Hamilton & Márquez |
De
tempos em tempos surge uma nova tendência na TV brasileira, a mais recente é
promover disputas entre amadores ou profissionais na cozinha. Uma emissora que
durante anos alegou ser “O canal do esporte” tem nos dias atuais uma competição
entre chefs como sua atração principal. Em todos estes eventos os concorrentes
são julgados por sua produção culinária em um tempo limitado, utilizando ingredientes
comuns em um ambiente controlado. A ideia é que em condições iguais, o talento
defina quem é o melhor.
Os
mesmos fundamentos podem ser aplicados às temporadas anuais de esportes
motorizados. Os mundiais de Fórmula 1 e MotoGP, as cerejas do bolo da FIA e
FIM, confrontam os melhores pilotos do planeta em diversos circuitos, cumprindo
etapas com distâncias limitadas e equipamentos com recursos técnicos muito
semelhantes, com características limitadas pelos respectivos regulamentos. Assim
como nas disputas de culinária na TV, a dosagem dos diversos componentes e a
capacidade do piloto determina o resultado final.
Existem
diversas simetrias entre os campeonatos de F1 e MotoGP em andamento. Em ambos as
fábricas que produziram os melhores equipamentos, de acordo com as limitações
previstas pelas regulamentações, são italianas. Embora não seja uma unanimidade,
um número expressivo de profissionais de imprensa que trabalham na cobertura da
F1 reconhece que o SF71H da Ferrari é o equipamento mais completo entre os que
disputam os GPs. Na MotoGP a Desmosedici GP18 da Ducati reúne o conjunto mais eficiente
de características em um protótipo de competições. Entretanto, paradoxalmente,
os dois pilotos que lideram por grande margem de vantagem ambos os campeonatos não
são das equipes italianas.
Na
semana que antecedeu o GP de Cingapura, uma corrida a ser realizada em um traçado
urbano onde as ultrapassagens são virtualmente impossíveis, todos os veículos
de comunicações reconheciam um certo favoritismo da Ferrari, citando também o
fato de que os monopostos da Red Bull sempre tiveram bom comportamento neste
tipo de pista. As Mercedes não eram descartadas, porém havia quase que um
consenso que deveriam ter dificuldades de adequação com o circuito. Não foi o
que aconteceu. Embora os resultados possam ser explicados por erros de
estratégia ou ocorrências não previsíveis, como por exemplo Vettel perder tempo
atrás de um retardatário e resultar ultrapassado por Verstappen devido a parada
obrigatória, é inegável que a habilidade de Lewis Hamilton fez a diferença. Seu
comportamento em todo o fim de semana foi impecável. Faltando sete etapas para
o final a situação do britânico, 40 pontos de vantagem, é muito confortável.
A
MotoGP apresenta um cenário semelhante, a supremacia das máquinas Ducati não é
transformada em hegemonia por causa do extraordinário talento de Marc Márquez. Dispondo
de uma Honda não tão eficiente, graças a um excelente primeiro semestre e a
consistência de seus resultados, quase sempre entre os três primeiros, conseguiu
abrir uma diferença absurda de 67 pontos a seis etapas para o encerramento do
mundial.
Óbvio
que existem diversos outros componentes nestas equações. A vitória em uma
competição de alto nível como F1 ou MotoGP dificilmente pode ser creditada a um
lobo solitário, quando isso acontece é uma exceção à regra. Normalmente os
triunfos são resultado de um complexo trabalho de equipe onde o piloto é só uma
das peças envolvidas. É praticamente impossível vencer um campeonato sem
endereçar excelência nas áreas de gestão, infraestrutura, patrocinadores,
engenheiros, mecânicos e outros profissionais. O piloto é uma das peças da
engrenagem, porém a sua capacidade e discernimento é fundamental para, durante
uma prova, extrair de um equipamento tudo o que for possível.
Assim
como não é lícito creditar uma conquista só ao piloto, culpar exclusivamente a
equipe por um insucesso também não é justo, entretanto, quando toda a
retaguarda trabalha bem e os equipamentos são muito semelhantes, a aptidão do
piloto faz a diferença. As poucas vezes que Valteri Bottas foi solicitado a
sacrificar a sua corrida para ajudar a pontuação de Hamilton não justificam a
diferença de 110 entre ambos na contagem do campeonato, considerando que utilizam
equipamentos rigorosamente iguais. A Honda alinha no grid de largada da MotoGP
três motos com as mesmas características e o mesmo nível de desenvolvimento, Márquez
tem 102 pontos a mais que Crutchlow e 145 em relação a Pedrosa, que não podem
ser atribuídos exclusivamente acidentes de percurso.
A
sabedoria do Barão de Itararé ensina que “de onde menos se espera, não sai
nada”. Não é correto imaginar que os resultados obtidos por Lewis Hamilton e Marc
Márquez sejam consequências apenas dos seus talentos naturais. Ambos têm o
apoio de equipes com orçamentos fartos e tecnologia de ponta, são atletas dedicados,
cultivam hábitos saudáveis e não descuidam do treinamento físico. O britânico ainda
cultiva alguma presença social, o espanhol é totalmente centrado no esporte. Eles
estão física e mentalmente preparados para os rigores de uma competição e podem,
em condições limite, ir um pouco além do que os concorrentes.
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