sexta-feira, 21 de julho de 2017

MotoGP - Hecha la ley, hecha la trampa


Unidade de Medidas Inerciais


Esta sentença é atribuída a Fosco Maraini (1912-2004) que a escreveu no livro chamado “Segredos do Tibet” ao descrever a história de monges, que por orientação religiosa só podiam comer carne de animais marinhos, cuja obtenção era trabalhosa em um local onde abundavam cabras e porcos selvagens. Pragmáticos, decidiram catalogar estes animais como “baleias silvestres”, desta forma puderam manter sua disciplina e estender consideravelmente a sua dieta. Desde então a expressão é utilizada para denunciar que em qualquer atividade sempre que surge uma norma restritiva, surge também uma estratégia de a evitar sem um risco aparente.

A Dorna e a FIM, entidades que administram e regulam o mundial de motociclismo, estão empenhadas em um processo de tornar o campeonato mais atrativo evitando que o poder econômico possa restringir a disputa a duas ou três equipes. Entre 2010 e 2015 todas as provas da classe MotoGP, com exceção do GP da Holanda de 2011, foram vencidas por pilotos das equipes Movistar Yamaha e Repsol Honda. Em 2016 entrou em funcionamento o Pacote de Contenção de Custos, com o uso obrigatório da Unidade de Controle Eletrônico (ECU) com software padronizado. Esta e outras medidas tornaram a temporada 2016 mais equilibrada, com nove pilotos diferentes vencendo provas, inclusive com uma equipe independente (LCR) conquistando duas vitórias. 

A MotoGP é além de uma competição entre pilotos e marcas, um laboratório para novas tecnologias. Os organizadores estão constantemente trabalhando em maneiras de tornar as provas mais disputadas e atrativas para o público. As duas linhas mais promissoras que estão sendo estudadas são a limitação de RPMs dos motores e redução de velocidade em curvas pela redução do raio das rodas dianteiras. Como condição para impor condições restritivas ao desenvolvimento tecnológico, a Dorna e a FIM concordaram em congelar os regulamentos por cinco anos, para proteger os investimentos dos fabricantes em novas linhas de desenvolvimento compatíveis com a regra atual. As únicas exceções previstas são questões que afetam a segurança (como foi o banimento das “winglets”) ou um acordo unânime entre os fabricantes.

Os engenheiros das entidades promotoras estão constantemente monitorando o cumprimento das regras e descobriram que pode haver desvios de finalidade no uso da Unidade de Medidas Inerciais (IMU), que alimenta o software da Unidade de Controle Eletrônico com dados sobre a inclinação da moto. Quando a MotoGP conseguiu um acordo com os fabricantes para o uso obrigatório da ECU em 2016, a IMU não foi contemplada, na ocasião foi considerada só um sensor que coletava informações para o software unificado. O equipamento é, na verdade, bem mais complexo, tecnicamente a IMU é um conjunto de giroscópios e outros sensores equipado com um firmware que realiza cálculos matemáticos. Em outras palavras, inclui um processador programável, com potencial de transmitir dados manipulados e influenciar as decisões do software do sistema unificado.

A atribuição inicial da IMU é fornecer os ângulos de inclinação da moto nos sentidos lateral e longitudinal. Para executar esta função a unidade combina as leituras de vários sensores, realiza a integração dos dados, calcula os ângulos de inclinação e os entrega para a ECU. O processo de integração permite que os dados sejam trabalhados para obter vantagens indevidas, uma possibilidade, por exemplo, é considerar junto com a as medidas de inclinação a temperatura dos pneus e enviar o dado manipulado para a ECU. O software unificado vai tratar a informação como inclinação real e oferecer respostas diferentes de acordo com cada ocasião. Como resultado, para um mesmo ângulo de inclinação, o controle de tração é acionado de uma maneira diferente com pneus frios ou aquecidos.

Óbvio que é uma vantagem indevida e ilegal. O regulamento da MotoGP é explícito: “O uso do software Oficial da ECU para o controle motor e chassis é obrigatório para todas as máquinas, e nenhuma outra estratégia de controle (para o motor e chassis) pode ser utilizada em provas oficiais do calendário”. O problema está na limitação em provas oficiais. Pelo regulamento não há previsão legal para impedir que as fábricas utilizem IMUs customizadas para conduzir ensaios e testes, portanto a especificação do firmware não pode ser lacrada, o que torna virtualmente inviável identificar o uso indevido.  Conceitualmente IMU é parte da ECU e o mais lógico seria estarem unificados, entretanto as equipes não querem abrir mão de um recurso que pode coletar livremente dados para orientar novas linhas de desenvolvimento. A exigência de uma padronização da IMU viola o acordo com os fabricantes.

Por enquanto uma possibilidade de burlar a regra, embora complicada de ser implementada, está disponível. Em um ambiente altamente competitivo, onde as mínimas diferenças podem resultar em valiosos milissegundos no final de uma prova, não é de todo descartável que possam existir fabricantes com disponibilidade de recursos financeiros para aumentar o desempenho de seus equipamentos.

Os organizadores fizeram as regras, os fabricantes as utilizam de acordo com suas estratégias.

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