Rollie Free - Record de velocidade em 1946 (240 km/h) |
O
filme Rush, que estreou nas salas de exibição comercial em 2013, conta em uma
versão romanceada a rivalidade entre James Hunt e Niki Lauda na temporada de
1976 da Fórmula 1. Os primeiros minutos
da película contém uma cena antológica, a modelo Suzy Miller, que viria a ser a
esposa de James Hunt, visita uma instalação da equipe Hesketh e encontra o
piloto sentado no piso simulando uma volta na pista de Mônaco. Ele praticava
mentalmente a memorização do circuito e visualização das ações, ensaiando cada
freada, cada aceleração e cada curva. A sequência serve para ilustrar que
participar de uma competição de alto nível não é uma só uma aventura, a evolução
tecnológica e a crescente especialização dos equipamentos exige muita dedicação
e trabalho de preparação.
Os
protótipos da MotoGP desenvolvem velocidades superiores a 300 km/h em diversos
trechos das pistas que hospedam etapas do campeonato mundial. Nessas ocasiões os
tempos para reação são muito curtos e o entorno muda em um piscar de olhos. Todos
os pilotos utilizam treinamento intenso para se orientarem sem erros em um
ambiente onde a visibilidade é prejudicada em função da velocidade.
Orientar-se
observando o piso imediatamente à frente é virtualmente impraticável, não há
tempo. Quanto mais rápido um protótipo andar, menor é o período de reação às
curvas e obstáculos que podem ser encontrados em um circuito, o piloto deve
estar atento ao que acontece próximo ao seu redor e ter idealizadas as próximas
manobras. O cenário varia com a mesma velocidade do veículo e na posição do
piloto, agachado sobre a moto para colaborar com a aerodinâmica e reduzir o
arrasto, o campo de visão é prejudicado.
Cada
piloto tem sua própria técnica de condução e a regra geral é dificilmente focar
o ambiente mais próximo, eles centram a atenção em pontos de referência que
estão mais distantes. Letreiros, placas de propagandas, sinalizações da pista, mudanças
de topologia etc. são úteis para auxiliar a navegação em cada trecho do traçado.
Os pontos de referência indicam a aproximação de curvas, necessidade de acionamento
de freios, inclinar o equipamento e acionar o acelerador. Muito da eficiência do
piloto depende da sua familiarização com os elementos de cada layout, que o auxiliam
a escolher o melhor traçado na pista. As variáveis incluem os sentimentos do condutor
em relação ao seu equipamento e seu conhecimento do circuito, condições
importantes para escolher a melhor linha para cruzar de um ponto a outro antes
de identificar a próxima referência no seu campo de visão. Uma boa avaliação de
distâncias e espaços tridimensionais obviamente é de grande ajuda quando se
trata de obter o melhor tempo em uma volta.
Apesar
de pontos de referência e da experiência em treinamentos e provas anteriores,
que podem ajudar a encontrar o melhor traçado, há elementos que agregam dificuldades
adicionais. Um piloto não está sozinho na pista, deve evitar adversários, ultrapassar
concorrentes e eventualmente adotar uma linha defensiva para proteger a sua
posição. Quando uma moto ultrapassa outra em uma curva a manobra acarreta muitos
riscos e o tempo de reação tem que ser imediato. Se o concorrente está à frente
e o piloto tenta ultrapassar o problema é menor, ele pode ver e analisar os
movimentos do adversário, na situação oposta é muito mais complicado. O barulho
gerado pelo próprio equipamento mascara o ruído do motor do rival, que só é
perceptível quando as motos estão muito próximas. Alertas via mensagens no dashboard são
impraticáveis nestas ocasiões, o auxilio externo mais eficiente é a indicação
por painéis nos muros da pit-lane. Estas
informações auxiliam a
analisar a situação e tomar decisões com base no perfil do piloto e do modelo
da moto que está atrás.
Um
caso didático da importância da informação correta nos painéis dos boxes aconteceu
no GP de Valência em 2016. O piloto Johann Zarco Johann Zarco, que liderou
durante quase todas as voltas, havia solicitado ao seu pessoal de apoio para
não mostrar placas com a posição de Márquez e Dovizioso durante a prova, para
não prejudicar a sua concentração. No final da prova ele percebeu uma Honda
laranja muito próxima e a sua adrenalina subiu. Com os pneus já deteriorados e
imaginando ser Márquez, ficou preocupado em não provocar um acidente tentando
resistir a uma ultrapassagem. Foi ultrapassado na última volta pela moto de
Dani Pedrosa, depois da prova confessou que poderia ter resistido e perdeu a
sua primeira vitória na MotoGP por falta de informação.
Ocasionalmente,
embora não seja aconselhável, o condutor pode virar a cabeça para ter uma
referência visual onde estão seus rivais.
A
sensibilidade desempenha um papel central quando se trata de perceber o entorno
de uma moto em uma pista. Como já foi citado, observar o piso para avaliar o
seu estado é completamente impraticável, não há tempo para isso. As condições do
asfalto e como uma moto reage em uma dada superfície são avaliados através do
feedback que o condutor recebe das rodas, suspensão e chassi. Esta fonte de
informação é vital para os pilotos porque permite interpretar os sinais que a
moto transmite e levá-la próxima ao limite respeitando o estado do equipamento
e o desgaste dos pneus.
Finalmente,
enquanto a atmosfera de um circuito pode ser inundada com aromas característicos,
excepcionalmente o piloto pode identificar pelo odor quando há alguma irregularidade
mecânica. É um fato muito isolado porque a aerodinâmica cria um fluxo de ar que
auxilia a dispersar indicadores de peças sobreaquecidas ou queima de óleo.
O
mais importante, quando um equipamento está respondendo em altas velocidades o
tempo de tomada de decisões é muito restrito, ter uma boa intuição e confiar em
seus instintos é fundamental.