto nesta área. Marc Márquez está feliz na Honda e em entrevista recente Lívio Suppo, quando ainda gestor da HRC, informou que a motivação financeira não é o item mais importante para a renovação de seu contrato. Ele explicou que Márquez é o único esportista de elite que declara e paga seus tributos ao ganancioso fisco espanhol, todos os outros, e a lista é grande, procuram o abrigo de paraísos fiscais. Ele desenvolveu uma equipe de apoio reconhecida pela competência e amizade que os une, que é um dos elementos básicos para o seu sucesso. Lembrando sempre que as equipes de fábrica evitam contratar uma equipe completa porque engenheiros e mecânicos não tem intimidade com a nova moto e a experiência adquirida pelos membros antigos é perdida.
A melhor opção disponível para a segunda moto da Honda continua sendo Dani Pedrosa. Embora o piloto seja subestimado pela mídia, Pedrosa é o único piloto que ganhou pelo menos uma corrida por 16 temporadas seguidas, o oitavo mais bem sucedido na principal categoria e com um número de vitórias igual ao lendário Eddie Lawson e maior que monstros sagrados como Kevin Schwantz, Wayne Rainey e Kenny Roberts.  A última prova da temporada de 2017 em Valência comprovou que é um piloto combativo ao ultrapassar Johann Zarco na última volta. A HRC reconhece em Pedrosa, que desenvolveu toda a sua carreira na Honda, um profissional competente e correto.
Na Yamaha tudo gira em torno da decisão de Valentino Rossi. Maverick Vinales começou a temporada passada de modo arrasador e seu desempenho caiu em função dos desacertos com o chassi e a nova construção dos pneus. Se estas limitações forem endereçadas a contendo, não há alternativa melhor para ele.
Embora pareça paradoxal, o sucesso de Dovizioso em 2017 criou um problema para a Ducati, o italiano mostrou que é injusto o salário que ganha em relação ao de Lorenzo. A fábrica entende que o orçamento não é ilimitado e recursos são necessários para manter o desenvolvimento do equipamento, não faz sentido endereçar a maior parte exclusivamente para os pilotos. A Ducati também reconhece que, embora de temperamento difícil e ainda sem sincronia com a equipe de apoio, os resultados de Lorenzo na segunda metade de 2017 mostraram que ele é competitivo. Alguns observadores mais atentos lembram que os resultados do espanhol já excederam os obtidos por Valentino Rossi em sua desastrosa passagem pela equipe. Recentemente a Ducati perdeu um patrocínio importante da TIM e, como redução salarial é um assunto difícil de endereçar, se houver alguma novidade em relação a dupla de pilotos para 2019/2020 é provável que venha de Burgo Panigale.
Dificilmente a Suzuki vai repetir o erro que cometeu em 2016. Ao trocar seus dois pilotos, perderam a referência sobre um equipamento ainda em evolução. Alex Rins e Andrea Iannone escolheram o motor errado e a perda das concessões pelos sucessos obtidos por Vinales impediu o seu desenvolvimento durante a temporada. Em 2018 as concessões retornam e pilotos com mais experiência podem obter resultados melhores, o que os capacitaria a permanecer na equipe.
A não ser que aconteça algum grande imprevisto, as novidades podem vir da KTM. Pol Espargaró e Bradley Smith estão trabalhando pesado no desenvolvimento do equipamento, entretanto nenhum deles aparenta ser capaz de vencer um campeonato a longo prazo. A direção da KTM acompanha a evolução de seus pilotos da Moto2, Miguel Oliveira e Brad Binder, e existe ainda a opção Johann Zarco, que fez um final de temporada brilhante em 2017 pilotando um equipamento Yamaha versão anterior pela Tech3.
Aleix Espargaró e Scott Redding parecem tranquilos na Aprilia, com pouca chance de sucesso porque a moto é muito ruim. A LCR assumiu como parceira efetiva da Honda e Cal Crutchlow é considerado com o terceiro piloto da HRC, que inclusive responde por seu salário. Ele e Takaaki Nakagami já tem compromisso para 2019, assim como Franco Morbidelli que assinou com a Marc VDS.



Entry List – MotoGP 2018




Piloto
Nacionalidade
Idade
Equipe
Moto
4
Andrea Dovizioso
Italiano
31
Ducati Corse
Ducati
5
Johann Zarco
Francês
27
MONSTER Yamaha TECH 3
Yamaha
9
Danilo Petrucci
Italiano
27
Octo Pramac Yacknich
Ducati
10
Xavier Simeon
Belga
28
Avintia Ducati
Ducati
12
Thomas Luthi
Guiana
31
Marc VDS Honda
Honda
17
Karel Abraham
Checo
28
Angel Nieto Team
Ducati
19
Alvaro Bautista
Espanhol
33
Angel Nieto Team
Ducati
21
Franco Morbidelli
Italiano
23
Marc VDS Racing Team
Honda
25
Maverick Vinales
Espanhol
23
Movistar Yamaha MotoGP
Yamaha
26
Dani Pedrosa
Espanhol
32
Repsol Honda Team
Honda
29
Andrea Iannone
Italiano
28
Team Suzuki ECSTAR
Suzuki
30
Takaaki Nakagami
Japonês
25
LCR Honda
Honda
35
Cal Crutchlow
Britânico
32
LCR Honda
Honda
38
Bradley Smith
Britânico
27
Red Bull KTM Factory Racing
KTM
41
Aleix Espargaro
Espanhol
33
Aprilia Racing Team Gresini
Aprilia
42
Alex Rins
Espanhol
22
Team Suzuki ECSTAR
Suzuki
43
Jack Miller
Australiano
22
Octo Pramac Yacknich
Honda
44
Pol Espargaro
Espanhol
26
Red Bull KTM Factory
KTM
45
Scott Redding
Britânico
25
Aprilia Racing Team
Aprilia
46
Valentino Rossi
Italiano
38
Movistar Yamaha MotoGP
Yamaha
53
Tito Rabat
Espanhol
28
Avintia Racing
Ducati
93
Marc Marquez
Espanhol
24
Repsol Honda Team
Honda
94
Jonas Folger
Alemão
24
Monster Yamaha TECH 3
Yamaha
99
Jorge Lorenzo
Espanhol
30
Ducati Corse
Ducati


sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

MotoGP - Atenção aos Detalhes (Combustível)

Localização do Tanque


Um antigo ditado chinês justifica a importância dos pequenos detalhes: "Por causa de um prego uma ferradura foi perdida, por causa da ferradura um cavalo foi perdido, por causa do cavalo uma mensagem não foi entregue, pela falta da mensagem uma batalha foi perdida e por causa da batalha perdeu-se a guerra". No universo da MotoGP existe o consenso que o sucesso em uma competição depende de uma conjunção de fatores, entre eles a capacidade técnica da equipe, disciplina, talento do piloto, disponibilidade de recursos financeiros e a cuidadosa atenção aos detalhes.


O consumo de combustível é um fator fundamental em uma competição. O GP de San Marino (Misano) em 2017 registrou um caso emblemático de um problema conhecido como pane seca. O piloto Johann Zarco que estava em sétimo ficou sem gasolina faltando poucos metros para a chegada. O francês da Tech3 perdeu várias posições e com grande esforço cruzou a linha final empurrando sua moto, conquistando um único ponto pela décima quinta colocação. O regulamento da competição permite que cada equipe escolha o seu fornecedor de combustível, desde que o produto esteja de acordo com rígidas especificações técnicas, e limita a capacidade do tanque em 22 litros. Este volume deve ser suficiente para percorrer as 28 voltas dos 4.318 metros do circuito Red Bull Ring, a prova mais longa do calendário (120,9km).


A engenharia do tanque de gasolina de um protótipo da MotoGP é diferenciada. O recipiente é posicionado de modo a harmonizar o equilíbrio do equipamento, considerando que o seu peso total diminui com o consumo durante uma prova. A estrutura interna é fracionada em pequenas células para impedir que o deslocamento de um grande volume do líquido altere o centro de gravidade do conjunto quando a máquina é inclinada em curvas. Durante algum tempo houve comentários nos boxes que algumas equipes estariam utilizando defletores internos para manter certa quantidade do líquido na parte da frente ou de trás do tanque, em busca de uma pequena vantagem com uma distribuição de peso diferente. A posição ideal para a pequena quantidade de combustível necessária em qualificações é distinta de um tanque cheio antes de uma prova.


O regulamento também é específico ao indicar limitações para a utilização de propriedades físicas do líquido que possam, de alguma forma, resultar em vantagem para algum competidor. O combustível utilizado no abastecimento pode ser resfriado um máximo de 15ºC em relação a temperatura ambiente. Esta regra foi introduzida por causa de suas propriedades físicas, um volume de 22 litros de gasolina com a temperatura de 15ºC pesa 16,5kg. Elevando para 25ºC o peso continua o mesmo, porém as características de dilatação aumentam o volume para 22,209 litros, que excede a capacidade do tanque. Com 5ºC o peso de 16,5kg do mesmo combustível ocupa 21,791 litros, ou seja, é possível pôr mais gasolina no tanque. Estes detalhes podem responder por milissegundos necessários para vencer uma prova, e são exaustivamente e ensaiados e analisados em laboratório e treinamentos antes de um GP.


Honda RC 213v com Protetor Térmico
Em algumas provas disputadas em condições de clima quente, a presença de Grid-Girls com guarda-sol não obedece apenas a critérios publicitários, comodidade dos pilotos ou aumentar a plasticidade visual do evento. A sombra serve também para proteger o depósito de gasolina da incidência direta de raios solares. Algumas equipes utilizam também o recurso de coberturas térmicas no grid de largada para limitar a variação de temperatura do tanque durante a espera.


Existem uma diversidade de fatores que influenciam o consumo de um protótipo. Carenagens para aumentar o arrasto aerodinâmico e proporcionar maior downforce permitem maior velocidade na entrada de curvas, porém obrigam o motor a produzir maior energia para retomar a velocidade e resultam em queimar mais gasolina. O modo agressivo ou suave do piloto no acionamento do acelerador e dos freios, a gestão eletrônica e escolha das configurações de mapeamento do motor são elementos que influenciam o consumo da máquina.

Mensagens do Box
Uma das maravilhas da MotoGP é impossibilidade de as equipes de apoio dos boxes interferirem na gestão do consumo durante uma prova. A telemetria ativa é proibida pelo regulamento, as decisões são exclusivas dos pilotos e o máximo que é permitido são mensagens enviadas para o painel da moto. A utilização deste recurso foi muito questionada durante os últimos GPs de 2017. Em Sepang e Valência a equipe Ducati enviou diversas orientações para Jorge Lorenzo com o texto Suggested Mapping: Mapping  8. Em tese o pessoal de apoio do box estava sugerindo o uso mais conservador dos recursos disponíveis (pneus e combustível), porém as colocações momentâneas durante a prova indicavam que se tratava de uma ordem direta para permitir a ultrapassagem do colega de equipe e aspirante ao título Andréa Dovizioso. Como a decisão de acatar ou não é exclusiva do piloto, em Valência Lorenzo optou por ignorar as indicações.

Ainda em relação as mensagens recebidas pelos pilotos, a Comissão de grandes prêmios, composta por representantes da Dorna, FIM, IRTA e MSMA, reunida na Suíça em 29 de novembro de 2017 decidiu manter para 2018 o procedimento utilizado no final de 2017, em conformidade com os protocolos de cronometragem da Dorna. A exigência principal é que qualquer mensagem enviada para o painel de controle do piloto deve ser disponibilizada simultaneamente para os comissários da prova e a cobertura da TV.