sexta-feira, 15 de março de 2019

MotoGP – Judicialização






Em uma visita aos EUA o presidente da Sony, Akio Morita, perguntou a um interlocutor sobre qual o produto que melhor representa a cultura americana. Houve alguma hesitação até alguém ter uma ideia brilhante, “Vamos lhe apresentar um dos nossos advogados”. Esta tradição de recorrer à justiça sempre que houver a possibilidade de dúvida em alguma decisão está sedimentada na sociedade ocidental e também alcança o ambiente da MotoGP. Todos lembram a penalização que Valentino Rossi sofreu por causa do “Incidente de Sepang” em 2015, que praticamente sepultou as suas possibilidades de disputa de título na temporada. Nas duas semanas entre a fatídica prova da Malásia e a última etapa em Valência, as manchetes da mídia especializada esqueceram o que acontecia nas garagens e centraram a sua atenção nos tribunais.


Embora o ativismo judicial possa estar em desacordo com os princípios do esporte é essencial que, para manter o nível de competitividade, a MotoGP trabalhe com regulamentos rígidos, sem espaço para espertezas ou interpretações criativas. Também é lícito imaginar que as equipes, na busca incansável por milissegundos a menos por volta, explorem todas as possibilidades que não são expressamente proibidas. A equipe mais inovadora nos detalhes que possam melhorar o desempenho de seus equipamentos é a Ducati, que obteve seu único título mundial em 2007 com Casey Stoner. Foi justamente um recurso utilizado pela equipe italiana que colocou sub judice o resultado da etapa de abertura do Mundial de 2019.


O Regulamento da Competição define como “Corpo Aero” a parte da carroçaria do protótipo que é diretamente impactada pelo fluxo de ar enquanto a moto está em movimento para a frente. Especifica também que qualquer spoiler  - peça que possa ter influência aerodinâmica - esteja montado na carenagem ou deve estar localizado na traseira inferior com o único objetivo de dispersar a água superficial para longe do pneu traseiro.  Neste cenário fica confuso classificar a peça montada no braço oscilante da Desmosedici GP19.


No final da prova quatro fabricantes, Aprilia, KTM, Honda e Suzuki apresentaram um recurso contra a Ducati por utilizar elementos Aero não permitidos pelo regulamento. A Aprilia realizou simulações CFD (dinâmica de fluidos computacional) mostrando que os spoilers da Ducati geram downforce na roda traseira, que é explicitamente proibido de acordo com as diretrizes dos promotores da MotoGP. A modificação foi utilizada nos testes de sexta e sábado nas máquinas de Danilo Petrucci e Jack Miller, só apareceu na moto de Andrea Dovizioso no domingo. O recurso foi inicialmente recusado pelos comissários de pista, mas a decisão final deve ser julgada pela Corte de Apelação da FIM. A decisão das fábricas em questionar os resultados da prova não foi respaldada pelos pilotos, Marc Márquez declarou que foi vencido na pista e qualquer outro resultado seria embaraçoso. O que está em julgamento não é a vitória de Dovizioso, as fábricas querem evitar que pequenas liberdades no regulamento possam resultar em uma escalada de custos no desenvolvimento de soluções de aerodinâmica, sem que estes investimentos resultem em algo útil para ser utilizado em motos comerciais.


Como esperado a prova foi muito disputada, Dovizioso venceu com uma diferença mínima, menor que um piscar de olhos em relação ao segundo colocado. No início da última volta, embora o duelo principal fosse centrado entre a Ducati de Dovizioso e a Honda de Márquez, Cal Crutchlow (Honda), Alex Rins (Suzuki) e Valentino Rossi (Yamaha) ainda tinham condições de vitória. Os cinco primeiros colocados cruzaram a linha de chegada separados por 0,6 segundos.  

O dispositivo holeshot que equipou as Ducati mostrou sua eficiência, Dovi e Jack Miller contornaram a primeira curva na frente, enquanto Petrucci foi travado pelo trânsito. A pista de Losail tem uma reta de 1068m que favorece o poder de aceleração das GP19, caraterística que foi muito explorada pelo vencedor durante a prova. Dovizioso recuperava na grande reta as posições perdidas nos trechos sinuosos do traçado. A diferença do motor entre a Ducati e Honda diminuiu sensivelmente, o protótipo italiano acelera mais rápido embora a velocidade final de ambas as máquinas seja muito semelhante.


A equipe da enfermaria da HRC alinhou com um único piloto, Takaaki Nakagami, com condições físicas ideais. Márquez, Crutchlow e Lorenzo estão ainda em processo de recuperação, por este motivo duas Honda no pódio foi um feito muito comemorado. Lorenzo só foi liberado pelos médicos para disputar a prova no domingo pela manhã e todos os equipamentos Honda terminaram na zona de pontuação. 


Nos boxes da Ducati era visível o contraste entre a felicidade geral da equipe e o desconforto de Danilo Petrucci, 6º na classificação geral com mais de um segundo e meio de atraso em relação ao 5º colocado. A terceira GP19 na pista sofreu um incidente bizarro, o assento de Jack Miller descolou nas primeiras voltas e provocou a desistência do piloto.


As Suzuki de Alex Rins (4º) e Joan Mir (8º) mostraram que o período de aprendizado na temporada passada foi muito útil. Rins, que chegou a liderar a prova e disputar a posição com Dovi e Márquez, demonstrou muita maturidade.


Se havia dúvidas sobre a possibilidade de um piloto de 40 anos ser competitivo, esta desconfiança foi arquivada pelo desempenho de Valentino Rossi, que partiu da 14ª posição do grid para finalizar em 5º.  O melhor desempenho das Yamaha, que também pontuaram com Vinales (7º) e Morbidelli (11º).

A Aprilia de Aleix Espargaró não teve um desempenho brilhante (10º), apenas o suficiente para ser melhor que o inconstante colega de equipe Andrea Iannone (14º). 


Outro desempenho digno de nota foi o do rookie Fabio Quartararo, o piloto mais jovem inscrito na temporada com uma Yamaha da equipe Petronas largou do pitlane por ter deixado o motor morrer no grid, foi o piloto mais veloz da pista durante o primeiro terço da prova recuperando posições.

Duas equipes viveram um dia para ser esquecido. A KTM obteve a sua melhor classificação com Pol Espargaró na 12ª posição, três à frente de Johann Zarco (15º), as duas máquinas da Tech3 ficaram com português Oliveira em 17º e o malaio Syahrin em 20º. Só não foi pior que a Aprilia que inscreveu um piloto a mais que não concluiu a prova.
   

A imprensa na Europa costuma dizer que as três provas iniciais da temporada são apenas aquecimento. Faz algum sentido porque são disputadas em três circuitos com particularidades próprias, Losail no Catar tem as dificuldades da areia na pista, orvalho e prova noturna, Rio Hondo tem um piso abrasivo e clima imprevisível, as características do Circuito das Américas em Austin são únicas. A competição só esquenta na abertura da temporada europeia. 


A primeira prova deste ano parecia um “Vale a pena ver de novo” do que aconteceu em 2018. Até os discursos são iguais, o pessoal da Honda reclama que a pista é desfavorável, porém dois terços do pódio eram de pilotos com equipamentos RC213V, um (Marc) com o ombro operado e ainda está em recuperação, o outro (Cal) mancando. 


Há no folclore na MotoGP, uma regra não escrita que quem vence no Catar dificilmente consegue o mundial. Quem viver verá.

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