quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

MotoGP – Percepção nas pistas

Rollie Free - Record de velocidade em 1946 (240 km/h)



O filme Rush, que estreou nas salas de exibição comercial em 2013, conta em uma versão romanceada a rivalidade entre James Hunt e Niki Lauda na temporada de 1976 da Fórmula 1.  Os primeiros minutos da película contém uma cena antológica, a modelo Suzy Miller, que viria a ser a esposa de James Hunt, visita uma instalação da equipe Hesketh e encontra o piloto sentado no piso simulando uma volta na pista de Mônaco. Ele praticava mentalmente a memorização do circuito e visualização das ações, ensaiando cada freada, cada aceleração e cada curva. A sequência serve para ilustrar que participar de uma competição de alto nível não é uma só uma aventura, a evolução tecnológica e a crescente especialização dos equipamentos exige muita dedicação e trabalho de preparação.


Os protótipos da MotoGP desenvolvem velocidades superiores a 300 km/h em diversos trechos das pistas que hospedam etapas do campeonato mundial. Nessas ocasiões os tempos para reação são muito curtos e o entorno muda em um piscar de olhos. Todos os pilotos utilizam treinamento intenso para se orientarem sem erros em um ambiente onde a visibilidade é prejudicada em função da velocidade.


Orientar-se observando o piso imediatamente à frente é virtualmente impraticável, não há tempo. Quanto mais rápido um protótipo andar, menor é o período de reação às curvas e obstáculos que podem ser encontrados em um circuito, o piloto deve estar atento ao que acontece próximo ao seu redor e ter idealizadas as próximas manobras. O cenário varia com a mesma velocidade do veículo e na posição do piloto, agachado sobre a moto para colaborar com a aerodinâmica e reduzir o arrasto, o campo de visão é prejudicado. 


Cada piloto tem sua própria técnica de condução e a regra geral é dificilmente focar o ambiente mais próximo, eles centram a atenção em pontos de referência que estão mais distantes. Letreiros, placas de propagandas, sinalizações da pista, mudanças de topologia etc. são úteis para auxiliar a navegação em cada trecho do traçado. Os pontos de referência indicam a aproximação de curvas, necessidade de acionamento de freios, inclinar o equipamento e acionar o acelerador. Muito da eficiência do piloto depende da sua familiarização com os elementos de cada layout, que o auxiliam a escolher o melhor traçado na pista. As variáveis incluem os sentimentos do condutor em relação ao seu equipamento e seu conhecimento do circuito, condições importantes para escolher a melhor linha para cruzar de um ponto a outro antes de identificar a próxima referência no seu campo de visão. Uma boa avaliação de distâncias e espaços tridimensionais obviamente é de grande ajuda quando se trata de obter o melhor tempo em uma volta. 


Apesar de pontos de referência e da experiência em treinamentos e provas anteriores, que podem ajudar a encontrar o melhor traçado, há elementos que agregam dificuldades adicionais. Um piloto não está sozinho na pista, deve evitar adversários, ultrapassar concorrentes e eventualmente adotar uma linha defensiva para proteger a sua posição. Quando uma moto ultrapassa outra em uma curva a manobra acarreta muitos riscos e o tempo de reação tem que ser imediato. Se o concorrente está à frente e o piloto tenta ultrapassar o problema é menor, ele pode ver e analisar os movimentos do adversário, na situação oposta é muito mais complicado. O barulho gerado pelo próprio equipamento mascara o ruído do motor do rival, que só é perceptível quando as motos estão muito próximas. Alertas via mensagens no dashboard são impraticáveis nestas ocasiões, o auxilio externo mais eficiente é a indicação por painéis nos muros da pit-lane. Estas informações auxiliam a analisar a situação e tomar decisões com base no perfil do piloto e do modelo da moto que está atrás. 


Um caso didático da importância da informação correta nos painéis dos boxes aconteceu no GP de Valência em 2016. O piloto Johann Zarco Johann Zarco, que liderou durante quase todas as voltas, havia solicitado ao seu pessoal de apoio para não mostrar placas com a posição de Márquez e Dovizioso durante a prova, para não prejudicar a sua concentração. No final da prova ele percebeu uma Honda laranja muito próxima e a sua adrenalina subiu. Com os pneus já deteriorados e imaginando ser Márquez, ficou preocupado em não provocar um acidente tentando resistir a uma ultrapassagem. Foi ultrapassado na última volta pela moto de Dani Pedrosa, depois da prova confessou que poderia ter resistido e perdeu a sua primeira vitória na MotoGP por falta de informação.


Ocasionalmente, embora não seja aconselhável, o condutor pode virar a cabeça para ter uma referência visual onde estão seus rivais.


A sensibilidade desempenha um papel central quando se trata de perceber o entorno de uma moto em uma pista. Como já foi citado, observar o piso para avaliar o seu estado é completamente impraticável, não há tempo para isso. As condições do asfalto e como uma moto reage em uma dada superfície são avaliados através do feedback que o condutor recebe das rodas, suspensão e chassi. Esta fonte de informação é vital para os pilotos porque permite interpretar os sinais que a moto transmite e levá-la próxima ao limite respeitando o estado do equipamento e o desgaste dos pneus.

Finalmente, enquanto a atmosfera de um circuito pode ser inundada com aromas característicos, excepcionalmente o piloto pode identificar pelo odor quando há alguma irregularidade mecânica. É um fato muito isolado porque a aerodinâmica cria um fluxo de ar que auxilia a dispersar indicadores de peças sobreaquecidas ou queima de óleo.


O mais importante, quando um equipamento está respondendo em altas velocidades o tempo de tomada de decisões é muito restrito, ter uma boa intuição e confiar em seus instintos é fundamental.

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