Marc Márquez no primeiro ¼ de volta em
Aragon
O “Homem que nunca existiu” foi um engodo criado pela inteligência aliada para iludir o comando alemão sobre a data e local da eminente invasão da Europa durante a Segunda Grande Guerra. Um cadáver fardado com uma pasta cheia de documentos falsos classificados como “Top Secret” foi abandonado em uma praia do território ocupado detalhando o dia e planos de desembarque, supostamente para avisar as forças de resistência francesa.
O GP de Aragon da temporada de 2019 da MotoGP também foi um engodo. Desde as primeiras voltas do TL1 todos os que acompanham o mundial de motociclismo não tinham dúvidas sobre quem seria o vencedor. Na primeira seção de testes (TL1) Marquez repetiu a estratégia utilizada nas últimas provas, garantiu um índice suficiente para evitar a pré-qualificação (Q1) e, no restante do tempo, trabalhou na configuração da moto para a prova. A surpresa no final da seção foi a diferença que o #93 abriu sobre os demais concorrentes, 1,617 segundos mais rápido que o segundo colocado, ou seja, abriu uma distância próxima de 50 metros em uma única volta. Tamanho domínio prenunciava uma vitória folgada do atual campeão na 14ª etapa do mundial.
Foi o que aconteceu. Em uma largada limpa, Márquez assumiu a liderança e sumiu no horizonte. Marcou no segundo giro a melhor volta da prova, sua superioridade era tamanha que em 8 voltas já tinha mais de 5 segundos de vantagem. Longe de ser uma corrida tranquila, o piloto correu o risco de padecer do que Barry Sheene, campeão mundial de 1976 e 1977 (500cc), identificou como “Síndrome da Liderança”. Sem uma moto para perseguir e sem estar ameaçado, o líder tem muita dificuldade em manter a concentração. A título de exemplo, todos lembram de um acidente de Ayrton Senna no GP de Mônaco de Fórmula 1 em 1988, o brasileiro liderava a prova com quase 1 minuto de vantagem e bateu sozinho na curva Portier, pouco antes da entrada do túnel. Em Aragon, depois de obter uma distância confortável, Márquez conseguiu manter o foco, controlou seus perseguidores, aliviou o acelerador e manteve a diferença na casa de 5 segundos até receber a bandeira quadriculada. Desconsiderando a performance do líder, a prova proporcionou um espetáculo que tem sido comum na MotoGP, disputas acirradas por colocações envolvendo Yamaha, Ducati, Suzuki e surpreendente a Aprilia de Aleix Espargaro.
Depois de uma etapa em Misano onde havia classificado seus 4 pilotos entre os top 5, a esperança da Yamaha era repetir este resultado em Aragon, frustrada já na 1ª volta quando a impaciência de Alex Rins tirou Franco Morbidelli da prova. Vinales perdeu o pódio nas 3 últimas voltas, incapaz de resistir a maior potência das Ducati de Dovizioso (2º) e Miller (3º) na extensa reta oposta entre as curvas 15 e 16. Não havia nada que o espanhol pudesse ter feito, foi uma presa fácil (sitting duck) para a maior velocidade final das máquinas italianas. Quartararo, que antes da prova se apresentava como potencial concorrente de Márquez, não teve fôlego e terminou em 5º. Cal Crutchlow (6º) fez uma corrida burocrática e Aleix Espargaro obteve uma brilhante 7ª colocação com a Aprilia apresentando uma grande evolução. Valentino Rossi conduziu a terceira Yamaha à 8ª posição, seguido da Suzuki de Alex Rins, que apesar de ter provocado o incidente que culminou com o abandono de Morbidelli, cumpriu uma “long lap” de penalização e terminou em 9º. Takaaki Nakagami fechou o “top ten” com uma Honda satélite. Três Honda, 3 Yamaha, 2 Ducati, 1 Aprilia e 1 Suzuki ocuparam as dez primeiras posições da prova, a KTM melhor colocada foi de Miguel Oliveira em 13º.
Em uma prova onde se esperava muito das Yamaha e Suzuki, o desempenho das Ducati foi brilhante. Andrea Dovizioso largou da 10ª posição do grid e alcançou a 2ª colocação, Jack Miller (Pramac) completou o pódio. Danilo Petrucci é o único piloto que pontuou em todas as etapas da temporada, porém seu desempenho caiu inexplicavelmente depois de ter renovado seu contrato para 2020 e chegou apenas em 12º.
Todas as provas das temporadas de 2012 a 2015 foram vencidas exclusivamente por pilotos das equipes oficiais da Honda e Yamaha, a justificativa na época eram os investimentos realizados e o software proprietário que auxiliava e corrigia excessos dos condutores. Visando frear a escalada de custos e aumentar a competitividade, os administradores da MotoGP optaram em 2016 por obrigar o uso de uma especificação padronizada do sistema eletrônico, produzido pela Magneti Marelli. A Ducati, que se dispôs a testar o sistema durante seu desenvolvimento, contratou um dos engenheiros envolvidos no projeto e foi a primeira equipe a conseguir extrair os melhores resultados. Seu exemplo foi seguido por outras equipes, Honda e Pramac também buscaram nos quadros técnicos da empresa italiana o auxílio de pessoas que conheciam em detalhes o funcionamento do software. A Yamaha apostou em sua própria equipe de software para tentar entender as particularidades da ECU (Eletronic Central Unit) e ainda não conseguiu um resultado satisfatório. A notícia da semana foi que a empresa contratou um dos supervisores da equipe original da Magneti Marelli, que prestava serviços para a Pramac, e vai coordenar a eletrônica da Yamaha a partir próxima temporada. Não foram divulgados os números da transação, mas se estima que sejam altos em função da reação de desagrado da Ducati.
Menos vale mais. O verso de Vinicius de Moraes & Toquinho no sucesso Regra 3 (que regulava as substituições no futebol) foi utilizado pela KTM para melhorar o desempenho de seu protótipo RC16. A empresa austríaca é a única que utiliza quadros com treliça de aço e tem um problema crônico de falta de velocidade no contorno de curvas. Esta dificuldade foi diagnosticada em parte pela excessiva rigidez do chassi e, para obter alguma flexibilidade lateral, foram removidos dois dos parafusos que ancoravam o motor. Segundo os pilotos houve alguma melhora, caracterizando um caso atípico onde implementar novos componentes significou remover de peças.
Marc Márquez pode conquistar o campeonato já na próxima etapa, basta marcar 2 pontos mais que Dovizioso para ser matematicamente inalcançável, considerando que o primeiro critério de desempate é a número de vitórias.