A foto acima foi obtida faltando
poucos segundos para o final da etapa da Tailândia no Mundial de MotoGP de 2018.
A Ducati #04 de Andréa Dovizioso e a Honda #93 de Marc Márquez tinham disputado
palmo a palmo as três últimas voltas, seguidos de perto pelas Yamaha de
Maverick Vinales e Valentino Rossi, em um dos finais mais eletrizantes da
temporada. A prova foi vencida por Márquez com uma ultrapassagem antológica na
última curva.
Foi a quarta vez nos dois
últimos anos que Márquez e Dovizioso protagonizaram espetáculos semelhantes, antes
em 2017 no GP da Áustria, GP do Japão no mesmo ano disputado com a pista
encharcada e na prova noturna de abertura da temporada de 2018 no Catar. Nestas
três oportunidades o piloto italiano levou a melhor.
Observem na foto que, embora na
liderança e na entrada do último contorno a Ducati está com inclinação menor e
suas rodas praticamente alinhadas. A Honda já está apoiada na borda do pneu
traseiro e com a roda dianteira virada no sentido contrário da curva, indicando
que o piloto está executando a manobra clássica de controlar a roda traseira
escorregando para levantar a moto mais rápido e obter maior tração nos metros
finais. A estratégia de Márquez funcionou, ele venceu a prova, com Dovizioso em
segundo e Vinales fechou o pódio, os três com um intervalo de pouco menos de
0,250 segundos.
A técnica de condução utilizada
por Márquez nesta ultrapassagem é herança dos pilotos formados em pistas de
terra (dirty tracks) e foi desenvolvida quase à perfeição na MotoGP por Casey
Stoner, o último vencedor de um mundial com uma Ducati em 2007. Uma comparação
entre o atual campeão e o genial australiano mostra que ambos têm estilos
semelhantes. A característica de condução de Casey era metódica e limpa, a de Marc
mais instintiva. Stoner exercia um domínio sobre a moto dificilmente encontrado
nos competidores atuais, não colocava o cotovelo no chão como Márquez, mas o
ângulo de inclinação ao atacar uma curva era semelhante ao do atual campeão.
A MotoGP cria mitos e os define
como verdades absolutas como, por exemplo, Casey tinha controle absoluto sobre
o timing da aceleração e Marc se adapta melhor às mudanças de comportamento da
moto durante uma prova. Ainda no tempo em que o composto dianteiro da
Bridgestone tinha uma eficiência absurda de frenagem, Casey desenvolveu a
técnica de utilizar o freio traseiro da Honda para obter maior velocidade nas
saídas de curvas, Marc aprendeu com o australiano e o seu dom natural de
improvisação justifica os atuais resultados nas pistas.
Cal Crutchlow em uma entrevista recente
declarou que “Casey é a razão pela qual todos nós (pilotos Honda) utilizamos o freio
traseiro. Ele controlava o acelerador e o freio traseiro com perfeição e, junto
com Marc Márquez, criou um problema permanente para os pilotos de equipamentos
Honda, eles são tão bons que todos os outros que conduzem uma RC213V parecem
lentos”. Perguntado sobre o que esperava
de Jorge Lorenzo na equipe oficial o britânico não se furtou a dar a sua opinião:
“É muito difícil antecipar qualquer avaliação porque ele é um piloto fantástico,
entretanto imagino que ainda não saiba como extrair o máximo de uma Honda. Jorge
é talentoso e pilota com naturalidade, talvez mais do que qualquer outra
pessoa. Para o descrever com uma palavra diria metronômico, repetitivo. Quando Lorenzo
estava na Yamaha suas parciais durante voltas seguidas eram muito semelhantes”.
Em 2016 quando a Michelin
assumiu o fornecimento exclusivo de pneus as mudanças foram radicais, as
características de maior grip dos pneus migraram do composto dianteiro para o
traseiro. Esta alteração, junto com outras como o uso coercitivo da ECU
padronizada, criou condições para uma temporada atípica com a vitória de 9
pilotos nas 18 etapas. A Ducati já utilizava o freio traseiro para domar a
potência de seu motor e deu um salto de qualidade em 2017, levando a decisão do
mundial até a última etapa. A adaptação de Lorenzo com a Desmosedici GP17 fui
prejudicada pela falta de hábito em usar o freio traseiro, em 2018 o tricampeão
mundial já dominava melhor a nova técnica de pilotar e os resultados
apareceram.
Falta menos de um mês para a prova
inicial da nova temporada e todas as fábricas estiveram presentes nos três dias
da primeira seção oficial de treinos da temporada 2019 realizada na Malásia. O
clima colaborou, normalmente nesta época costuma chover em algum
período no circuito de Sepang, que resulta em limpar a pista eliminado a
borracha acumulada que aumenta a aderência do piso. Não houve uma gota d’água
nos três dias do teste, proporcionando condições excepcionais para um bom desempenho
dos protótipos.
Aprilia
Foi uma semana de altos e baixos para a fábrica
italiana. Aleix Espargaró ficou entusiasmado com a RS-GP 2019, acreditando que
o desenvolvimento está na direção certa. O protótipo apresentou boa velocidade
e ritmo estável, o piloto sentiu-se confortável com os freios, a única coisa
que faltou foi maior potência do motor.
Andrea Iannone teve uma participação pífia, faltou
ao teste “shakedown” de domingo, um período na quarta e quinta-feira e todo o
último dia. Pela versão oficial da equipe foram efeitos colaterais de
antibióticos utilizados para tratar a infecção de um dente, nos boxes os
comentários eram de que ele teria feito uma cirurgia plástica recentemente.
Iannone é um piloto competente e com mais talento que muitos que estão no grid
da MotoGP, já venceu uma prova, acumulou poles e pódios e já fez parte das
equipes oficiais da Ducati e Suzuki. Ele parece encontrar maneiras de sabotar
sua própria carreira e desperdiçar as chances que lhe são oferecidas. Chefes de
equipe costumam ter paciência com os pilotos talentosos, entretanto tudo tem um
limite.
Ducati
Visualmente a Ducati foi a fabricante que
apresentou o maior número de novidades: um novo pacote aerodinâmico; o retorno
do braço de torque; a tampa do reservatório entalhada e ventilada para auxiliar
o resfriamento e o mais instigante, uma alavanca tipo borboleta (wingnut) sobre
a barra superior da direção, que pode (ou não) ser utilizada para comandar
alguma traquitana dentro da caixa de salada montada na traseira. Os resultados
apareceram nas quatro primeiras posições do quadro geral dos tempos. Danilo
Petrucci comandou a esquadra italiana, seguido de Pecco Bagnaia (GP18), Jack
Miller e Andrea Dovizioso.
Bagnaia é um aprendiz rápido, inteligente, disposto
a aproveitar todas as oportunidades que tiver. Uma volta rápida prova seu
potencial, porém o verdadeiro teste virá durante as corridas quando tiver que
gerenciar pneus e maximizar o desempenho ao longo de cada fase da prova.
A Desmosedici GP19 é uma moto rápida, mas Dovizioso
não se entusiasma muito com o resultado do teste, ele entende que o ritmo de
corrida de Maverick Vinales e Alex Rins está um pouco melhor que o da Ducati.
Honda
A Honda operou uma quase uma clínica de fisioterapia
em Sepang. Dos três principais pilotos da Honda, Jorge Lorenzo não compareceu
por causa de uma fratura no escafoide em processo de consolidação, Cal
Crutchlow ainda se recupera do acidente que destruiu seu tornozelo e o retirou
das últimas provas da temporada passada e Marc Márquez está sem as melhores condições
por ter recentemente operado o ombro. A performance de Marc Márquez no topo da
tabela de tempos do primeiro dia serviu mais para provar a si próprio que ainda
pode ser veloz com a RC213V. O britânico conseguiu rodar o tempo todo, embora
sem poder calçar direito a bota e com um pouco de rigidez no tornozelo direito,
que dificulta o acionamento do freio traseiro.
As observações foram centradas em Stefan Bradl, piloto
de testes, porque Takaaki Katagami pilota um modelo Especificação B. Bradl é um
piloto excepcional, rápido o suficiente para ser competitivo, inteligente e
observador o suficiente para fornecer feedback para a engenharia, mas se fosse
tão bom quanto Márquez, Lorenzo e Crutchlow não seria só um piloto de testes.
Mesmo com todas as limitações enfrentadas em
Sepang, a Honda deixou os concorrentes preocupados. Nas poucas voltas que
realizou Márquez, mesmo com o ombro incomodando e não se arriscando para evitar
quedas, conseguiu voltas rápidas. A LRC de Crutchlow foi muito consistente e
Bradl conseguiu bons resultados, O que impressionou os concorrentes é que houve
muito poucas reclamações, os três pareciam satisfeitos com a moto.
Provavelmente Marc e Jorge não estejam nas melhores condições na abertura da temporada,
mas com certeza se apresentam como candidatos ao título.
KTM
Os austríacos levaram para Sepang uma infinidade de
peças para serem testadas. Houve progressos evidentes, Pol Espargaró sentiu que
a moto está melhor em quase todas as áreas, suas fragilidades estão sendo gradualmente
reduzidas e há muito trabalho para ser feito.
A contratação de Johann Zarco pela equipe já
apresenta resultados, o piloto francês foi mais rápido que Pol Espargaró na
quinta e repetiu o feito na sexta-feira. Ainda é muito cedo, mas parece que ao
KTM tem equipamento e piloto para alçar voos mais altos em 2019.
Um fato extremamente positivo é que a moto responde
bem tanto ao estilo selvagem de Pol Espargaró como à pilotagem precisa de Johann
Zarco. Isso é um sinal de que a base da moto é sólida, estão em um estágio de
ajustar detalhes, não em construir algo revolucionário.
O ritmo de Miguel de Oliveira foi uma boa surpresa
para a KTM, O piloto estreante da equipe satélite Tech3 ficou a décimos de
segundo de pilotos bem mais experientes e não sentiu muito a mudança de
categoria.
Suzuki
O teste de Sepang sugere que a Suzuki aproveitou
muito bem as concessões na temporada passada, como já demonstrava o resultado
das últimas provas em 2018. A nova carenagem deu maior aproveitamento para a
potência do motor e melhorou a velocidade máxima. Durante os testes o ritmo de
corrida de Alex Rins foi inferior apenas ao apresentado por Maverick Vinales.
Apesar da pouca idade (23) e estar apenas a dois
anos na MotoGP, Rins está liderando o desenvolvimento da Suzuki com bons
resultados. Seu colega de equipe, o novato Joan Mir, também mostrou boa
adaptação na categoria principal.
Yamaha
Um dos resultados mais evidentes do período de
teste em Sepang foi a mudança do humor no box da Yamaha, Maverick Vinales
voltou ao otimismo do início da temporada de 2017, quando venceu as duas
primeiras provas.
Com um ritmo de corrida excelente na quinta e
sexta-feira, a M1 foi rápida com pneus macios novos ou usados, Valentino Rossi
não brilhou no quadro dos tempos, porém seu otimismo não foi menor que o do
companheiro. Cada piloto trabalha nas seções de testes com uma agenda
diferente, Rossi concentrou sua atenção na aceleração e consumo de pneus. A sentimento
no box da Yamaha foi que o estremecimento entre os pilotos e os engenheiros de
desenvolvimento no Japão são coisas do passado.
Outra boa notícia para o fabricante foi o excelente
desempenho de Franco Morbidelli da satélite Petronas SIC. O piloto adaptou-se
muito bem e ficou entre os “top ten” no quadro geral.
PS: Depois da realização dos testes as casas de
apostas de Londres incluíram Rins junto a Márquez, Lorenzo e Vinales como
prováveis candidatos ao título de 2019.