Valentino Rossi não atende ao chamado da equipe
Conta
a lenda que uma onça parda fugiu de seu habitat natural no Parque Estadual de
Itapuã, situado na região metropolitana de Porto Alegre, que foi invadido por
entusiastas do turismo ecológico. A fera encontrou refúgio nos porões de uma
empresa de tecnologia instalada nas proximidades. Quando sentiu fome, seu
instinto caçador inibiu o risco de ser descoberta e ela atacou um engravatado
que circulava pelas proximidades. Rendeu alimento suficiente para alguns dias.
O fato se repetiu três ou quatro vezes, ela atacava a primeira pessoa que
aparecia, carregava a vítima para um vão entre os alicerces da construção e
tinha alimento por algum tempo. Um dia o animal abateu uma senhora já com
alguma idade e em seguida identificou uma movimentação intensa, logo seu esconderijo
foi descoberto e foi capturado. Para sua infelicidade havia atacado a “tia do
cafezinho”, cuja ausência foi imediatamente notada por todos.
Pode
parecer brincadeira, mas esta pequena fábula serve para justificar a
importância de todas as pessoas que fazem parte de uma organização, inclui as
equipes que disputam Fórmula 1 e MotoGP. Grandes campeões compreendem a
importância de todas as pessoas, incluindo as que respondem pelas funções mais
básicas, no resultado final de uma prova. O primeiro atrito entre Ayrton Senna
e Alain Prost, quando ambos dividiram os boxes da McLaren em 1988, surgiu pelo
hábito do brasileiro em dividir os prêmios por vitória com os mecânicos que
cuidavam do seu carro. Esta atitude foi interpretada pelo francês como uma tentativa
de promover cizânia entre os membros da equipe.
Talvez
a maior comprovação que o entrosamento entre piloto e equipe seja essencial
para obter resultados tenha acontecido no GP da Alemanha em 2016. Na ocasião a
indecisão do clima forçou a direção de prova declarar a corrida como “Flag to
flag”, ou seja, caso necessário seria autorizada a troca de equipamentos. Marc
Márquez teve um início de prova desastroso após perder várias posições e
realizar um passeio pela brita nas primeiras voltas. Estava fora da disputa
pelas primeiras posições, que incluía, entre outros, Andrea Dovizioso,
Valentino Rossi e Cal Crutchlow. Perto do primeiro terço de prova, como as
condições da pista melhoravam gradativamente, Marc foi chamado pela equipe para
mudar sua moto por uma equipada seu com pneus slick. Com a pista secando, o
piloto da Honda começou a fazer voltas com entre 5 e 10 segundos mais rápidas
que os líderes. Todas as equipes notaram a melhora significativa nos tempos e
orientaram seus pilotos para realizarem a troca, algumas esperaram várias
voltas até serem atendidas. Na MotoGP não existia (e ainda não existe) a
comunicação bilateral e as comunicações dos boxes é são restritas, depois da
largada o piloto é solitário e decide se aceita ou não as orientações. Uma foto
que caracteriza o GP foi uma atitude de desalento de um membro da Yamaha com os
braços levantados quando Rossi, ainda na disputa da liderança, não entrou nos
boxes para realizar a troca. Márquez obteve uma vitória muito improvável, com a
diferença absurda de quase 10 segundos sobre Crutchlow, o segundo colocado.
Valentino Rossi, que estava na corrida pelo título mundial, foi apenas o 8º.
Muitos
repórteres que cobrem a MotoGP alegam que Jorge Lorenzo fracassou em sua
primeira temporada na Ducati por ter que trabalhar com uma equipe completamente
nova, onde até o jargão utilizado era diferente. Lorenzo foi autorizado a levar
um único membro do seu grupo de apoio na Yamaha, o mecânico Juan Llansa e foi
obrigado a abrir mão do chefe de equipe Ramon Forcada, com quem ele trabalhou
desde a sua estreia na principal categoria em 2008.
A M1
#46 de Valentino Rossi foi apenas a 3ª Yamaha classificada no último mundial,
7ª no geral, uma colocação inaceitável para o maior nome em atividade na
motovelocidade. Talvez em função destes resultados Rossi fez uma mudança
significativa na sua equipe pessoal, promoveu Davide Munoz, que era chefe da
equipe VR46 na Moto2, para o lugar de Silvano Galbusera que trabalhou com ele
desde 2014.
A
sabedoria popular ensina que “não se mexe em time que está ganhando”, esta
máxima pode ser integralmente aplicada na equipe que trabalha junto com Marc
Márquez. Com muito poucas exceções, todos estão com ele desde os tempos da
Moto2 em 2012. Santi Hernández, o chefe da equipe trabalha com o piloto desde
2011 quando o espanhol subiu para a Moto2. Desde então venceram juntos 7
títulos, 1 na Moto2 e 6 na MotoGP. Hernández lidera a equipe de traduzindo o
feedback do piloto em decisões sobre configurações do equipamento, que
transmite para o resto da equipe. O campeão do mundo também tem uma assessoria
pessoal desde o início de sua carreira, Emilio Alzamora, o piloto que em 1999
foi coroado campeão mundial de 125cc sem ganhar um único GP. Um dos homens mais
influentes da MotoGP e conhecido nos boxes como o 3º Márquez, Emilio mostrou
para o MM93 que ser rápido é apenas a ponta do iceberg, atitudes profissionais
são tão vitais nas pistas como trabalhando com patrocinadores, mídia e os fãs.
Mesmo
as funções mais humildes, no degrau mais baixo da hierarquia, são importantes
para todo o processo. Um único parafuso mal apertado pode comprometer o
desempenho da moto em uma prova. As pessoas são os principais ativos de uma
equipe, quando tudo funciona bem cada qual sabe o papel que lhe cabe e que
qualquer falha em suas obrigações prejudica todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário