sábado, 23 de março de 2019

MotoGP – A “colher” da Ducati

Componente montado no braço oscilante da Ducati GP19


O inglês Ali Rowland Rose, técnico especializado em aerodinâmica que trabalha no projeto da Alfa Romeo (Sauber) na Fórmula 1, tem plena convicção que o apêndice utilizado pela Ducati montado no braço oscilante da Desmosedici GP19 gera downforce na roda motriz. O projetista Alex Baumgarten da Kalex (Moto2) confirma que cada detalhe da carenagem de uma moto de competição tem influência na aerodinâmica. Simulações realizadas nos servidores da Aprilia ratificaram que o componente provoca força descendente no pneu traseiro.



Quatro fabricantes, Aprilia, Honda, KTM e Suzuki apresentaram no final do GP do Catar um protesto que foi desconsiderado pelos comissários da prova e por Danny Aldridge, Diretor Técnico da MotoGP. Os responsáveis pela fiscalização dos equipamentos em Losail aceitaram a explicação que as funções do componente montado nas Desmosedici GP19 eram de deflector de água da chuva e sistema de arrefecimento do pneu traseiro. As fábricas apresentaram um pedido formal de reconsideração da decisão. Gigi Dall’Igna, gerente geral da Ducati, ficou furioso e promete como retaliação exigir a proibição dos componentes aerodinâmicos utilizados na RC213V da Honda que, segundo a sua ótica, apresentam riscos para todos competidores por seu desenho fino e afiado. O gestor da equipe italiana alega que pode resultar em acidentes com sérias consequências se ocorrer o toque com um adversário durante uma disputa por posições ou em uma eventual queda.



Os juízes do tribunal de apelações da Federação Internacional de Motociclismo devem decidir sobre a legalidade do componente montado na GP19 em Losail, ou seja, determinar se a sua função é apenas resfriar o pneu ou, como os adversários de Ducati suspeitam, é um elemento aerodinâmico ilegal e, portanto, vetado pelo regulamento. Em tempo, não há nenhuma outra sanção em julgamento, a vitória de Dovizioso não está sendo contestada, até porque a utilização do componente foi autorizada para a prova.


O tribunal se reuniu em 22/03 na sede da FIM em Mies, perto de Genebra, para julgar o apelo das quatro fábricas contra a decisão do Diretor técnico Danny Aldridge, que considerou o spoiler montado no braço oscilante da GP19 respeita o regulamento. Foi uma reunião tensa, que se estendeu desde as 11:00 até as 17:30 sem, entretanto, chegar a uma conclusão. Os trabalhos foram conduzidos pelo indiano Anand Sashidharan (presidente), tendo também o sueco Lars Nilsson e o finlandês Sakari Vuorensola atuando como juízes. A primeira fase do processo serviu para ouvir as argumentações da Ducati, representada no evento por Gigi Dall'Igna e Fabiano Sterlacchini. Os representantes das fábricas que apresentaram o pedido de esclarecimentos quanto a legalidade do componente foram Massimo Rivola (Aprilia), Alberto Puig (Honda), Mike Leitner (KTM) e Davide Brivio (Suzuki). Só a análise da documentação apresentada consumiu mais de 4 horas. Também foram ouvidas testemunhas convocadas pelo Tribunal de Recurso.

Embora o evento tenha sido realizado sem a presença de jornalistas, a publicação italiana Gazzetta dello Sport conseguiu ouvir do chefe da Ducati Corse, Gigi Dall'Igna, que ele estava indignado por ter sido obrigado a revelar informações que preferiria ter mantido em segredo. “Ao apresentar a nossa defesa fui constrangido a revelar alguns resultados de nossos estudos em uma área que está sendo negligenciada por nossos concorrentes. Investimos muito tempo e capital no desenvolvimento de uma ideia e tive que explicar o processo para nossos adversários com todos os detalhes”. O chefe da Ducati também revelou que ficou muito irritado por seu piloto Danilo Petrucci ter falado demais nos testes do Catar sobre o componente, dando a entender que a função do spoiler não é apenas para refrigerar o pneu traseiro.



O tempo de duração da reunião do tribunal é, provavelmente, um sinal que existem muitas controvérsias no objeto da discussão e que dificilmente seja encontrada uma decisão que consiga agradar gregos e baianos. Foram apresentados os argumentos que embasaram os diferentes pontos de vista e muitos dados da telemetria e de simulações. Os juízes agora vão tentar digerir toda a informação antes de apresentar suas conclusões.



As diferenças de opinião sobre a utilização dos dispositivos foram comentadas por especialistas em aerodinâmica da Fórmula 1. Seria o spoiler em questão um dispositivo aerodinâmico ilegal? O regulamento permite “interpretações”. O próprio Danny Aldridge, Diretor Técnico da MotoGP, reconhece que o seu texto não é claro, porém ressalta que existem diretrizes específicas em relação aos princípios de aerodinâmica que todos os fabricantes devem seguir. O diretor lembra que houve uma atualização recente especificando que podem ser montados acessórios no braço oscilante exclusivamente com os objetivos de resfriar o pneu traseiro, repelir água da chuva ou proteger contra sujeira. A Ducati tem reiterado que o componente é usado para o arrefecimento do pneu, os outros fabricantes entendem que foi projetado para a produção de forças aerodinâmicas, que caracteriza uma violação das regras.



Ali Rowland Rouse, responsável pela aerodinâmica dos carros de Kimi Raikkonen e Antonio Giovinazzi na F1 está muito seguro ao afirmar que o recurso da Ducati gera downforce na roda traseira. Segundo suas palavras, “É um dispositivo que consiste de três elementos, incluindo uma asa de envergadura curta que cria um downforce razoável enquanto a moto se desloca na posição vertical”. O dispositivo reduz consideravelmente o wheelspin (giro em falso da roda) aplicando maior pressão no pneu traseiro, seus efeitos são sentidos a partir de 120 km/h com a moto na vertical. O downforce aerodinâmico aumenta com o quadrado da velocidade, ou seja, a força aumenta 4 vezes quando a velocidade dobra. Existem consequências, quanto maior a carga sobre o pneu mais aumenta a sua temperatura e a degradação é mais rápida, por isso também é necessário canalizar o vento para refrigerar a roda. O britânico explica que os apêndices aerodinâmicos na MotoGP até agora foram instalados na carenagem frontal e que toda a distribuição de peso é realizada em função da localização do centro de gravidade do conjunto. Com o uso do dispositivo da Ducati esse equilíbrio migra em direção a parte traseira e resulta em maior aderência, aproveitando melhor a potência do motor. Este resultado é obtido mesmo com componente montado fora da área de atuação da suspensão. A questão que se impõem é se Honda, Suzuki, KTM e Aprilia podem provar que a utilização deste dispositivo controverso resulta em downforce e não exclusivamente para resfriamento de pneu. O projetista da Kalex, Alex Baumgarten, explica que todos os componentes montados em um protótipo de competição resultam em algum efeito aerodinâmico, mesmo seja um defletor de água ou uma simples canalização de vento para resfriar o pneu. “Tem resultado aerodinâmico, quer você goste ou não”. Rowland Rouse reconhece que a Ducati tem forte atuação na zona cinzenta das regras. “Trabalham de modo muito semelhante às equipes da F1, esmiuçando todos os detalhes procurando alguma brecha no regulamento”.



Mat Oxley, jornalista especializado que escreve para o portal motorsportmagazine.com no Reino Unido, lembra que na F1 inovações significativas que resultam em controvérsias costumam ser permitidas no primeiro ano, interpretações sobre sua aderência aos regulamentos são postergadas para o final da temporada e decisões válidas para o futuro. É uma espécie de recompensa para a equipe que investiu na criação e desenvolvimento da novidade. Em 2009 Jenson Button foi campeão do mundo utilizando um difusor duplo em sua Brawn GP, que foi muito contestado. A inovação apareceu nos testes pré-temporada e foi seguida pelas equipes Toyota e Williams. “Talvez a MotoGP deva seguir o exemplo”.




domingo, 17 de março de 2019

MotoGP – Eu tenho um sonho!


Projeto do Circuito em Marechal Deodoro -  Rio de Janeiro


Há mais de meio século, falando para uma multidão de mais de250 mil pessoas reunidas no Lincoln Memorial em Washington, o ativista pelos direitos civis Martin Luther King Jr. pronunciou um discurso épico que ficou mundialmente conhecido por sua frase inicial: “I have a dream! (Eu tenho um sonho)”. Citado inicialmente no contexto de promover a integração racial, este jargão foi portado para o cotidiano das pessoas para expressar um desejo intenso, uma meta a ser alcançada.



A análise das decisões recentes da Dorna, grupo comercial que tem o monopólio do segmento comercial da MotoGP, indica que seus diretores e executivos têm um sonho. Recapitulando, o mundial de motociclismo tem a gestão compartilhada por quatro entidades: FIM (Federation Internationale de Motocyclisme) que promove o campeonato; Dorna que controla os direitos comerciais, leia-se o dinheiro envolvido; a associação dos fabricantes MSMA (Motorcycle Sports Manufacturer’s Association); e a IRTA (International Road Racing Teams Association) que representa equipes, principais fornecedores e patrocinadores.



O sonho da empresa espanhola é formatar um campeonato com 24 participantes distribuídos entre 6 fabricantes, cada qual com 4 pilotos, 2 representando a equipe oficial e 2 em uma satélite, competindo em campeonato com no máximo 22 etapas.  Um regulamento rígido que impeça uma escalada de custos de desenvolvimento para evitar que empresas com fartos orçamentos monopolizem a competição. Já existe um histórico a este respeito, entre 2011 e 2015 todas as provas foram vencidas por pilotos oficiais das equipes Honda e Yamaha.  Com a adoção obrigatória da eletrônica padronizada em 2016, que proibiu as duas concorrentes utilizarem software proprietário, houve um recorde de 9 vencedores diferentes nas 18 etapas. Foi a comprovação do acerto da entidade em promover a competitividade via equalização de recursos.



A MotoGP também está buscando maior presença na Ásia, onde o desenvolvimento econômico é acelerado e o mercado de motocicletas está ascendente. A Dorna assinou em 2018 um protocolo de intenções com um grupo de empresários para que o Brasil volte a hospedar uma etapa no calendario de 2021, em um circuito a ser construído em Marechal Deodoro no Rio de Janeiro, com capacidade de acomodar até 80 mil espectadores.  A empresa também planeja promover já na próxima temporada uma prova na Finlândia (Circuito de Kymiring, a pouco mais de 100 km de Helsinque), também estuda a viabilidade de um circuito urbano na Indonésia e um possível retorno ao México. Para atender a demanda destes novos GPs é provável que a Espanha perca duas datas no calendário promovendo um rodízio entre Jerez, Barcelona, Aragon e Valência.



Os fabricantes já estão em processo de adequação a esta nova realidade. As antigas relações de fornecedor/cliente que existiam entre as fábricas e satélites migraram para o conceito de parceria. Com grandes inovações tecnológicas severamente limitadas pelo regulamento, cresce a necessidade de pilotos com sensibilidade e quilometragem em testes para coletar dados que, com o auxílio de simuladores digitais, orientem ajustes e adequações dos equipamentos. Ducati, Yamaha e Honda já fornecem aos principais pilotos das equipes satélite pelo menos um protótipo com todos os desenvolvimentos mais recentes. Cal Crutchlow da LCR utiliza uma RC213V idêntica às disponibilizadas para Márquez e Lorenzo, Jack Miller da Pramac tem uma GP-19 igual às de Dovizioso e Petrucci, Franco Morbidelli da SIG Petronas pilota uma YZR-M1 especificação A, equipamento semelhante ao de Rossi e Vinales. A KTM expandiu este conceito e as quatro motos que disputam o mundial, 2 da equipe oficial e 2 da Tech3, são da mesma geração. Mais dados e observações fornecem indicações mais apuradas de como ajustar melhor os protótipos para um GP.



Existem apenas 22 equipamentos inscritos na temporada de 2019. A Angel Nieto cedeu suas duas vagas para a nova equipe SIG Petronas e as janelas do grid da Marc VDS não estão sendo ocupadas. Houve um rumor que estariam reservadas para uma futura participação da VR46 na principal categoria, porém é mais provável que sejam utilizadas no futuro por uma satélite da Suzuki.



A participação da Aprilia é um fator de preocupação para a realização do sonho da Dorna em um futuro próximo. A equipe não se enquadra no sentido lato de uma representante de fábrica, trabalha com orçamento limitado, staff técnico enxuto e é improvável que tenha condições de gerir uma satélite. Das equipes que disputam o mundial deste ano a Avintia não tem o perfil adequado para este novo contexto, é talvez a única sem um vínculo estreito com um fabricante e participa do mundial alugando Desmosedici GP-18 utilizadas na temporada passada.



Embora o motociclismo esportivo tenha suas raízes em território britânico, a primeira prova oficial foi disputada na Ilha de Man em 1949, nenhuma das equipes inscritas na categoria principal tem sua sede operacional instalada na Inglaterra, portanto não estão previstas eventuais dificuldades econômicas ou geopolíticas criadas pelo Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia (EU).   



Observação: A primeira prova do Mundial de Fórmula 1 aconteceu domingo passado, uma semana depois da abertura da temporada de 2019 da MotoGP. Embora sejam esportes com características distintas, para os que tiveram a oportunidade de acompanhar os dois eventos ficou evidente que, em termos de espetáculo e competitividade, a Dorna tem um produto melhor que a Liberty Media.

sexta-feira, 15 de março de 2019

MotoGP – Judicialização






Em uma visita aos EUA o presidente da Sony, Akio Morita, perguntou a um interlocutor sobre qual o produto que melhor representa a cultura americana. Houve alguma hesitação até alguém ter uma ideia brilhante, “Vamos lhe apresentar um dos nossos advogados”. Esta tradição de recorrer à justiça sempre que houver a possibilidade de dúvida em alguma decisão está sedimentada na sociedade ocidental e também alcança o ambiente da MotoGP. Todos lembram a penalização que Valentino Rossi sofreu por causa do “Incidente de Sepang” em 2015, que praticamente sepultou as suas possibilidades de disputa de título na temporada. Nas duas semanas entre a fatídica prova da Malásia e a última etapa em Valência, as manchetes da mídia especializada esqueceram o que acontecia nas garagens e centraram a sua atenção nos tribunais.


Embora o ativismo judicial possa estar em desacordo com os princípios do esporte é essencial que, para manter o nível de competitividade, a MotoGP trabalhe com regulamentos rígidos, sem espaço para espertezas ou interpretações criativas. Também é lícito imaginar que as equipes, na busca incansável por milissegundos a menos por volta, explorem todas as possibilidades que não são expressamente proibidas. A equipe mais inovadora nos detalhes que possam melhorar o desempenho de seus equipamentos é a Ducati, que obteve seu único título mundial em 2007 com Casey Stoner. Foi justamente um recurso utilizado pela equipe italiana que colocou sub judice o resultado da etapa de abertura do Mundial de 2019.


O Regulamento da Competição define como “Corpo Aero” a parte da carroçaria do protótipo que é diretamente impactada pelo fluxo de ar enquanto a moto está em movimento para a frente. Especifica também que qualquer spoiler  - peça que possa ter influência aerodinâmica - esteja montado na carenagem ou deve estar localizado na traseira inferior com o único objetivo de dispersar a água superficial para longe do pneu traseiro.  Neste cenário fica confuso classificar a peça montada no braço oscilante da Desmosedici GP19.


No final da prova quatro fabricantes, Aprilia, KTM, Honda e Suzuki apresentaram um recurso contra a Ducati por utilizar elementos Aero não permitidos pelo regulamento. A Aprilia realizou simulações CFD (dinâmica de fluidos computacional) mostrando que os spoilers da Ducati geram downforce na roda traseira, que é explicitamente proibido de acordo com as diretrizes dos promotores da MotoGP. A modificação foi utilizada nos testes de sexta e sábado nas máquinas de Danilo Petrucci e Jack Miller, só apareceu na moto de Andrea Dovizioso no domingo. O recurso foi inicialmente recusado pelos comissários de pista, mas a decisão final deve ser julgada pela Corte de Apelação da FIM. A decisão das fábricas em questionar os resultados da prova não foi respaldada pelos pilotos, Marc Márquez declarou que foi vencido na pista e qualquer outro resultado seria embaraçoso. O que está em julgamento não é a vitória de Dovizioso, as fábricas querem evitar que pequenas liberdades no regulamento possam resultar em uma escalada de custos no desenvolvimento de soluções de aerodinâmica, sem que estes investimentos resultem em algo útil para ser utilizado em motos comerciais.


Como esperado a prova foi muito disputada, Dovizioso venceu com uma diferença mínima, menor que um piscar de olhos em relação ao segundo colocado. No início da última volta, embora o duelo principal fosse centrado entre a Ducati de Dovizioso e a Honda de Márquez, Cal Crutchlow (Honda), Alex Rins (Suzuki) e Valentino Rossi (Yamaha) ainda tinham condições de vitória. Os cinco primeiros colocados cruzaram a linha de chegada separados por 0,6 segundos.  

O dispositivo holeshot que equipou as Ducati mostrou sua eficiência, Dovi e Jack Miller contornaram a primeira curva na frente, enquanto Petrucci foi travado pelo trânsito. A pista de Losail tem uma reta de 1068m que favorece o poder de aceleração das GP19, caraterística que foi muito explorada pelo vencedor durante a prova. Dovizioso recuperava na grande reta as posições perdidas nos trechos sinuosos do traçado. A diferença do motor entre a Ducati e Honda diminuiu sensivelmente, o protótipo italiano acelera mais rápido embora a velocidade final de ambas as máquinas seja muito semelhante.


A equipe da enfermaria da HRC alinhou com um único piloto, Takaaki Nakagami, com condições físicas ideais. Márquez, Crutchlow e Lorenzo estão ainda em processo de recuperação, por este motivo duas Honda no pódio foi um feito muito comemorado. Lorenzo só foi liberado pelos médicos para disputar a prova no domingo pela manhã e todos os equipamentos Honda terminaram na zona de pontuação. 


Nos boxes da Ducati era visível o contraste entre a felicidade geral da equipe e o desconforto de Danilo Petrucci, 6º na classificação geral com mais de um segundo e meio de atraso em relação ao 5º colocado. A terceira GP19 na pista sofreu um incidente bizarro, o assento de Jack Miller descolou nas primeiras voltas e provocou a desistência do piloto.


As Suzuki de Alex Rins (4º) e Joan Mir (8º) mostraram que o período de aprendizado na temporada passada foi muito útil. Rins, que chegou a liderar a prova e disputar a posição com Dovi e Márquez, demonstrou muita maturidade.


Se havia dúvidas sobre a possibilidade de um piloto de 40 anos ser competitivo, esta desconfiança foi arquivada pelo desempenho de Valentino Rossi, que partiu da 14ª posição do grid para finalizar em 5º.  O melhor desempenho das Yamaha, que também pontuaram com Vinales (7º) e Morbidelli (11º).

A Aprilia de Aleix Espargaró não teve um desempenho brilhante (10º), apenas o suficiente para ser melhor que o inconstante colega de equipe Andrea Iannone (14º). 


Outro desempenho digno de nota foi o do rookie Fabio Quartararo, o piloto mais jovem inscrito na temporada com uma Yamaha da equipe Petronas largou do pitlane por ter deixado o motor morrer no grid, foi o piloto mais veloz da pista durante o primeiro terço da prova recuperando posições.

Duas equipes viveram um dia para ser esquecido. A KTM obteve a sua melhor classificação com Pol Espargaró na 12ª posição, três à frente de Johann Zarco (15º), as duas máquinas da Tech3 ficaram com português Oliveira em 17º e o malaio Syahrin em 20º. Só não foi pior que a Aprilia que inscreveu um piloto a mais que não concluiu a prova.
   

A imprensa na Europa costuma dizer que as três provas iniciais da temporada são apenas aquecimento. Faz algum sentido porque são disputadas em três circuitos com particularidades próprias, Losail no Catar tem as dificuldades da areia na pista, orvalho e prova noturna, Rio Hondo tem um piso abrasivo e clima imprevisível, as características do Circuito das Américas em Austin são únicas. A competição só esquenta na abertura da temporada europeia. 


A primeira prova deste ano parecia um “Vale a pena ver de novo” do que aconteceu em 2018. Até os discursos são iguais, o pessoal da Honda reclama que a pista é desfavorável, porém dois terços do pódio eram de pilotos com equipamentos RC213V, um (Marc) com o ombro operado e ainda está em recuperação, o outro (Cal) mancando. 


Há no folclore na MotoGP, uma regra não escrita que quem vence no Catar dificilmente consegue o mundial. Quem viver verá.

segunda-feira, 4 de março de 2019

MotoGP – Interesses comerciais



Circuito de Losail - Catar

Existe, entre as múltiplas razões para uma entidade organizar um campeonato mundial de esportes motorizados, uma que está tendo importância crescente. Além da competição entre fabricantes e pilotos, laboratório de tecnologias que possam ser portadas para motos comerciais, divulgação de marcas de patrocinadores e exploração do turismo nas cidades em que os circuitos estão localizados, os organizadores buscam a obtenção de lucros com direitos de hospedagem e venda de transmissão dos GPs em TV e outras mídias.

A Dorna Sports, S.L., uma empresa de gestão esportiva sediada em Madrid, ES, controla a parte comercial do mundial de motociclismo (MotoGP) desde 1992. A empresa, com o apoio dos fabricantes, promove a adequação do esporte com o desenvolvimento da tecnologia, como aconteceu na alteração para motores para 4 tempos quando os 2 tempos se tornaram insustentáveis em motos comerciais.

A prova de abertura é no próximo fim de semana no Losail International Circuit, uma pista construída em 2004 em Doha no Catar e que desde o ano de sua inauguração faz parte do calendário da MotoGP. O circuito também foi palco da primeira prova com luz artificial realizada em 2008. O emirado do Oriente Médio é um exemplo da importância do fator financeiro no mundial. O Catar, que deve sediar a próxima Copa do Mundo, é um assíduo frequentador das manchetes internacionais que denunciam a exploração de trabalhadores imigrantes em condições que beiram a escravatura. O índice de letalidade nas obras da Copa excede a todos os parâmetros aceitáveis. Entretanto o emirado investe muito capital para sediar a primeira etapa da temporada do mundial. 

Existem duas óticas distintas para analisar a prova de Losail: (1) O Catar paga pelo privilégio de ter a primeira etapa nas últimas temporadas da MotoGP, tem como contrapartida a farta cobertura que recebe dos veículos de comunicações, potencializada por um período sabático de quase quatro meses.  O circuito tem iluminação artificial planejada de forma a não causar o ofuscamento por reflexos, mesmo quando a pista está molhada. O horário da prova principal é adequado para o fuso horário dos países europeus. (2) A localização da pista no deserto e a ausência de obstáculos naturais em torno permite que o vento traga areia para o piso, aumentando os problemas de dirigibilidade aos protótipos.

 O clima nesta época no Catar apresenta uma média histórica entre 15° e 20° graus, nestas condições, depois que o sol se põe a queda da temperatura cria condições para a umidade do ar condensar em forma de orvalho. Este orvalho na pista não é perceptível aos pilotos, mesmo com as condições perfeitas de iluminação do circuito. É quase uma receita perfeita para acidentes, máquinas potentes equilibrando-se em janelas reduzidas de aderência encontram uma considerável redução de grip sem nenhum aviso prévio. A maioria das equipes encerrou prematuramente a última seção de testes no Catar ao cair a noite por causa deste fenômeno, o índice de quedas atingiu quase 50% dos pilotos que se aventuraram na pista.  O excesso de acidentes foi atribuído ao orvalho no piso. O problema do orvalho é potencializado na medida em que a temporada começa cada ano mais cedo.

Com o número de etapas crescendo nos últimos anos o início do mundial está sendo antecipado. O Catar paga, muito, e insiste em hospedar a prova de abertura da temporada. Quando o calendário previa 18 etapas o mundial começava em abril, em 2018 com 19 etapas foi antecipado para 18 de março e este ano, com 20 provas programadas, a abertura programada para 08 de março. Quanto mais a data é antecipada, maior a possibilidade de ocorrência de orvalho. Antecipar o horário seria uma alternativa tecnicamente viável, porém implica em alterar a janela de transmissão para o importante mercado europeu e perderia o atrativo extra da prova noturna. Mudar o horário também resulta em realizar as provas das categorias de base mais cedo, com a complicação adicional do crepúsculo, em duas retas curtas os pilotos da Moto2 enfrentariam diretamente o ocaso do sol com todos os problemas de visibilidade decorrentes.

 A prova da MotoGP está marcada para iniciar as 20:00hs, com faixas de temperatura aceitáveis nas duas corridas das categorias de acesso, porém se a temperatura e umidade do ar estiverem semelhantes às dos últimos testes os pilotos devem estar acelerando e disputando posições com a possibilidade de serem surpreendidos com  a ocorrência do orvalho. Não é o melhor dos mundos no início de uma temporada que promete ser muito emocionante.

Tecnicamente este problema não aconteceria se a corrida fosse programada para o segundo terço da temporada, entretanto o contrato com o emirado é específico, a prova tem que inaugurar a temporada. Aparentemente nesta etapa a competitividade e segurança dos pilotos não são os itens mais importantes.