Le Mans 2017 – Aston Martin de Daniel Serra
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O GP de Fórmula 1 em Mônaco é a corrida mais charmosa do mundo,
as 500 Milhas de Indianápolis do calendário da IndyCar é a que tem mais
história, e as 24 Horas de Le Mans do World Endurance Championship é imbatível
em termos de masoquismo. Assim como os outros dois GPs, a 24 Horas é aguardada com
ansiedade pelos aficionados da velocidade e, por ser a prova de resistência, é
um desafio para pilotos e fabricantes. O GP que aconteceu no último fim de
semana, (17/18 de junho) ofereceu a oportunidade de provar não apenas quem tem a melhor engenharia
e a tecnologia mais avançada, mas também a capacidade de as utilizar por 24
horas contínuas sem incidentes, em um ambiente onde existe a probabilidade
muito grande de ocorrência de imprevistos.
A história das 24 Horas começou em 1923 como passatempo para
aristocratas e contou com o apoio de pequenos fabricantes europeus, evoluiu até
os dias atuais para ser um campo de provas para as maiores montadoras do mundo.
Em Le Mans a Bentley e Porsche durante algum tempo disputaram a primazia de ter
o carro mais veloz e resistente, a Ford se impôs sobre a Ferrari e, em 1955, aconteceu
o pior acidente já ocorrido em uma prova de automobilismo com mais de 80
vítimas.
No circuito La Sarthe de 13,6 km está localizada a reta
Mulsanne, de 5,4 quilômetros, onde os carros desenvolvem mais de 320 km/h e, embora
tenham sido introduzidas chicanes, continua sendo um dos trechos mais rápidos nas pistas de todo o mundo.
Existe também o fator humano, a prova de 24 horas inclui quatro classes simultaneamente,
os rápidos protótipos LMP1 e LMP2 com cockpit fechado e instrumental de
apoio ao piloto que não é encontrado em nenhum outro tipo de carro
comercializado ao público, e os “lentos” participantes das classes GT, com base
em veículos de produção comercial como o Chevrolet Corvette e o Porsche 911, apoiados
por fabricantes ou por equipes privadas e conduzidos por motoristas
profissionais e amadores.
A infraestrutura para disputar as 24 Horas é complexa. Deve haver uma
harmonia entre pilotos, máquinas e pessoal de apoio para enfrentar uma prova
extenuante que dura um dia e uma noite. Os números são grandiosos, em 2015 o
Porsche que venceu a prova na classe LMP1 rodou 5.372 km, realizou 25.923
trocas de marchas, utilizou 5 toneladas de rodas e pneus e consumiu mais de
1.800 litros de combustível. O número de coisas que podem dar errado é espantoso,
um único descuido de um piloto pode resultar em acidentes como saídas de
pista ou danificar o equipamento ao bater nas grades de proteção, pequenas falhas na suspensão, um pneu
furado ou um vazamento de óleo podem inviabilizar a permanência de um carro na
prova. Gibson, o fabricante dos motores V8 de 600 hp utilizados em todos os
carros da classe LMP2 testou a durabilidade de seus propulsores em um dinamômetro durante 57 horas ininterruptas,
com variações de giro simulando o uso nas 24 Horas, ainda assim na prova alguns
não resistiram.
O pior pesadelo é o que aconteceu com a Toyota em 2016, depois de um ano
de esforços para vencer a arquirrival Porsche, o carro que estava na liderança
não resistiu e ficou sem potência na penúltima volta por causa de um defeito no
conduto de ar entre o turbo e o intercooler, uma peça cujo valor de mercado é
pouco mais de R$ 10,00. Este ano a maioria dos concorrentes planejou cobrir os
pouco mais de 5.000 quilômetros da prova apenas repondo combustível e trocando
os pneus, a maioria conseguiu.
A resistência dos condutores também é um desafio, todas as equipes em Le Mans utilizam três pilotos por carro, o que implica em manter em um único dia uma média de oito horas de extrema atenção. Apenas para efeitos de comparação, uma prova de F1 dura no máximo duas horas e as 500 milhas deste ano foram percorridas em três horas e meia. A maior parte dos pilotos é semiprofissional, conduz os carros em etapas com duração média de 90 minutos, o regulamento permite um máximo de duas horas. Os tempos de permanência na pista e interrupções são imprevisíveis e não há como planejar com rigor as trocas de pilotos, portanto é normal depois de conduzir um trecho (stint) o piloto ter pouco tempo para descansar.
O Porsche 919 híbrido #2 conseguiu a vitória na 85ª
edição das 24 Horas de Le Mans, uma corrida dramática para os carros da classe
LMP1, o público presente ao circuito e que acompanhou pela TV (excelente
cobertura) assistiu uma improvável liderança de um carro da LMP2 até faltarem
aproximadamente 65 minutos para o encerramento.
A aguardada superioridade dos Toyota e Porsche da classe LMP1
durou enquanto não houveram problemas mecânicos, a liderança do Toyota TS050 #7
foi interrompida por abandono na 10ª hora e o Porsche #1 na 20ª, quando já
acumulava uma vantagem de 14 voltas sobre o segundo colocado na classificação
geral. A desistência do Porsche proporcionou uma inédita liderança de um carro
da LMP2 nas 24 Horas, o Oreca-Gibson #38 da equipe Jackie Chan DC Racing. O
carro pilotado por Ho-Ping Tung, Thomas Laurent e Oliver Jarvis estava
envolvido em sua própria batalha pela classe LMP2 e herdou a liderança geral da
prova com o abandono do Porsche.
O carro #2 da Porsche passou quase uma hora no box
consertando um problema no eixo dianteiro, voltou na 55ª posição e recuperou colocações até conseguir a liderança faltando 65 minutos para o enceramento da
prova.
As 24 Horas este ano personificaram o inferno astral para
a Toyota, que havia assumido como principal objetivo recuperar-se da derrota
dolorosa do ano passado, inscreveu três carros na competição e saiu da sem
nenhum troféu na classificação geral. Com 10 horas de prova o Toyota #7 perdeu
a liderança e abandonou por um problema de embreagem, minutos mais tarde o
carro #9 foi envolvido em uma colisão e o #8 ficou no box mais de duas horas por
problemas no motor. O sexto carro inscrito na classe LMP1, da equipe privada
ByKolles Racing Team Enso CLM P1/01, parou depois de 7 voltas, por consequência
o pódio principal foi do Porsche #2 e de dois carros da LMP2, o da equipe
Jackie Chan DC Racing e o da SUI Vaillante Rebellion, que incluiu entre seus
pilotos Nelson Piquet Jr. Os participantes do pódio da LMP2 foram os mesmos da
classe geral mais outro veículo da equipe Jackie Chan.
Na GTE Pro Jonny Adam, companheiro de Daniel Serra na equipe Aston Martin Racing, conseguiu a vitória nas voltas finais depois de uma
disputa acirrada com o Jordan Taylor da Corvette Racing – GM, que perdeu também
a segunda posição para um Ford da Chip Ganassi por ter um pneu furado. O
Corvette e o Aston Martin disputaram a liderança da classe durante as seis
horas finais da competição, os dois carros colidiram pouco antes do início da
última volta, Adam saiu ileso e Taylor com um pneu furado.
As três posições do pódio da
GTE Am ficaram com as Ferrari 488 das equipes JMW Motorsport, Spirit of Race e
Scuderia Corsa Ferrari. O Porsche vencedor LMP1, que ficou mais de uma hora em
manutenção, percorreu 367 voltas no circuito, uma a mais que o melhor
classificado da LMP2, o líder da GTE Pro completou 340 voltas e o da GTE Am
333.
Os pilotos brasileiros foram
bem representados na prova, Daniel Serra venceu na Classe GTE Pro, Nelson
Piquet Jr. foi o segundo na LMP2. A classificação geral ainda contempla André
Negrão (LMP2) em quinto, Rubens Barrichello (LMP2) em décimo quarto, Bruno Senna
(LMP2) em décimo sétimo, Pipo Derani (GTE Pro) em décimo nono, Tony Kanaan (GTE
Pro) em vigésimo terceiro e Fernando Rees (GTE Am) na quadragésima nona
posição.
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