terça-feira, 15 de novembro de 2016

F1 – O Fator Clima



Senna & Hill - Rio 1993
Tanto quanto o piloto, a chuva foi protagonista na segunda e última vitória de Ayrton Senna em Interlagos, no GP do Brasil de 1993. As Williams de Alain Prost e Damon Hill dominaram os treinos, a pole do francês foi quase dois segundos mais rápida que o tempo do brasileiro. Durante a prova, na volta 24, Senna foi penalizado com um “Stop and Go” de dez segundos por manobra arriscada em uma ultrapassagem sobre Érik Comas e caiu para a quarta colocação. O domínio das Williams Renault mudou radicalmente quando começou a chover na volta 27, duas voltas depois Christian Fittipaldi rodou com sua Minardi em plena reta, Prost que vinha em seguida e ainda não havia trocado para pneus de chuva, também perdeu o controle e acabou fora da pista. Damon Hill herdou a primeira colocação e, mesmo com um carro melhor, foi alcançado e ultrapassado por Senna na subida do Laranjinha. Foi uma jornada épica de Ayrton Senna, e comprova a assertiva que, em condições adversas, o talento do piloto compensa as vantagens técnicas dos concorrentes.

 
Schumacher & Alesi - Barcelona 1996
Poucos entenderam as razões de Michael Schumacher ao trocar a Benneton pela Ferrari no final de 1995. Em 1996 o então bicampeão da Fórmula 1 não pontuou em três das seis primeiras corridas, Damon Hill e Jacques Villeneuve dominavam a temporada com os Williams Renault, os melhores carros nas pistas, os F310 da Ferrari - jocosamente chamados de “banheirão” – em condições normais não eram páreo para os FW18 da equipe britânica. O GP da Espanha em Barcelona, sétima corrida da temporada, foi realizado com a pista em péssimas condições. O clima chuvoso nivelou os carros e o talento do alemão fez a diferença. Depois de uma largada complicada, beneficiado por diversas saídas de pista de vários pilotos, Schumacher assumiu a ponta na décima terceira volta e abriu 45 segundos em relação ao Benetton de Jean Alesi, que terminou em segundo. Foi a primeira de uma longa série de vitórias de Schumacher pela equipe do Cavalinho Rampante.

 

GP Grã-Bretanha 1975
A chuva também foi responsável por um dos GPs mais caóticos da história, em 1975 na pista de Silverstone, prova que ficou marcada pela última vitória de Emerson Fittipaldi na F1. O resultado só foi homologado duas horas depois do encerramento e registrou em uma dobradinha brasileira, Fittipaldi em primeiro e José Carlos Pace em segundo lugar. Toda a confusão ocorreu pela inconstância do clima, houve uma pancada d’água de curta duração na volta 19, como na época a troca de pneus demorava mais de dois minutos, Emerson decidiu ficar na pista abrindo uma grande vantagem. Na volta 55 a chuva voltou mais intensa, o piso ficou impraticável e as áreas de escape foram transformadas em estacionamento compulsório dos carros que não paravam na pista. Emerson estava nos boxes trocando pneus quando a prova foi encerrada, ele não recebeu a bandeirada final. Depois de muita discussão e informações desencontradas, a colocação da volta 56 foi considerada como resultado final. O registro oficial confirma o caos estabelecido, Emerson com 56 voltas em 1 hora, 22 minutos e 5 segundos, os quatro seguintes, José Carlos Pace, Jody Scheckter, James Hunt, Troy Donahue tem a palavra “acidente” no lugar do tempo de prova e o sexto colocado, Vittorio Brambilla, uma volta a mais. Quando a corrida foi interrompida, Emerson estava nos boxes e só havia cinco carros circulando pela pista.



Estoril 1985
Nuvens negras não foram suficientes para obscurecer a estrela de Ayrton Senna no início de sua carreira na F1. Sua primeira vitória, que poderia ter sido com um Toleman no GP de Mônaco em 1984, aconteceu com um Lotus no circuito do Estoril no ano seguinte. A conquista da pole para a largada da prova foi realizada com pista seca, a equipe Lotus utilizava um carro especial só para a classificação, construído no limite do regulamento, procedimento permitido na época. Chovia no dia da prova, Senna, abriu 30 segundos de vantagem sobre os outros carros nas primeiras 20 voltas. Quando recebeu a bandeirada final estava mais de um minuto na frente do segundo colocado, a Ferrari de Michele Alboreto, e uma ou mais voltas na frente de todos os demais. O desempenho do brasileiro na corrida de Portugal alterou o comportamento das tradicionais casas de jogos de Londres, sempre que a previsão para a disputa de um GP era chuva, apostas em Senna não eram aceitas.

 
Donington Park 1993
 
A temporada de 1993 foi complicada para a McLaren, o motor Ford, que substituiu o Honda, não tinha desempenho suficiente para acompanhar os Renault da Williams. Nestas condições só um fator externo poderia equilibrar a disputa, e foi o que aconteceu no GP da Europa, a única corrida da história da F1 disputada no circuito de Donington Park. Ayrton Senna conseguiu a quarta colocação no grid e a largada foi autorizada com chuva. O que se viu a seguir é classificado pelos especialistas em automobilismo como “A melhor primeira volta da história da F1”, Senna contornou a primeira curva em quinto lugar e, sucessivamente, ultrapassou o Benetton de Michael Schumacher, o Sauber de Karl Wendlinger e os Williams de Alain Prost e Damon Hill, assumindo a liderança antes de completar a primeira volta. No final da corrida, Senna cruzou a linha de chegada 1 min e 20 seg à frente de Damon Hill, todos os outros ficaram uma ou mais voltas atrás.
 


Adelaide 1991
 
O recorde de GP mais curto da F1 pertence ao Grande Prêmio da Austrália, encerramento da temporada de 1991 no circuito de rua de Adelaide. O título de campeão da temporada estava definido desde o “acidente” de Senna com Prost na prova anterior no Japão. O piloto francês fez pesadas críticas à equipe Ferrari e não foi autorizado a competir. Circuito de rua significa drenagem limitada e quase ausência de áreas de escape, a chuva torrencial acumulou água na pista e fez diversos carros rodarem em plena reta nas primeiras voltas. Na prova, cuja largada nunca devia ter sido autorizada, a falta de visibilidade provocou um acidente entre Schumacher e Jean Alesi na volta 5, tirando os dois da corrida. Em seguida o Benetton de Nélson Piquet aquaplanou e girou 360 graus, o piloto com extrema perícia controlou o carro e conseguiu voltar para a pista sem perder seu quarto lugar. A prova foi interrompida na volta 16, depois de Nigel Mansell, Gerhard Berger e Nelson Piquet, respectivamente segundo, terceiro e quarta colocados, perderem o controle de seus carros no piso alagado. A bandeira vermelha foi acionada e, posteriormente, a prova encerrada com a classificação retroagindo a volta 14 (de um total previsto de 81), a vitória ficou com Ayrton Senna, um dos poucos que conseguiram permanecer no circuito. Nigel Mansell não participou da cerimônia de premiação, estava sendo atendido em um hospital devido ao seu acidente na prova.

 
Canadá 2011

Jenson Button protagonizou em Montreal, no GP do Canadá de 2011, uma proeza difícil de ser igualada. A largada foi com realizada com os carros em movimento (Safety Car) e logo que a corrida foi liberada, Button colidiu com o companheiro da equipe McLaren, Lewis Hamilton, provocando nova entrada do carro de segurança. Logo depois, devido à chuva intensa, a prova foi suspensa.  Após quase duas horas de espera, a corrida recomeçou e Button enroscou-se com Fernando Alonzo, o espanhol ficou fora e o britânico caiu para o último lugar. Com uma recuperação fantástica, Button escalou posições, encostou nos líderes e ultrapassou o terceiro colocado Michael Schumacher e o segundo Mark Webber faltando poucas voltas para o final. Na última volta o líder Sebastian Vettel cometeu um erro e Button assumiu a ponta. Uma vitória impressionante em um GP inesquecível.

 
Sepang 2009
O GP da Malásia está no calendário a quase duas décadas e o circuito de Sepang já hospedou sua cota de “Wet Races”. Em 2009 as condições do clima retardaram a largada para as 17:00hs (horário local), um risco assumido pela direção de prova que excluía qualquer tipo de contratempo, caso contrário a prova não teria condições de ser concluída por falta de luz natural. Infelizmente aconteceu, caiu um temporal sobre o circuito e o diretor acionou a bandeira vermelha (interrupção) na volta 33. A chuva não cedeu, a corrida não foi reiniciada e Jason Button foi proclamado vencedor. A mudança do horário de início prejudicou as grades de programação das emissoras de TV e causou múltiplos transtornos para os organizadores.


Fuji 2007
 Uma esperteza custou caro para a Ferrari no GP do Japão em 2007. Seus dois pilotos, Felipe Massa e Kimi Raikkonen, ainda tinham condições de conquistar o mundial de pilotos. Após a largada em movimento com o carro de segurança na pista, os carros da equipe italiana foram obrigados a um pit stop para trocarem de pneus, o regulamento exige componentes para chuva extrema nestas ocasiões e a equipe decidiu utilizar compostos intermediários. Ainda durante a corrida Mark Webber da Red Bull sentiu um desconforto estomacal, reduziu muito a velocidade e acabou sendo abalroado por seu colega de equipe Sebastian Vettel, eliminando ambos da competição. Depois de uma prova repleta de incidentes, o piloto mais bem comportado na pista, Lewis Hamilton, venceu, o Renault de Heikki Kovalainen ficou com o segundo lugar e um surpreendente Kimi Raikkonen em terceiro.

 
Mônaco  1982
Corridas de rua com chuva são sempre um problema, se for em Mônaco é ainda mais complicado. Em 1982 um único carro recebeu a bandeirada final. Começou a chover no circuito nas voltas finais da prova e, faltando 3 voltas, o líder Alain Prost perdeu o controle e bateu em um guard rail. Ricardo Patrese, que vinha a seguir, rodou na volta seguinte, na sequência Pironi sofreu pane seca e Andrea de Cesaris também parou por falta de combustível. A última volta foi aberta por Derek Daly que apresentou problemas com o câmbio e também foi obrigado a parar. Arrastando-se pela pista, com a suspensão avariada, Ricardo Patrese foi o único a receber a bandeirada final e, como não havia mais pilotos com condições na pista, Pironi e De Cesaris completaram o pódio.

 
Spa-Francorchamps 1998
A equipe Jordan conseguiu apenas quatro vitórias na Fórmula 1, três em condições adversas de clima, a mais emblemática na Bélgica no circuito de Spa-Francorchamps em 1998. A largada foi autorizada com uma chuva fina, não houve problemas no grampo (La Source), porém na descida para a Eau Rouge o spray levantado pelos carros não permitiu visualizar direito o que aconteceu, David Coulthard foi tocado por trás, atravessou-se na pista e provocou um dos maiores acidentes já ocorridos na F1, envolvendo, além do escocês, treze outros pilotos, incluindo os brasileiros Rubens Barrichello, Pedro Paulo Diniz e Ricardo Rosset. A prova foi interrompida para remoção dos carros acidentados e detritos espalhados na pista. Na relargada, Barrichello, Rosset e outros dois pilotos não estiveram no grid por falta de carro-reserva, todos foram mais cuidadosos, ainda assim um toque de Johnny Herbert tirou da prova o finlandês Hakkinen, que liderava o mundial de pilotos. Na volta 25 Schumacher aquaplanou ao sair do trilho para colocar uma volta sobre a McLaren de David Coulthard, bateu e quebrou a suspensão ficando com apenas três rodas. O incidente provocou revolta no alemão, que interpretou o ocorrido como um trabalho de equipe para prejudicar sua disputa com Hakkinen. Muito tempo depois, em 2003, o escocês reconheceu que poderia, se quisesse, ter facilitado a ultrapassagem. No final da prova os dois carros da Jordan lideravam em uma dobradinha inesperada, Ralf Schumacher ainda tentou sem sucesso ultrapassar o companheiro de equipe, porém a vitória ficou com Damon Hill.
 

Niki Lauda
 Poucos reconheceram no Niki Lauda das entrevistas, enquanto a prova de Interlagos deste ano esteve suspensa, o mesmo piloto que entregou o campeonato de 1976 para James Hunt ao abandonar o GP do Japão por falta de condições mínimas de segurança (Fittipaldi na mesma prova também abandonou pelo mesmo motivo). Agora dirigente, Lauda mostrou-se preocupado com os horários de transmissões de TV, com o respeito ao público pagante e com uma possível decisão do mundial de pilotos. Os valores mudam quando se arrisca a integridade de outros.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

MotoGP – O Início da Temporada 2017


Circuito Ricardo Tormo -  Cheste, Valencia
 

 Na próxima terça-feira, 15 de novembro, inicia em Valência a temporada de 2017 da MotoGP. Durante dois dias estarão no circuito os pilotos, chefes de equipe, mecânicos e assessores de imprensa das equipes inscritas para disputar o mundial do próximo ano. Algumas novidades são esperadas, como a troca de pilotos, pessoal de apoio e a presença de uma nova fábrica, a KTM.
 
O centro das atenções será com certeza o box da Ducati, com a presença do três vezes campeão do mundo da principal classe, o espanhol Jorge Lorenzo em seu primeiro contato com a Desmosedici GP17. A importância deste dia para a fábrica de Bolonha pode ser medida pela decisão de reter Michele Pirro trabalhando com a GP17 e não permitir que ele substituísse o acidentado Andrea Iannone nos testes de Motegi. A Ducati acredita que o novo equipamento e o talento de Lorenzo possam devolver a sequência de performances obtida por Casey Stoner na década passada, e conta para isso com o trabalho do chefe de equipe Cristian Gabarrini, o mesmo que trabalhou com o piloto australiano em sua passagem vitoriosa na equipe. A fábrica aprontou uma única GP17 para cada condutor, portanto ousadia não deve ser a tônica dos testes. Qualquer avaliação calcada nos resultados de Lorenzo será prematura, ele não conhece o equipamento, entretanto a performance de Dovizioso deve proporcionar o melhor indicador das evoluções do novo modelo. Os pilotos esperam um equipamento mais dócil para conduzir, com um comportamento mais suave nas curvas, porém sem perder a velocidade nas retas.

A Yamaha aposta em Maverick Vinales para substituir Lorenzo e recompor um ambiente tranquilo nos boxes. Vinales encerra uma ótima temporada na Suzuki e quebrou o monopólio das duas grandes (Honda e Yamaha) em pistas secas, vencendo o GP da Inglaterra em Silverstone. Tudo indica que sua adaptação deve ser rápida, o comportamento da M1 é muito semelhante ao da GSX-RR e ele herda toda a estrutura de Lorenzo, com exceção de um mecânico que o está acompanhando em sua transferência para a Ducati. Valentino Rossi continua a ser o grande nome da equipe, seu relacionamento com Vinales até o momento está sendo mantido em termos extremamente amigáveis e é uma incógnita se vai sobreviver a uma disputa real nas pistas. Marco Melandri, um piloto italiano que participou com Rossi em provas da MotoGP entre 2003 e 2010, afirmou em uma ocasião que o convívio com o italiano é extremamente fácil, enquanto ele está vencendo. A Yamaha não confirmou o novo modelo nos testes de Valência, como é o desejo dos pilotos. Caso não seja possível, no final do mês está programado um teste privado em Sepang em companhia dos novatos da satélite Monster Tech 3.

A Suzuki anuncia uma mudança radical de sua linha para 2017. Andrea Iannone, que inclusive obteve uma vitória este ano, trocou a Ducati pela fábrica japonesa e vai ter como colega de equipe Alex Rins, promovido da GP2. A expectativa é um bom desempenho de Iannone, até porque a condução de GSX-RR deve exigir menor esforço físico que a GP16.  O italiano também inicia os testes com uma motivação extra, ter sido dispensado pela Ducati para abrir a vaga de Lorenzo. Marco Rigamonti, seu chefe de equipe nesta temporada o acompanha na mudança. Alex Rins foi muito bem cotado na Moto2, mas sua performance em 2016 foi decepcionante e há dúvidas sobre sua capacidade na MotoGP. 

As novidades da Aprilia estão centradas nos pilotos, a nova moto, um projeto em desenvolvimento, ainda não estará pronta. Aleix Espargaro, que estava pilotando uma Suzuki, assume como piloto principal da fábrica, secundado por Sam Lowes, que encerra um ano complicado na Moto2.  A Aprilia conta com a experiência de Espargaro, um piloto com amplo conhecimento em diversos tipos de motos, para obter resultados mais consistentes na próxima temporada.

O acontecimento que deve rivalizar com a estreia de Lorenzo na Ducati em termos de atrair a atenção da mídia é a entrada (ou retorno) da KTM para a MotoGP. Para o comando das motos a fábrica não bancou apostas, contratou os experientes pilotos Pol Espargaro e Bradley Smith, que dividiram os boxes da Monster Tech 3 em 2016. A expectativa é grande, principalmente pela novidade (ou retorno às origens) do quadro de aço tubular com estrutura em treliça. Todas as demais fábricas já abandonaram este conceito, trocado por fibra de carbono ou viga de alumínio. A KTM vai ter o piloto de testes Mika Kallio competindo como “Wild Card” na prova de Valência, ele recentemente declarou que o comportamento do quadro de aço em treliça é diferente da viga de alumínio e que levou algum tempo antes de se adaptar. Um período semelhante de adaptação talvez seja necessário para de Smith e Spargaro.

A Honda rigorosamente não apresenta novidades em relação ao pessoal de apoio, mas o que a HRC está preparando para a nova temporada desperta muita curiosidade. Há um boato, estimulado por vazamentos da fábrica, que um motor muito diferente vai equipar as RC213V. Comenta-se que a ordem de disparo, (mais corretamente, o intervalo de disparo) foi modificado para facilitar o gerenciamento da geração de potência do motor. Qualquer dúvida neste sentido será esclarecida assim que o som da nova moto for ouvido. O som gerado por um motor “Screamer” tem uma característica muito diferente do “Big Bang”. Pilotos e engenheiros da HRC são extremamente reticentes em comentar as novidades, porém há indícios que as mudanças para 2017 foram concentradas em pequenas alterações no chassi e uma grande melhoria no poder de aceleração. Considerando que as Honda venceram nove das dezessete corridas já realizadas nesta temporada com um motor complicado, uma melhoria nesta área pode resultar em uma vantagem expressiva.  A Honda costuma utilizar a moto mais recente neste primeiro teste exclusivamente para os pilotos de fábrica, porém este ano Cal Crutchlow tem desempenhado um papel importante no programa de desenvolvimento e deve receber um modelo atualizado.

Os testes de Valência tem uma conotação diferente para as equipes satélite. As equipes de fábrica utilizam estes dois dias para experimentar evoluções tecnológicas, enquanto as não fábrica ficam presas aos equipamentos que competiram durante a temporada. Não há novidades nas motos, a dança das cadeiras entre pilotos e pessoal de apoio está sendo consolidada. Na Marc VDS Racing Team o atual chefe de equipe de Jack Miller, Cristian Gabarrini, está de mudança para a Ducati, assume em seu lugar Ramon Aurin, que este ano chefiou a equipe de Dani Pedrosa e vai ser substituído por Giacomo Guidotti.

A Monster Tech 3 está esperando as Yamaha M1 de 2016 para seus novos pilotos, Johann Zarco e Jonas Folger, que foram promovidos da Moto2. Em termos de equipamento a história se repete, as M1 utilizadas pelos pilotos da Movistar Yamaha na corrida de Valência são entregues para a equipe e permanecem inalteradas durante todo o próximo ano. A única equipe satélite da Yamaha está reassumindo a função de formadora de talentos para a fábrica e os resultados dos pilotos nos testes não são muito significativos.

Se a situação das japonesas Honda e Yamaha é relativamente simples, as coisas são um pouco mais complexas para as satélite da Ducati, em função do número de motos que a fábrica alinha no grid de largada. Complica ainda mais porque cada equipe recebe equipamentos diferentes para cada piloto. Nos testes de Valência, a Avintia terá uma GP16 para Hector Barberá e uma GP15 para Loris Baz, na Aspar Álvaro Bautista terá um modelo GP16 e Karel Abraham um GP15. A Pramac ainda não definiu a distribuição dos equipamentos, a equipe está realizando uma disputa paralela entre Danilo Petrucci e Scott Reding, considerando os resultados entre as provas da República Tcheca e a última do ano, descartando o pior resultado. O vencedor deste minicampeonato vai pilotar uma evolução da GP16 com alguns dos desenvolvimentos da GP17, o perdedor recebe uma GP16.

Valência não vai decidir o campeonato este ano, mas os testes nos dias seguintes estão repletos de atrações.

Calos Alberto Goldani
Novembro de 2016

 

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

MotoGP – Linha Sucessória


Marc Márquez & Valentino Rossi
 

Não existe uma maneira adequada de cotejar avestruz com abacate. Eventualmente podem haver pequenas semelhanças da cor predominante ou contribuição calórica quando servirem como alimento, mas todas as possíveis análises comparativas são descabidas. São fundamentalmente conceitos diferentes, descrevendo entidades distintas na essência.
 
Da mesma forma não tem lógica comparar carreiras de pilotos que competiram em épocas, ambientes e circunstâncias completamente diferentes. Giacomo Agostini, detentor das melhores estatísticas da motovelocidade, participou de mundiais de motociclismo por treze anos (1965 a 1977), obteve 122 vitórias (68 na 500cc e 54 na 350cc) e 15 títulos mundiais (8 na 500cc e 7 na 350cc, na época era usual participar de mais de uma categoria). Valentino Rossi frequenta os circuitos do mundial desde 1996 (125cc), em 21 anos colecionou 114 primeiros lugares e 9 títulos mundiais, 7 na categoria top. Rossi é o maior nome do esporte há vários anos e seu carisma e tino comercial contribuíram muito para a popularização do esporte motorizado de duas rodas. As carreiras dos dois pilotos estão separadas por duas décadas, por diferenças tecnológicas, infraestrutura de apoio, espaço de cobertura da mídia, calendários, regulamentos, investimentos e concorrentes, que praticamente não existiam nos áureos tempos de Agostini.
 
Este ano, quando alinhou para a largada na primeira prova da temporada no Catar, Valentino tinha traçado duas metas, conquistar o seu oitavo título mundial na principal categoria e aproximar-se do número de vitórias de Agostini. Estava confiante, a Movistar Yamaha disponibilizou o pacote com os melhores resultados nos testes pré-temporada, Jorge Lorenzo, campeão do mundo com quem dividia os boxes, pilotava um equipamento igual ao seu, porém entrara em rota de colisão com a administração da equipe por declarações e atitudes no final de 2015. Nos concorrentes, a Honda atravessava um inferno astral e não se entendia com o pacote eletrônico unificado, a Ducati honrava a tradição de ser extremamente rápida em retas, que estão cada vez mais raras nos circuitos da MotoGP e a Suzuki foi protagonista só no primeiro teste, depois voltou a ser apenas uma promessa.
 
Faltando apenas uma corrida para o final da temporada os resultados obtidos por “The Doctor” foram significativos, porém ficaram muito aquém de suas expectativas, das dez vitórias necessárias para atingir o número cabalístico de Agostini. Ele conseguiu apenas duas e o título da temporada acabou nas mãos de Marc Márquez – seu terceiro em quatro anos da principal categoria – com três provas de antecedência.
 
A mídia consumista necessita de fatos novos, o nome de Giacomo Agostini já não é reconhecido pelas novas gerações que acompanham a MotoGP. Nos dias atuais muitos entendem que as realizações de Valentino Rossi são inalcançáveis, outros pilotos podem construir carreiras brilhantes, mas ele será sempre o mais midiático e o melhor de todos os tempos. A ascensão de uma nova geração de pilotos ainda não foi capaz de abalar este sentimento. Os três campeonatos conquistados por Jorge Lorenzo desde 2010, dois deles obtidos com o mesmo equipamento de Rossi, não abalaram esta convicção, porém o talento puro de Marc Márquez permite antever que ele tenha um futuro possivelmente ainda mais vitorioso que o do italiano.
 
Comparar a carreira de um piloto de 37 anos com a de um de 23 não revela rigorosamente nada. Uma análise um pouco mais consistente e honesta que pode ser feita é confrontar os números de ambos do início da carreira até a idade atual de Márquez, 23 anos. O objetivo é expor apenas resultados, sem considerar a possibilidade de contaminação por causas externas. O estudo não contempla preferências, previsões futuras, métricas de exploração da mídia, ou comparações de carisma. Trata-se de numerologia pura.
 
Números não mentem, em todas as comparações possíveis a vantagem é do espanhol. Aos 23 anos de idade Valentino havia vencido quatro campeonatos mundiais, Marc já venceu cinco. Rossi acumulou 49 vitórias em GPs, 72 pódios e 21 poles, Márquez conquistou respectivamente 55 vitórias, 89 pódios e 64 poles. Os números de Rossi foram conseguidos em sete temporadas do mundial, três anos na principal categoria, dois na 125cc e outros dois na 250cc. Márquez obteve estes resultados em nove anos (dois a mais), quatro na MotoGP, três na 125cc e dois na Moto2. O espanhol leva vantagem também em segundos (20 contra 13) e terceiros lugares (14 e 10).
 
Se for realizada uma análise limitada exclusivamente aos anos que ambos competiram juntos, as temporadas de 2013, 2014, 2015 e atual, Márquez conquistou três campeonatos, Rossi nenhum. Os resultados obtidos na pista neste período contemplam 46 a 44 pódios em favor do espanhol, que conquistou 29 vitórias, 14 segundos lugares e 3 terceiros, os números do italiano são 9 vitórias, 16 segundos e 19 terceiros lugares. Em termos de consistência de resultados o ano de 2015 foi complicado para Márquez, que contabilizou seis “zero” pontos (Rossi pontuou em todas as provas), a pior temporada de Valentino é a atual, onde até agora não pontuou em quatro oportunidades.
 
Fãs de Valentino Rossi, identificados por inconfundíveis bandeiras amarelas com o número 46, podem ser encontrados em qualquer circuito do planeta onde haja provas de motociclismo. Suas entrevistas são divulgadas nos 116 idiomas reconhecidos pela Organização das Nações Unidas e, embora algumas de suas opiniões e atitudes dentro ou fora das pistas nem sempre sejam elogiáveis, ele é um ídolo cultuado por representantes de todas as gerações.
 
Marc Márquez conquista a admiração por seu estilo arrojado, sua capacidade de adequação em situações adversas, e suas recuperações em quedas eminentes – que desafiam as leis da física – já são lendárias. Márquez foi o piloto mais jovem a conseguir pole e vitória na MotoGP, ambos no GP das Américas em 2013. Também foi protagonista de uma queda enquanto acelerava a 336 km/hora (confirmados pela telemetria) nos testes que antecederam a prova de Mugello no mesmo ano, o sinistro com a maior velocidade registrada na história dos mundiais.
 
A análise destes dados deve considerar que a estatística é uma ciência que, torturando-se adequadamente os números, pode-se justificar qualquer afirmação. Márquez não tem a presença, a experiência e o carisma do italiano, mas está consolidando rapidamente uma carreira extraordinária. É o principal candidato a igualar e ultrapassar os feitos do mito Valentino Rossi. Se vai conseguir manter por vários anos a sequência de resultados atuais é outra história.
 
Carlos Alberto Goldani
Novembro de 2016