Carenagens para gerar downforce |
H. L.
Menken, um jornalista norte-americano, escreveu em 1917 que “para todo problema
complexo existe sempre uma solução simples, elegante e errada”, quase cem anos depois a lição ainda não foi assimilada pelos organizadores do mundial de motovelocidade.
Quando a FIM e a Dorna decidiram aumentar a competitividade da MotoGP utilizando
a via da redução do gap de desenvolvimento entre as equipes, introduziram a
obrigatoriedade do software padronizado e estabeleceram limites para novas
tecnologias, os fabricantes exigiram como contrapartida o congelamento das
especificações técnicas por um período mínimo de cinco anos. A versão de 2016 do regulamento da competição
introduziu então diversas modificações estruturais, com o compromisso que futuras
alterações seriam realizadas exclusivamente por questões de segurança.
A
temporada de 2016 passou para a história do motociclismo esportivo pelos
resultados surpreendentes, nove vencedores diferentes, quatro fabricantes no
degrau mais alto do pódio e um campeão do mundo definido faltando três etapas
para o encerramento. O ano também foi caracterizado pela utilização massiva das
winglets, apêndices aerodinâmicos desenvolvidos originalmente pela Ducati e adotados
por todos os fabricantes. Apesar de contribuir para o downforce sobre a roda
dianteira, as asas nunca foram unanimidade entre os pilotos. Seu uso cria uma
esteira de turbulência e a sua projeção para fora da carenagem pode constituir
risco para outros competidores. A espetacular vitória de Jorge Lorenzo sobre
Marc Márquez em Mugello pode ser atribuída à eficiência das winglets da Yamaha.
Recordando, a Honda fez a última curva na frente, entretanto o downforce no
equipamento de Lorenzo manteve a roda dianteira no chão nos metros finais
enquanto o anti-wheelie cortou a aceleração de Márquez, a Yamaha cruzou a linha
de chegada 0,019 segundos na frente da Honda. Na segunda prova da temporada em
Rio Hondo (Argentina) em dois eventos as winglets foram protagonistas, na
largada um fotógrafo foi muito feliz em registrar uma asa da Ducati de Iannone
tocando o corpo de Márquez durante a disputa por espaço na primeira curva depois
da largada, e no acidente da última volta da prova uma das asas do mesmo
Iannone atingiu o pulso de Dovizioso durante a queda.
Em julho de 2016 a FIA,
para “preservar a segurança dos pilotos”, emitiu uma nova versão do regulamento
onde proibiu para a próxima temporada (2017) adicionar à carenagem ou
carroceria qualquer dispositivo que não esteja integrado na aerodinâmica do
corpo (por exemplo, asas, aletas, protuberâncias, etc.).
A tentativa via
regulamento de disciplinar a aerodinâmica dos protótipos da MotoGP criou uma
nova linha de desenvolvimento para os projetistas. O regulamento especifica a
limitação de dimensões e a necessidade de homologação da forma externa das
carenagens, entretanto é omisso em relação ao seu interior. O texto é explícito “Apenas a forma externa é
definida no regulamento, as seguintes partes não são consideradas como
integrantes do conjunto aerodinâmico: para-brisas, dutos de refrigeração,
suportes de carenagem e quaisquer outras peças dentro do perfil externo da
carroçaria”. Deste modo um fabricante pode criar, alterar ou ajustar
direcionadores de fluxo de ar e superfícies internas para alterar o downforce
sempre que desejar. Se um dos objetivos para o banimento das winglets era
reduzir os custos de desenvolvimento da aerodinâmica, a limitação de homologar
duas versões de carenagens e duas versões de para-lamas para cada piloto por
temporada não é uma restrição significativa.
Faltando pouco mais de
um mês para o início da temporada, só três das seis fábricas inscritas na
competição já levaram suas novas carenagens para as pistas, Yamaha, Suzuki e
Aprilia. Os conceitos utilizados pelos fabricantes japoneses são semelhantes, a
Yamaha escolheu colocar a captação para seus dutos na parte lateral média da
carenagem, a Suzuki optou pelos lados do nariz, os dois modelos oferecem ampla
possibilidade de modificarem as superfícies internas para criar downforce. Esteticamente
a versão da Yamaha aumentou o volume da moto
enquanto a Suzuki adere mais a um contorno normal.
A Aprilia optou por dutos
aerodinâmicos montados em cada lado do nariz. A força de apoio nesta concepção
é gerada pela forma do canal interior e não há muito espaço para ajustes, é um
modelo mais rígido se comparado aos projetos das outras duas. Segundo
informações vazadas por Aleix Espargaro, piloto
da equipe, a nova carenagem consegue entre 50%e 60% do resultado obtido pelas winglets.
A
Ducati é sempre um capítulo à parte, neste início de temporada a única
alteração externa visível é uma caixa opaca colocada na parte de trás. Como
ninguém da equipe comenta o que pode conter em seu interior, as especulações
são inevitáveis; um sistema de compensação das vibrações do chassi, um aparato
eletrônico para auxiliar a dinâmica da moto, um coletor de informações para
melhorar a configuração do protótipo ou um espaço vazio utilizado apenas para estimular
a imaginação da concorrência.
Em
setembro do ano passado, em uma conversa informal com um repórter britânico depois
do GP da Inglaterra, o então “todo poderoso” da HRC, Nakamoto-san, expressou
sua descrença na eficiência de efeitos aerodinâmicos resultarem em algum efeito
significativo na pista. Segundo sua avaliação, o possível ganho obtido em
algumas condições implica em efeitos colaterais difíceis de serem
administrados em outras. Por exemplo, o que auxilia enquanto a moto está de pé complica ao contornar curvas e vice versa. Pouco antes do início da
segunda sessão de testes pré-temporada na Austrália, Livio Suppo, diretor da
equipe, não mostrou entusiasmo sobre as novidades aerodinâmicas e informou que
os maiores esforços dos engenheiros estão orientados no trinômio motor,
eletrônica e roda traseira. Pode caracterizar um ceticismo da fábrica em termos
de contribuição da aerodinâmica para o desempenho final dos protótipos, ou
apenas mais uma manobra evasiva para desviar as atenções.
A
KTM, debutante este ano, apresentou a programação visual de seus protótipos
para a temporada com uma carenagem protocolar, sem novidade significativa.
Nos
dois testes oficiais já realizados, Sepang e Phillip Island, os melhores tempos
foram obtidos por pilotos utilizando carenagens convencionais. Existe a
expectativa de alguma novidade aparecer antes da largada oficial da temporada
na corrida noturna do Catar, porém nada indica que algo revolucionário possa
acontecer.
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