Em uma
visita aos EUA o presidente da Sony, Akio Morita, perguntou a um interlocutor sobre
qual o produto que melhor representa a cultura americana. Houve alguma
hesitação até alguém ter uma ideia brilhante, “Vamos lhe apresentar um dos
nossos advogados”. Esta tradição de recorrer à justiça sempre que houver a
possibilidade de dúvida em alguma decisão está sedimentada na sociedade
ocidental e também alcança o ambiente da MotoGP. Todos lembram a penalização
que Valentino Rossi sofreu por causa do “Incidente de Sepang” em 2015, que
praticamente sepultou as suas possibilidades de disputa de título na temporada.
Nas duas semanas entre a fatídica prova da Malásia e a última etapa em Valência,
as manchetes da mídia especializada esqueceram o que acontecia nas garagens e centraram
a sua atenção nos tribunais.
Embora o
ativismo judicial possa estar em desacordo com os princípios do esporte é essencial
que, para manter o nível de competitividade, a MotoGP trabalhe com regulamentos
rígidos, sem espaço para espertezas ou interpretações criativas. Também é
lícito imaginar que as equipes, na busca incansável por milissegundos a menos
por volta, explorem todas as possibilidades que não são expressamente
proibidas. A equipe mais inovadora nos detalhes que possam melhorar o desempenho
de seus equipamentos é a Ducati, que obteve seu único título mundial em 2007
com Casey Stoner. Foi justamente um recurso utilizado pela equipe italiana que
colocou sub judice o resultado da etapa
de abertura do Mundial de 2019.
O Regulamento da Competição
define como “Corpo Aero” a parte da carroçaria do protótipo que é diretamente
impactada pelo fluxo de ar enquanto a moto está em movimento para a frente. Especifica
também que qualquer spoiler - peça que possa
ter influência aerodinâmica - esteja montado na carenagem ou deve estar
localizado na traseira inferior com o único objetivo de dispersar a água superficial
para longe do pneu traseiro. Neste
cenário fica confuso classificar a peça montada no braço oscilante da Desmosedici
GP19.
No
final da prova quatro fabricantes, Aprilia, KTM, Honda e Suzuki apresentaram um
recurso contra a Ducati por utilizar elementos Aero não permitidos pelo
regulamento. A Aprilia realizou simulações CFD (dinâmica de fluidos
computacional) mostrando que os spoilers
da Ducati geram downforce na roda
traseira, que é explicitamente proibido de acordo com as diretrizes dos promotores
da MotoGP. A modificação foi
utilizada nos testes de sexta e sábado nas máquinas de Danilo Petrucci e Jack
Miller, só apareceu na moto de Andrea Dovizioso no domingo. O recurso foi inicialmente
recusado pelos comissários de pista, mas a decisão final deve ser julgada pela Corte
de Apelação da FIM. A decisão das fábricas em questionar os resultados da prova
não foi respaldada pelos pilotos, Marc Márquez declarou que foi vencido na
pista e qualquer outro resultado seria embaraçoso. O que está em julgamento não
é a vitória de Dovizioso, as fábricas querem evitar que pequenas liberdades no
regulamento possam resultar em uma escalada de custos no desenvolvimento de
soluções de aerodinâmica, sem que estes investimentos resultem em algo útil
para ser utilizado em motos comerciais.
Como
esperado a prova foi muito disputada, Dovizioso venceu com uma diferença mínima,
menor que um piscar de olhos em relação ao segundo colocado. No início da
última volta, embora o duelo principal fosse centrado entre a Ducati de
Dovizioso e a Honda de Márquez, Cal Crutchlow (Honda), Alex Rins (Suzuki) e
Valentino Rossi (Yamaha) ainda tinham condições de vitória. Os cinco primeiros
colocados cruzaram a linha de chegada separados por 0,6 segundos.
O
dispositivo holeshot que equipou as
Ducati mostrou sua eficiência, Dovi e Jack Miller contornaram a primeira curva
na frente, enquanto Petrucci foi travado pelo trânsito. A pista de Losail tem
uma reta de 1068m que favorece o poder de aceleração das GP19, caraterística
que foi muito explorada pelo vencedor durante a prova. Dovizioso recuperava na
grande reta as posições perdidas nos trechos sinuosos do traçado. A diferença
do motor entre a Ducati e Honda diminuiu sensivelmente, o protótipo italiano acelera
mais rápido embora a velocidade final de ambas as máquinas seja muito
semelhante.
A
equipe da enfermaria da HRC alinhou com um único piloto, Takaaki Nakagami, com
condições físicas ideais. Márquez, Crutchlow e Lorenzo estão ainda em processo
de recuperação, por este motivo duas Honda no pódio foi um feito muito
comemorado. Lorenzo só foi liberado pelos médicos para disputar a prova no
domingo pela manhã e todos os equipamentos Honda terminaram na zona de
pontuação.
Nos
boxes da Ducati era visível o contraste entre a felicidade geral da equipe e o desconforto
de Danilo Petrucci, 6º na classificação geral com mais de um segundo e meio de
atraso em relação ao 5º colocado. A terceira GP19 na pista sofreu um incidente
bizarro, o assento de Jack Miller descolou nas primeiras voltas e provocou a
desistência do piloto.
As
Suzuki de Alex Rins (4º) e Joan Mir (8º) mostraram que o período de aprendizado
na temporada passada foi muito útil. Rins, que chegou a liderar a prova e
disputar a posição com Dovi e Márquez, demonstrou muita maturidade.
Se
havia dúvidas sobre a possibilidade de um piloto de 40 anos ser competitivo,
esta desconfiança foi arquivada pelo desempenho de Valentino Rossi, que partiu
da 14ª posição do grid para finalizar em 5º.
O melhor desempenho das Yamaha, que também pontuaram com Vinales (7º) e
Morbidelli (11º).
A
Aprilia de Aleix Espargaró não teve um desempenho brilhante (10º), apenas o
suficiente para ser melhor que o inconstante colega de equipe Andrea Iannone (14º).
Outro
desempenho digno de nota foi o do rookie Fabio Quartararo, o piloto mais jovem
inscrito na temporada com uma Yamaha da equipe Petronas largou do pitlane por ter deixado o motor morrer
no grid, foi o piloto mais veloz da pista durante o primeiro terço da prova
recuperando posições.
Duas
equipes viveram um dia para ser esquecido. A KTM obteve a sua melhor
classificação com Pol Espargaró na 12ª posição, três à frente de Johann Zarco
(15º), as duas máquinas da Tech3 ficaram com português Oliveira em 17º e o
malaio Syahrin em 20º. Só não foi pior que a Aprilia que inscreveu um
piloto a mais que não concluiu a prova.
A
imprensa na Europa costuma dizer que as três provas iniciais da temporada são
apenas aquecimento. Faz algum sentido porque são disputadas em três circuitos
com particularidades próprias, Losail no Catar tem as dificuldades da areia na
pista, orvalho e prova noturna, Rio Hondo tem um piso abrasivo e clima
imprevisível, as características do Circuito das Américas em Austin são únicas.
A competição só esquenta na abertura da temporada europeia.
A
primeira prova deste ano parecia um “Vale a pena ver de novo” do que aconteceu
em 2018. Até os discursos são iguais, o pessoal da Honda reclama que a pista é
desfavorável, porém dois terços do pódio eram de pilotos com equipamentos
RC213V, um (Marc) com o ombro operado e ainda está em recuperação, o outro
(Cal) mancando.
Há no
folclore na MotoGP, uma regra não escrita que quem vence no Catar dificilmente
consegue o mundial. Quem viver verá.
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