segunda-feira, 17 de setembro de 2018

F1 & MotoGP - Talentos diferenciados


Hamilton & Márquez


De tempos em tempos surge uma nova tendência na TV brasileira, a mais recente é promover disputas entre amadores ou profissionais na cozinha. Uma emissora que durante anos alegou ser “O canal do esporte” tem nos dias atuais uma competição entre chefs como sua atração principal. Em todos estes eventos os concorrentes são julgados por sua produção culinária em um tempo limitado, utilizando ingredientes comuns em um ambiente controlado. A ideia é que em condições iguais, o talento defina quem é o melhor.


Os mesmos fundamentos podem ser aplicados às temporadas anuais de esportes motorizados. Os mundiais de Fórmula 1 e MotoGP, as cerejas do bolo da FIA e FIM, confrontam os melhores pilotos do planeta em diversos circuitos, cumprindo etapas com distâncias limitadas e equipamentos com recursos técnicos muito semelhantes, com características limitadas pelos respectivos regulamentos. Assim como nas disputas de culinária na TV, a dosagem dos diversos componentes e a capacidade do piloto determina o resultado final.


Existem diversas simetrias entre os campeonatos de F1 e MotoGP em andamento. Em ambos as fábricas que produziram os melhores equipamentos, de acordo com as limitações previstas pelas regulamentações, são italianas. Embora não seja uma unanimidade, um número expressivo de profissionais de imprensa que trabalham na cobertura da F1 reconhece que o SF71H da Ferrari é o equipamento mais completo entre os que disputam os GPs. Na MotoGP a Desmosedici GP18 da Ducati reúne o conjunto mais eficiente de características em um protótipo de competições. Entretanto, paradoxalmente, os dois pilotos que lideram por grande margem de vantagem ambos os campeonatos não são das equipes italianas.


Na semana que antecedeu o GP de Cingapura, uma corrida a ser realizada em um traçado urbano onde as ultrapassagens são virtualmente impossíveis, todos os veículos de comunicações reconheciam um certo favoritismo da Ferrari, citando também o fato de que os monopostos da Red Bull sempre tiveram bom comportamento neste tipo de pista. As Mercedes não eram descartadas, porém havia quase que um consenso que deveriam ter dificuldades de adequação com o circuito. Não foi o que aconteceu. Embora os resultados possam ser explicados por erros de estratégia ou ocorrências não previsíveis, como por exemplo Vettel perder tempo atrás de um retardatário e resultar ultrapassado por Verstappen devido a parada obrigatória, é inegável que a habilidade de Lewis Hamilton fez a diferença. Seu comportamento em todo o fim de semana foi impecável. Faltando sete etapas para o final a situação do britânico, 40 pontos de vantagem, é muito confortável.


A MotoGP apresenta um cenário semelhante, a supremacia das máquinas Ducati não é transformada em hegemonia por causa do extraordinário talento de Marc Márquez. Dispondo de uma Honda não tão eficiente, graças a um excelente primeiro semestre e a consistência de seus resultados, quase sempre entre os três primeiros, conseguiu abrir uma diferença absurda de 67 pontos a seis etapas para o encerramento do mundial.


Óbvio que existem diversos outros componentes nestas equações. A vitória em uma competição de alto nível como F1 ou MotoGP dificilmente pode ser creditada a um lobo solitário, quando isso acontece é uma exceção à regra. Normalmente os triunfos são resultado de um complexo trabalho de equipe onde o piloto é só uma das peças envolvidas. É praticamente impossível vencer um campeonato sem endereçar excelência nas áreas de gestão, infraestrutura, patrocinadores, engenheiros, mecânicos e outros profissionais. O piloto é uma das peças da engrenagem, porém a sua capacidade e discernimento é fundamental para, durante uma prova, extrair de um equipamento tudo o que for possível. 


Assim como não é lícito creditar uma conquista só ao piloto, culpar exclusivamente a equipe por um insucesso também não é justo, entretanto, quando toda a retaguarda trabalha bem e os equipamentos são muito semelhantes, a aptidão do piloto faz a diferença. As poucas vezes que Valteri Bottas foi solicitado a sacrificar a sua corrida para ajudar a pontuação de Hamilton não justificam a diferença de 110 entre ambos na contagem do campeonato, considerando que utilizam equipamentos rigorosamente iguais. A Honda alinha no grid de largada da MotoGP três motos com as mesmas características e o mesmo nível de desenvolvimento, Márquez tem 102 pontos a mais que Crutchlow e 145 em relação a Pedrosa, que não podem ser atribuídos exclusivamente acidentes de percurso.


A sabedoria do Barão de Itararé ensina que “de onde menos se espera, não sai nada”. Não é correto imaginar que os resultados obtidos por Lewis Hamilton e Marc Márquez sejam consequências apenas dos seus talentos naturais. Ambos têm o apoio de equipes com orçamentos fartos e tecnologia de ponta, são atletas dedicados, cultivam hábitos saudáveis e não descuidam do treinamento físico. O britânico ainda cultiva alguma presença social, o espanhol é totalmente centrado no esporte. Eles estão física e mentalmente preparados para os rigores de uma competição e podem, em condições limite, ir um pouco além do que os concorrentes.

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